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Relação capital-trabalho em xeque
Lana Pinheiro
Do Diário do Grande ABC
19/08/2006 | 22:09
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As relações capital versus trabalho na indústria automotiva mundial vivem momento crítico. Nos Estados Unidos, o UAW (United Auto Worker), o sindicato de lá, e as montadoras estão em momento de reflexão sobre o futuro do setor que está ameaçado após os sucessivos prejuízos financeiros registrados pela General Motors e Ford. No Brasil, a situação, por enquanto, não é tão grave, mas três ex-dirigentes da industria são categóricos em afirmar: o diálogo precisa aumentar e tanto sindicato quanto montadora precisam tomar decisões locais de olho no acirramento da competição internacional por investimento.

André Beer, ex-vice-presidente da GM do Brasil, Diogo Clemente, ex-diretor de Recursos Humanos da Ford, e Wolfgang Sauer, ex-presidente da Volkswagen, deram suas opiniões em momentos distintos. Por isso, vale ressaltar: a hipótese de contaminação de idéia de um pelo outro está descartada.

Para Beer, não há mais dúvidas de que a relação capital-trabalho deve sofrer mudança gradual. Sem esse novo passo, o país não acompanhará as evoluções que estão em curso no mundo. “Tenho certeza de que montadoras e sindicatos estão avaliando melhor suas relações. Não há mais como cometer os mesmos erros do passado. Temos um perigo novo e iminente que é a China com seus encargos quase nulos”. Esse e outros competidores, como Leste Europeu, Índia, Rússia, “precisarão estar cada vez mais presentes em toda e qualquer decisão seja do lado dos trabalhadores ou das montadoras”.

Fechar o olho para o cenário macro – onde o país é só mais uma peça em um imenso tabuleiro repleto de novas possibilidades de jogadas – representa sério risco para o futuro da competitividade dos produtos brasileiros. “O raciocínio é simples: as empresas vão localizar seus futuros investimentos em áreas com valor de mão-de-obra mais adequado”. E aí sobram críticas para o Grande ABC. “O custo do Grande ABC é quase proibitivo”, afirma Beer citando como exemplo pagamentos de PLR (Participação de Lucros ou Resultados) mesmo quando a empresa está no prejuízo. “As conquistas são importantes, mas é preciso chegar a um consenso de custos mais baixos. Caso contrário, vamos perder espaço”, conclui Beer.

Montadoras - As palavras são outras, mas Diogo Clemente também defende uma “reciclagem nas relações”. Esse processo, explica, “passa por um esforço dos dois interlocutores de se compreenderem, e não simplesmente de se ouvirem”. Do lado das montadoras, o ex-diretor da Ford defende maior amplitude na divulgação e entendimento dos contratos.

“Ninguém é obrigado a assinar um contrato. Mas depois de feito, precisa ser respeitado. E não são três ou quatro gestores que precisam ter plena consciência do acordo. É a empresa inteira”, afirma. Para conseguir essa homogeneidade, é imprescindível treinar pessoas e criar meios para que a comunicação interna seja cada vez mais clara e eficiente.

Para a comunicação com o sindicato, o treinamento também é essencial. “É preciso manter a integridade na relação. Os executivos precisam aprender a não aceitar provocações e tratar os trabalhadores com extremo respeito. Isso chama-se gerenciamento das relações trabalhistas”, explica Clemente.

Do lado do sindicato, o ex-dirigente defende a reflexão e uma posição de menos embate e mais articulação. “Muitas vezes, o sindicato cria situações extremas das quais não consegue sair. É preciso repensar essas radicalidades e agir mais racionalmente”.

Ainda segundo Diogo Clemente, essa mudança de postura para uma relação mais cordial não significa falta de firmeza. “Montadoras e sindicatos precisam ser claros, transparentes e colocar com firmeza, mas com respeito o que pretendem e para qual objetivo. Fechado os acordos, o cumprimento do acordado precisa ser exigido”, finalizou.

Democracia - Wolfgang Sauer mantém o tom da conversa, mas acrescenta que os trabalhadores deveriam eleger as comissões de suas próprias fábricas para que esse grupo tivesse a missão de negociar com os dirigentes da empresa. “Por meio do voto, o trabalhador escolheria as pessoas que o representassem e que por trabalharem na mesma empresa tivessem plena consciência das necessidades da empresa e dos trabalhadores.”

Por voto, ressalta, também seriam definidas as greves. “A paralisação é um direito do trabalhador, mas deveria ser melhor regulamentada. A decisão de fazê-la ou não, por exemplo, deveria partir de cada empregado por meio de votação secreta. Seria um processo mais democrático do que é feito hoje, com o sindicato na porta da fábrica e votação por levantamento de braços”.

O sindicato, em seu ponto de vista, deveria ser um trabalho voluntário para organizar as diversas comissões. E assim como André Beer e Diogo Clemente, Sauer também é categórico sobre a importância da existência do sindicato. “Sua existência é inquestionável”. Na opinião dos três, montadoras e sindicatos terão que mudar a forma de trabalhar para garantir um futuro sustentável tanto para trabalhadores como para as companhias.



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