Murilo Cervi trabalhava com contabilidade em São Caetano, mas não estava satisfeito. Tudo começou a mudar em 2012, com produção de vídeos para a internet. “Ficava com vontade de iniciar algo, mas não tomava a decisão”, diz o rapaz de 39 anos.

Hoje, ele atrai a atenção dos jovens com entrevistas descontraídas, piadas em festas universitárias, vendo adolescentes em duelos de cantadas toscas e explorando o mundo dos e-sports. Cervi atende pelo apelido de Muca Muriçoca e conta com 6,4 milhões de inscritos e 650 milhões de views em seus dois canais no YouTube, sendo um dos maiores produtores de conteúdo on-line da região.

Como era sua vida antes da criação de seus canais no YouTube?

Eu poderia ser considerado uma pessoa normal. Pouco antes de abrir meu canal no YouTube, eu trabalhava apenas em meu escritório de contabilidade, com sócios e colaboradores. Embora bem-sucedido financeiramente, eu sentia que me faltava algo para realização pessoal. Sempre sonhei em trabalhar com o público, fosse como apresentador de televisão, humorista, cantor ou fazendo outras coisas dentro do meio do entretenimento. O YouTube foi uma porta para isso, onde você não precisa ter nenhuma experiência ou padrinho para entrar e aparecer.

De que forma a internet o influencia no dia a dia? O que mais gosta de fazer quando passa tempo on-line sem estar trabalhando no desenvolvimento e produção dos vídeos?

A maior influência da internet em minha vida, sem dúvida alguma, foram os jogos on-line. Fui fundador e líder por 15 anos de um clã (como são conhecidos popularmente os times de games de e-sports) chamado Animaniacs (*AnM*), que me serviu como espécie de escola para aprender a lidar com pessoas de diferentes idades, classes sociais e ideologias, além de precisar solucionar conflitos entre elas. Foi uma experiência sobre amizades verdadeiras e falsas, sobre aprender a ganhar e a perder, sobre superar e não desistir quando as coisas ficam complicadas.

Como e quando surgiu a ideia de montar um canal? De onde nasceu o apelido de Muca Muriçoca, que o tornou conhecido pelo público jovem?

Eu assistia a muita gente no YouTube que havia começado do nada e estava cada vez mais se destacando na internet. Alguns, como Rafinha Bastos e Danilo Gentili, por exemplo, foram parar, inclusive, na TV na época. Eu achava aquilo muito louco, muito bacana mesmo. Ficava com vontade de iniciar algo, mas não tomava a decisão. Achava que aquilo não era para mim, apenas para os outros. Até que, em 2012, fui a um show de rodeio em Americana (Interior de São Paulo) e, nesse dia, o Gusttavo Lima se apresentou. Havia tido contato a primeira vez com o Gusttavo no Navio Sertanejo do Jorge & Matheus, em 2008, onde ele ficava cantando o dia todo no palquinho da piscina entretendo os banhistas. Ninguém o conhecia e ele passava despercebido. Em uma noite até jantamos juntos e trocamos ideia.

Nesse dia ele me deu um CD demo e achei muito legais as músicas dele. Quase cinco anos depois, eu o estava assistindo em um rodeio lotado como atração principal e milhares de pessoas cantando suas músicas. Nesse dia me inspirei e tomei coragem e a decisão de que iria começar meu canal.

Há quem imagine que a vida de youtuber não é tão puxada como outras profissões. Como funciona sua rotina de trabalho?

Hoje posto de dois a três vídeos por semana em meus canais (Muca Muriçoca, com cerca de 6,014 milhões de inscritos, e MucaTV, acompanhado por pouco mais de 473 mil inscrições de fãs, sendo o último dedicado a daily vlogs e gameplays). A maior parte dos meus vídeos ocorre em viagens e eventos, o que demanda tempo de locomoção etc. Além da parte de criação e captura de imagem, ainda há a parte mais trabalhosa: a edição. Embora hoje eu tenha editores, todos os vídeos passam por mim antes de irem ao ar e eu ainda altero cerca de 75% do material de cada produto para que ele continue com a minha cara, embora os editores já tenham pegado o espírito do canal. No YouTube e na internet, se você se ausenta por alguns dias, seus números caem e o engajamento também. Você tem que estar na velocidade frenética da internet a todo o tempo.

Entre feiras geeks, competições de games, viagens com estudantes e outras opções de eventos que participa, que tipo de universo rende mais material para os vídeos?

Todos rendem material praticamente da mesma forma. O que muda um pouco é o público que assiste. Tem inscritos que gostam de todos os vídeos e gostam da pegada do canal, não importa o que eu poste. Mas tem outros que só gostam do conteúdo em eventos nerd, outros dos conteúdos em festas universitárias. Tento balancear todos os conteúdos de acordo com que está mais em alta ou em baixa em cada momento do canal.

Quais são os desafios para continuar atraindo a atenção do público?

