No mês em que se completam três anos da morte de Renato Russo, a gravadora EMI e a MTV colocam no mercado o Acústico MTV do Legiao Urbana, gravado originalmente em 1992. Os formatos sao CD e vídeo. A emissora leva o programa ao ar na próxima sexta (29), às 22h, e o reprisa no sábado, às 14h30 e às 20h30, e no domingo, às 16h30. A exibiçao do Acústico do Legiao integra as comemoraçoes dos nove anos da MTV, também completados este ano.

Depois que Renato morreu, muita água correu sob a ponte que liga a homenagem sincera ao oportunismo-abutre típico das gravadoras multinacionais (vale lembrar, essa EMI do Legiao é a mesma que jurou, por meio de nota oficial, que jamais lançaria qualquer novo material com a marca Mamonas Assassinas, somente para meses depois, na maior cara de pau, lançar um CD-ROM do grupo, morto em acidente de aviao em 1996).

O disco mais mórbido do Legiao, A Tempestade, saiu poucas semanas antes de Renato morrer; depois vieram Uma Outra Estaçao, melhor que seu antecessor, mas já com jeitao de necrofilia; O Ultimo Solo, que trouxe o que havia restado das idiossincráticas gravaçoes particulares de Renato; e a coletânea Mais do Mesmo, que apôs na história do Legiao o que parecia ser o ponto final.

Mas, como escreveu T.S. Eliot, "à medida que o tempo passa o mundo fica mais estranho, mais complicada essa questao de distinguir vivos e mortos". Por isso, nao vale mais a pena - como já foi feito aqui - malhar Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá (os remanescentes do Legiao), EMI e MTV por comercializarem a voz de um fantasma, simplesmente porque voltou a ser necessário viver a experiência de ouvir Renato Russo. Em dias como estes, nos quais você liga o rádio e ouve os Titas cantando Pelados em Santos, fica mesmo difícil separar o que ainda pulsa do que já está podre. Assim, o Acústico MTV do Legiao vem em boa hora.

Obviamente, os departamentos de marketing envolvidos na questao tinham de meter os pés pelas maos: a cançao pinçada dentre 14 faixas para promover o álbum nao podia ser pior. Trata-se de Hoje a Noite Nao Tem Luar, uma versao em português de Hoy Me Vou Para Mexico, do Menudo - sim, do Menudo. Renato cantou essa música numa pausa do programa, com Dado ausente do palco e Bonfá quieto atrás de sua bateria. Até que ficou meiguinho ("é cafona", avisa Renato), só que a música é desprovida de melodia, um pecado quando é a voz de Renato que está em cena.

As outras 13 cançoes refletem apenas parcialmente a intençao de promover o álbum V, que acabara de ser lançado. Segundo Dado e Bonfá, o convite da MTV para gravar o programa foi entendido como uma boa chance para nao gravar clipes das novas cançoes - mas entraram só três faixas do entao novo disco, Sereníssima, Teatro dos Vampiros (que Renato conta ser sobre a televisao brasileira, algo difícil de se suspeitar pela letra) e a épica Metal Contra as Nuvens.

As quatro primeiras faixas do Acústico MTV estao em ordem cronológica: Baader-Meinhof Blues, Indios, Mais do Mesmo e Pais e Filhos; a quinta é a cançao do Menudo; depois vêm Sereníssima e Teatro dos Vampiros. Uma seçao em inglês traz On the Way Home, do Buffalo Springfield (leia-se, Neil Young), acoplada a Rise, do PIL (leia-se, John Lydon pós-Sex Pistols), mais Head On (do Jesus and Mary Chain) e The Last Time I Saw Richard, de Joni Mitchell. Depois é a reta final, com Metal Contra as Nuvens, Há Tempos, Eu Sei e Faroeste Caboclo (as duas últimas no bis).

Informal - A música que se ouve no CD é a mesma que se ouve no vídeo. O primeiro formato tem a vantagem da qualidade sonora, o segundo é irresistível para os fas, já que tem imagens de uma banda um tanto arredia nesse aspecto.

Vale observar que esse programa integra a pré-história dos acústicos brasileiros, que hoje em dia sao superproduçoes de gosto e resultados duvidosos. Assim, o cenário é inexistente, a iluminaçao é burocrática, as câmeras sao poucas, nao há figurino, o palco é ocupado somente pelas três pessoas que entao formavam o Legiao (e tocando apenas dois violoes e bateria). Para sublinhar o clima informal, optou-se por nao editar, nem no disco nem no vídeo, as longas falas de Renato à platéia. Fica a conclusao de que nunca houve um ególatra tao simpático...

É verdade que é difícil perdoar algumas falhas que, aqui e ali, saltam aos sentidos. Primeiro, o catatônico Bonfá parecia nem estar no palco, dando suas batidinhas molengas em bongôs e pratos quase inaudíveis. Segundo, e isso a própria dupla remanescente admite, houve pouco ensaio para a gravaçao do programa, o que fica claro nos desencontros dos violoes de Renato e Dado, e na incapacidade de os três chegarem a um acordo na hora de terminar as cançoes (em Mais do Mesmo chega a ser ridículo). Além disso, Renato erra duas vezes a letra de Faroeste Caboclo, e em Sereníssima, surpreendido pela empolgaçao da platéia, simplesmente pára de cantar (depois ele retoma).

Mas tudo bem. Basta ouvir Indios, The Last Time I Saw Richard, Teatro dos Vampiros e On the Way Home para nao ter a menor dúvida sobre se vale a pena ou nao comprar o CD e/ou o vídeo. Vale, sim. É pura documentaçao da melhor voz que o rock e pop nacional já tiveram, de seu melhor letrista, de sua banda mais significativa, de uma história que acusou índice zero de venalidade. Quem preferir Pelados em Santos sabe onde procurar. HHHH (disco) e HHH (vídeo).