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‘Região pode propor solução para economia’, diz Aroaldo

Novo presidente da Agência de Desenvolvimento admite atraso no debate sobre políticas econômicas da região, mas crê ser possível sair daqui a solução para problemas futuros

Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
21/06/2021 | 00:36
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André Henriques/DGABC


Recém-alçado ao comando de uma combalida Agência de Desenvolvimento Econômico, Aroaldo Oliveira da Silva admite que o Grande ABC está atrasado no debate sobre o futuro econômico, mas que é possível ainda pegar o bonde da história. E mais do que isso. Ele avalia ser possível, a partir de um trabalho de união de forças dos atores regionais, sair daqui a linha que o País e o Estado precisarão adotar para registrar crescimento sustentável e duradouro no setor. Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Aroaldo admite cenário de destruição da entidade, porém, se mostra otimista para reconstruir o trabalho da instituição.


A Agência de Desenvolvimento enfrentou anos de dificuldade depois que o Consórcio Intermunicipal deixou de custear despesas. Como o senhor encontrou a Agência e como pretende trabalhar com ela a partir do ponto que a achou?
A Agência tem papel muito importante na região, desde o momento em que foi criada, na década de 1990. Ela sempre foi braço muito importante do Consórcio para articular políticas públicas, com aproximação com a sociedade civil e o setor privado da região, como universidades. A Agência tem histórico grande de desenvolver grandes projetos. Em determinado momento teve esse problema, o Consórcio saiu. Teve entendimento de separar as verbas que financiavam a Agência. Em meados de 2016 e 2017, a Agência começou a declinar. Tinha grande corpo técnico, com mais de 20 técnicos, e toda essa estrutura começou a desmontar. Ela perdeu protagonismo. Os próprios integrantes da Agência não olham a entidade como um lugar onde pode ser desenvolvido projeto ou onde pode se pensar a região. A Agência ficou sem quem a tocasse, sem quem discutisse os problemas. A Agência está muito pequena, sem projeto, sem conseguir dialogar com integrantes e atores da região, seja público ou privado. E com problemas no dia a dia. A gente está com desafio. Como recompõe o portfólio de projetos da Agência, como a gente consegue discutir com todos os atores e integrantes? O maior desafio, e é nossa meta principal, é colocar todo mundo ao redor da mesma mesa. Seja poder público, privado, universidades, sindicatos, associações comerciais. Estamos conversando com os Ciesps (Centros das Indústrias do Estado de São Paulo), que saíram da Agência. A região tem mudado sua configuração e queremos dialogar com novos atores. O grande debate nosso é como vamos trabalhar isso no dia a dia, quais os temas além do desenvolvimento econômico? Pauta sobre inovação precisa estar muito presente. A gente está discutindo isso muito nos últimos dias. Precisamos recompor a Agência, fazer exercer o papel dela, de articuladora de poderes públicos, privado, universidades, sindicatos e, a partir desta escuta dos atores, desenvolver os projetos necessários para dar suporte à iniciativa privada, articular esse potencial tecnológico e inovação que temos na região. E articular junto com o Consórcio as políticas necessárias para planejar a região.

E como a Agência está financeiramente?
Financeiramente? Está quebrada. O Consórcio não faz mais aporte direto à Agência. (Função agora) Cabe aos municípios. Nesta nossa caminhada estamos conversando com os municípios para que eles voltem à Agência. Antes era mais fácil, porque era via Consórcio. A conversa tem sido produtiva com os municípios. Os próprios municípios e secretários de desenvolvimento veem necessidade de conversa mais regionalizada para pensar a questão do desenvolvimento econômico. (Estamos articulando) A volta dos municípios, com essa volta sendo paga, com participação em mensalidade, como os outros integrantes da Agência. Conversando com Cieps com possibilidade da volta. Todo mundo no rateio para a gente conseguir dar passos. Sabemos que para dar andamento em alguns projetos é preciso além dessa contribuição projetada. Sabemos que a gente terá de ir atrás de financiamento por outras fontes. (Vamos) Dialogando muito sobre fontes de financiamento porque teremos de ir atrás e acessar o que está colocado no mercado. Precisamos criar robustez para buscar essas fontes para financiar projetos.

