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‘Machismo é o nosso grande inimigo’
Aline Melo
27/08/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


O Grupo Temático de Trabalho Gênero e Masculinidades, do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, nasceu em 2016 após oficina de formação de servidores públicos. O objetivo é discutir ações e políticas públicas que possam ajudar a combater o machismo, as desigualdades de gênero e entender quais são as demandas do homem de hoje. Sob coordenação de Eurico Marcos Jardim, o grupo já abriu a formação para a sociedade civil e busca articular ações com outros setores do Consórcio, como os GTs Gênero e Juventude. “Machismo é o nosso grande inimigo, mas para a gente falar de machismo, a gente precisa falar de desigualdade social”, declarou Jardim.

Qual o objetivo do GT Gênero e Masculinidades?
Refletir sobre as questões de gênero e masculinidade e ser propositivo, ou seja, a partir da reflexão, que ações a gente pode desenvolver na sociedade? Quando a gente fala ações, são políticas públicas. O que a gente pode sugerir para a nossa região? Como a gente dialoga com a sociedade? O que a população está dizendo? O que o mundo está conversando? A gente busca essa sensibilidade, para que possa captar o que está acontecendo na sociedade, que seja importante a gente refletir e traduzir em forma de políticas públicas.

Desde quando existe o grupo e que ações têm sido desenvolvidas?
Desde janeiro de 2016. Foi formado a partir do curso de gênero e masculinidades, que foi em 2015 e as pessoas que fizeram o curso passaram a integrar o GT. Na ocasião, tínhamos representantes de seis cidades, apenas Rio Grande da Serra não participava. Naquele momento a gente estava discutindo o que queríamos fazer, o que deveríamos, e já tínhamos algumas propostas, como a campanha do laço branco que aconteceria em dezembro. Mas, até lá, o que poderíamos fazer? Então desenvolvemos a cartilha de gênero e masculinidades, para sensibilizar a sociedade civil. Como o homem vive hoje na sociedade e que transformação está acontecendo? Como isso está impactando a vida dessas pessoas? Trouxemos temas pertinentes como as questões de relação de gênero, como isso afeta a nossa vida no dia a dia e gera a violência. Fizemos também três seminários, um com grupos de homens autores de violência contra a mulher, refletindo sobre isso, quais as nuances de grupos que já existem e já vêm fazendo esse trabalho com autores de violência, como o ‘E agora, José (serviço de atendimento socioeducativo da Prefeitura de Santo André para homens autores de agressão contra mulheres)’. O segundo seminário foi sobre igualdade racial, para discutir o enfrentamento à violência contra a negra, a índia, então trouxemos a questão da igualdade racial e a igualdade de gênero. Terminamos o ano com a campanha do laço branco, cuja mobilização começa em 20 de novembro e segue até o dia 10 de dezembro, Dia dos Direitos Humanos. Quando a gente fala em violência contra a mulher, estamos falando em violência contra os direitos humanos. Para a campanha criamos faixas, banners, folders, diversos materiais para que a gente pudesse interagir com a população. Saímos pelas ruas com um cartaz escrito ‘homem de verdade não bate em mulher’ e fizemos esse enfrentamento, percebendo a reação das pessoas.

Qual é a temática abordada no curso sobre gênero e masculinidades e quem é o público-alvo?
O curso é a a manutenção desse discurso todo e nosso público inicialmente foram os funcionários públicos efetivos, porque a gente pretende que essa seja uma política pública perene, que tenha continuidade através dos governos. A gente trabalha com a questão de gênero. Machismo é o nosso grande inimigo, mas para falar de machismo, precisa falar de desigualdade social. O machismo é uma discriminação em relação à mulher feita pelo homem que a gente considera dominante na sociedade, o homem branco cisgênero heterossexual. Que diferenças que o homem faz em relação à mulher e a trata como inferior? Isso é a gênese do machismo, que nasce da discriminação, não só a discriminação sexual e de gênero, mas também a racial. A mulher negra ainda é tratada como inferior à branca. Discutimos o significado de ser homem, a divisão de tarefas masculinas e femininas, a carga de trabalho que as mulheres têm, trabalhando fora e cuidando da casa e dos filhos, uma carga que normalmente os homens não têm. A gente avalia isso. Tratamos também sobre a violência nos jogos infantis, como isso impacta na formação, na escolha da profissão. A desigualdade é sempre a gênese da discriminação. O machismo é fruto da desigualdade, que é fruto da discriminação e os estereótipos, as formas de ser homem, de expressar a masculinidade.

Como sensibilizar o homem sobre machismo, uma vez que normalmente é ele o principal ator?
O homem é o principal agente da violência e comete mais de 95% dos crimes. As mulheres matam muito menos que os homens, não podemos colocar no mesmo balaio. Temos que conversar com os homens. Temos participado de diversos eventos, e a mídia tem um peso nisso, porque favorece o diálogo com quem está distante. A política pública tem poder de ação, mas a mídia tem o poder de politizar. Realizamos palestras, cursos. Temos tido dificuldade em conversar com as igrejas e queremos isso, chegar às igrejas, aos clubes de futebol para tratar da violência contra os homossexuais. Esse discurso do homem branco hétero dominador está muito presente na sociedade.

