O vazio como forma de arte e uma história de amor que atravessa os séculos, contada sob a estética "new age", marcaram um dia ruim no 63º Festival de Cinema de Veneza.
Segundo a agência Ansa, o primeiro é a marca de fábrica do cineasta de Taiwan (nascido na Malásia), Tsai Ming-Ling, que no seu novo filme intitulado ‘Não quero dormir sozinho’ (Hei yanquan), protagonizado pelo casal de atores-fetiche Lee Kang-sheng e Chen Shiang-Chyi, faz uma nova reflexão sobre a degradação do mundo contemporâneo.
A segunda, ‘Fonte da Vida’ (The Fountain) é o terceiro longa-metragem do norte-americano Darren Aronofsky.
Filme após filme, Tsai examina com indiferença crescente o espetáculo do caos e da miséria do mundo moderno, com longos silêncios em prédios em ruínas. Aqui ele volta para a Malásia natal para contar a história de Hsiao-kang, eterno nome de seu protagonista, espancado por uma gangue de criminosos, cuidado por um grupo de imigrantes ilegais de Bangladesh e disputado sexualmente por duas mulheres e um homem.
Estes personagens que se movem ao redor de um objeto sexual indiferente são um bengali, feliz por compartilhar a sua solidão e o seu colchão com uma pessoa; a funcionária de uma cafeteria, que também deve cuidar de um jovem em coma; e a mãe deste, dona do local.
Em longas seqüências com câmera fixa e quase sem diálogos, Tsai dissemina cenas inquietantes, como uma masturbação a quatro mãos do rapaz em coma (o próprio Lee Kang-sheng, em uma decisão que acrescenta outro elemento intrigante), unidas a outras nas quais nada acontece ou há a repetição de ações anteriores, como os banhos contínuos e amorosos dos personagens interpretados por Lee.
O resultado se aproxima de ‘Goodbye Dragon Inn’, mas sem o fascínio ou a ironia que caracterizaram este filme ambientado em um cinema de fantasmas e homossexuais na última apresentação antes da demolição. Dificilmente Tsai receberá outro Leão de Ouro em Veneza, depois do de 1994 por ‘Vive l'amour’ e que o revelou ao público internacional.
’Fonte da Vida’ é uma história de amor que atravessa um milênio, dos tempos da conquista da América até o século XXVI, passando pela época atual. Essa viagem épica é protagonizada por um conquistador espanhol em busca da Árvore da Vida cuja seiva pode lhe dar a imortalidade; depois ele passa a ser um cirurgião que testa uma nova cura para o câncer para salvar a sua esposa e, já no século XXVI, como um astronauta que finalmente aceitará a idéia da morte.
Trata-se de um projeto ambicioso de Aronofsky, um diretor descoberto com ‘Pi’ e reafirmado com ‘Réquiem para um sonho’, que sempre surpreendeu o espectador com filmes incomuns, que repousam a sua confiança na inteligência do público.
É também o mais rejeitado pelas grandes produtoras norte-americanas, apesar de duas terem unido esforços para financiá-lo (Twentieth Century-Fox e a Warner Bros).
O resultado dá razão à desconfiança das grandes produtoras, já que ‘Fonte da Vida’ é uma sucessão de seqüências de uma beleza rebuscada na qual cada cena é pensada como um quadro em detrimento da verossimilhança dramática, com uma ânsia doentia pela imortalidade e um açucarado hino ao amor eterno, tudo com referências visuais tanto a ‘2001’ (o protagonista que viaja em uma bolha) como a ‘Há um ano em Marienbad’ (as cenas que ocasionalmente se repetem).
A infeliz interpretação de Hugh Jackman e Rachel Weisz não é sequer compensada pela breve e soberba aparição de Ellen Burstyn, que deve a Aronofsky o melhor papel de sua carreira por ‘Réquiem para um sonho’.