Inovar sem se perder. Não adianta eu mudar o conteúdo do canal que, primordialmente, são entrevistas humorísticas para um conteúdo de react (com reações do produtor de conteúdo sobre algo postado on-line) ou de curiosidades, por exemplo, que são conteúdos que estão em alta hoje, sendo que meu público não se inscreveu no canal para ver isso. Mas eles também não continuarão me assistindo se, em todos os vídeos, eles virem as mesmas coisas. Essa é a parte mais difícil do trabalho. Não acredito que seja muito diferente de um programa de televisão. Uns conseguem ficar no ar por décadas e outros, às vezes, não se mantêm um ano.

Como lida com as facilidades e dificuldades com a plataforma do YouTube?

As facilidades são que qualquer pessoa consegue abrir um canal e, com alguns tutoriais na internet, já se habituar bem com o layout e funções básicas da plataforma. A dificuldade é que o suporte ainda deixa muito a desejar. Por mais que o YouTube Brasil tente e se esforce na medida do possível, ainda há muitas dificuldades que os produtores de conteúdo sofrem e, em grande parte dos casos, quando buscamos ajuda, as informações fornecidas são muito rasas e imprecisas. Há a simples resposta: ‘O que podia ser feito já foi feito, não há nada mais que se possa fazer’.

Que tipo de responsabilidade um criador de conteúdo deve ter na hora de pensar e desenvolver material que será postado?

Acho que isso é muito pessoal de cada criador, do tipo de conteúdo que ele quer desenvolver, da mensagem que ele quer passar e para quem ele quer enviar o material. O YouTube só cresceu e se tornou o gigante que é exatamente pela liberdade – dentro das leis, obviamente – dos criadores em produzir o que desejam e se expressar da forma que são, com naturalidade real e sem censura de chefes ou diretores de programas e emissoras. Isso criou identificação e vínculo com o espectador raramente visto antes na TV antiga.

Qual é seu grande objetivo com o trabalho desenvolvido no YouTube?

Sempre existe o objetivo de realização profissional e financeira, mas também de levar alegria ao próximo. Tirar as pessoas, muitas vezes, de um abismo espiritual, da escuridão e da tristeza que estão envoltas. Isso me traz sentimento de realização pessoal e de comunhão com o mundo espiritual que me faz especialmente feliz.

Nas últimas eleições, por exemplo, as redes sociais tiveram forte peso em debates e discussões sobre candidatos e ideias. Trabalhando na internet há certo tempo, de que forma observa o potencial da web de influenciar as pessoas?

Da mesma forma que qualquer ser humano influencia outro ser humano desde os primórdios da humanidade. Da mesma maneira que a televisão, o rádio, os jornais e outros meios de comunicação influenciaram pessoas por anos e continuam influenciando. Acho que a principal diferença, no caso da web, é que é uma rede onde todos podem opinar e participar, sem sofrer censuras partidárias, ideológicas etc. Eu considero isso importante e muito bom para a nossa evolução e crescimento como sociedade, não importando de que lado você esteja.

Quanto mais pessoas têm o poder de dar notícias, mais chances teremos de pessoas dando notícias falsas. As fake news são um problema grave, mas acredito que, da mesma forma que crescem as pessoas que querem manipular notícias, também crescem as que querem passar notícias verdadeiras e desmascarar os manipuladores. As pessoas cada vez mais terão que verificar as fontes, analisar sobre o que foi dito, pesquisar o assunto e fazer uma análise crítica. Isso tem o lado bom. Se o saldo disso será positivo ou negativo, só o tempo irá dizer.

As atividades com os canais acabam fazendo com que viaje bastante e sempre esteja com compromissos. Acaba tendo tempo para voltar para o Grande ABC? Qual é a importância da região para sua vida?

Graças a Deus, sim! Amo o Grande ABC, em especial minha cidade natal, São Caetano. Já tive oportunidades de me mudar, mas construí minha vida aqui. Meus negócios, minha família e meu espírito estão aqui. Amo viajar, mas é só quando piso nesse chão local que meu íntimo diz: lar doce lar.

Que tipo de atividades gosta de realizar quando não está focado na criação de conteúdo para os canais?

Gosto de baladas, dançar sertanejo, beber, jogar no computador e comer pipoca no cinema. Academia não curto muito, mas faço porque preciso.

Quais são os desafios de um indivíduo mais velho, da Geração X, ter contato tão intenso com um público mais jovem? Acaba sendo mais difícil ou mais fácil?

Acaba sendo mais divertido. A idade está no espírito da pessoa. A galera sente a sua energia, as vibrações que transmitimos. Então, não há dificuldades. Obviamente algumas vezes eu uso gírias mais antigas e eles tiram o sarro. Mas isso também faz parte da graça do canal. Essa zoeira com a minha idade.

O que planeja realizar?

Continuar trabalhando e realizar projetos sociais ainda maiores do que os que eu participo hoje em dia. E quem sabe casar e ter filhos.