Os homens também são vítimas do machismo?
São. O homem mata no trânsito, é violento, comete ultrajes por conta desse lado machista. A gente se sente superior em relação ao outro. O homem pratica a violência contra o outro homem, contra si. A gente vê a falta de cuidado com ele mesmo. A falta de autoestima e com o outro é um pontapé, um chute, uma piadinha, um sarcasmo. A gente tem um repertório muito grande na sociedade de práticas de violências que são aceitas, banalizadas. E a gente precisa rever nossa postura. Sem contar as agressões físicas, psicológicas, o assédio moral, sexual, o ‘fiu-fiu’, a cantada.

Como construir com as novas gerações uma masculinidade que não seja machista?
Esse é o grande desafio. Temos muita dificuldade em alcançar o jovem. Precisamos dialogar, falar com os homens. Gostaríamos de ir às escolas, falar com esses jovens. Estamos abertos para isso.

De que forma esse assunto pode ser debatido nas escolas?
Existem diversas dinâmicas que podem ser adotadas. A principal demanda que os jovens apresentam é como avançar dentro da relação com a intimidade com o outro. A gente percebe em um famoso programa de TV que o jovem explicita as suas dúvidas falando em terceira pessoa, em nome de um colega. Esse recurso é muito válido e muito autêntico. Entendemos que ele faz para se proteger em uma redoma, projetando a dúvida em outra pessoa. Mas acho que o principal instrumento é o diálogo. Precisamos incluir as famílias neste processo.

Parlamentares têm conseguido manter a palavra gênero e toda a sua abordagem fora dos currículos escolares. Qual pode ser o impacto dessas medidas a médio e longo prazos?
Acho que é uma atrofia social. Um retrocesso no avanço de políticas públicas. A questão de gênero, a expressão da sexualidade vai repercutir na identidade de gênero, na orientação sexual. Não discutir gênero nas escolas é uma forma de contribuir para a perpetuação da violência.

O que é discutir gênero na nossa sociedade?
É enfrentar todas as resistências sociais que estão construídas. Abordar os trabalhos que estão dados na sociedade para homens e mulheres. Dividir as tarefas. Homens que limpam a casa, mulheres que trocam o botijão de gás. Isso prova a igualdade. Esse é um exercício prático em encontros de casais e isso mostra a igualdade. Se a gente conseguir mostrar isso para a sociedade, essa visibilidade, teremos consciência de que isso está reduzindo a violência contra a mulher. Mais de 50% das violências contra a mulher acontecem dentro das casas. É lá onde está a nossa dificuldade, onde prevalece o direito privado do homem. E discutir gênero não é discutir sexualidade. Gênero é uma construção social, como me identifico e como me expresso. Vestir saia, deixar o cabelo crescer, são símbolos masculinos ou femininos? Devem ser permanentes ou posso romper com isso? Quando olho no espelho, que homem eu sou? Que homem eu represento? Que tipo de homem eu perpetuo na sociedade? A luta pela igualdade inclui abrir mão de privilégios. Nós, homens brancos, heterossexuais e cisgêneros somos privilegiados, somos dominadores, fazemos parte da história de dominação e controle e narramos a história à nossa maneira. Temos uma responsabilidade social muito grande de desconstrução e de promoção da igualdade. Talvez igualdade seja utopia, mais talvez a similaridade entre os gêneros.

Como o poder público pode atuar nas questões de gênero e masculinidade da região?
Através de políticas públicas, um instrumento. Precisamos também que as populações sejam politizadas. Que essas políticas representem os anseios da sociedade e que atendam a essas demandas da população.

Críticos da Lei Maria da Penha e de outras iniciativas de proteção à mulher se queixam de uma excessiva punição dos homens. Como avalia essa questão?
Acho que não conhecem a lei, que é fruto de uma demanda histórica do movimento feminista. As reclamações já existiam. O desejo de que o homem seja responsabilizado pelas suas atitudes violentas é anterior à lei. A Lei Maria da Penha vem como elemento preventivo. Entendo que faltou a parte de educar as pessoas sobre a lei após a sua implantação e isso é responsabilidade do Estado. Precisamos ter consciência do dano causado pela violência dos homens contra as mulheres e a gente que trabalha com agressores percebe o quanto essas pessoas ainda são insensíveis a isso, ainda se sentem vítimas da lei.

A saída de Diadema e as possíveis saídas de São Caetano e Rio Grande da Serra têm afetado as reuniões do GT?
Sim. Diadema sempre foi o carro-chefe, porque desenvolveu por muito tempo as questões de Segurança pública e sempre foi piloto nesse tema. Sempre tivemos os servidores da cidade como grandes colaboradores. São Caetano tem mais independência econômica e financeira, então consegue dar respostas locais. Mas as outras questões, existem as Casas Abrigo, e 50% da população vive de maneira metropolitana, ou seja, mora em um município, trabalha em outro, estuda em um terceiro. A gente só consegue pensar em segurança das mulheres, aquelas que estão em situação de risco, se pensado de forma regional. Se eu tenho uma mulher em risco em Santo André e eu a mantenho na cidade, qual a chance de ela estar realmente segura? A gente perpetua a vulnerabilidade. Pensar regionalmente é fundamental, não podemos pensar global e agir local.
 




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