Quanto tempo até ajeitar a casa?
A gente, na verdade, começou a planejar como resolver os problemas. Por mais que a gente esteja à frente da Agência, não quer tomar a decisão sozinho. Uma das coisas que falei desde a posse é horizontalizar as decisões da Agência. Estamos organizando planejamento com integrantes da Agência, com os novos integrantes, com atores de dentro e fora da região, para construir de forma conjunta. Precisamos ter clareza da situação da Agência, qual potencial da Agência e comprar a ideia para fazer junto. Não adianta ter um integrante que quer pagar mensalidade por estar dentro da Agência, sem colaborar. Queremos interagir com integrantes e perceber as potencialidades.

Estamos em período crítico de discussão de rumo da economia no pós-pandemia e, ao mesmo tempo, o senhor luta para colocar a Agência em ordem. Esses processos serão tocados em conjunto?
As coisas precisarão funcionar junto. É resgatar a estrutura da Agência e discutir os projetos para alavancar (a economia). Teremos de discutir juntos. A gente não tem privilégio de deixar a casa em ordem para depois pensar em projetos. Temos de agir agora. Tem a questão da pandemia. Temos de dar resultados e mostrar caminhos pelos quais a economia vai caminhar no pós-pandemia. Além disso, debater a questão do desenvolvimento econômico, qual salto que a região precisa dar. O mundo está em transformação e estamos no meio de uma revolução tecnológica industrial. Os países estão se reorganizando, seja produtivamente ou tecnologicamente, se reorganizando em suas cadeias de valores. O presidente (dos Estados Unidos, Joe) Biden fez seu discurso de plano industrial global e é um sintoma das mudanças em curso. A pandemia acelerou essa reorganização. Os países perceberam, as regiões do planeta perceberam, o quanto é ineficaz, sem contar o volume de problemas que aparecem, quando você depende de um só ator do mundo. Algumas relações produtivas, tecnológicas, tendem a sair da mão de dois ou três para ir para a mão de meia dúzia. Não dá para falar em redemocratizar porque ainda estará concentrado, mas essa meia dúzia começa a se mexer. No Brasil, a gente está atrasado em diversos debates. No Estado, estamos atrasados. Acho que a região, pela natureza que tem, pela história que tem, pode propiciar diversos debates que o Brasil e o Estado não estão fazendo. Estamos em momento da mudança tecnológica, um momento de novo marco energético, novo marco de mobilidade, novo marco produtivo e precisamos entrar no debate. Se a indústria da região quer sobreviver, precisa entrar neste debate. O mesmo vale nas outras áreas.

Esse bonde do debate a região já não perdeu?
Acho que pela importância dos atores da região não perdeu ainda. Mas estamos atrasados. É possível resgatar. A gente precisa agilizar. Por mais que a gente tenha uma ideia, é só trazendo todo mundo à mesa que vamos conseguir organizar todas essas ideias e organizar o planejamento. Seja das partes burocrática, administrativa, financeira, seja do projeto de desenvolvimento econômico com salto ao futuro. Nesta caminhada dos últimos dias, a gente tem identificado algo muito forte. Todos os atores, em maior ou menor grau, vêm discutindo alternativas, tentando pensar a região como um todo ou dentro de seu recorte setorial. A gente precisa juntar os esforços para maximizar a tentativa da solução. Não sabemos se vamos ter todas soluções. Mas o fato de a gente sentar e conversar, começamos a ter a dimensão maior, consegue fazer diagnóstico de forma mais ampla. Juntar outras possibilidades de saída. Temos tudo para dar certo. O pessoal sente falta de alguém que articula, para poder botar todo mundo na mesa.

É possível reverter o processo de desindustrialização pelo qual o Grande ABC passa fortemente nas últimas décadas?
É possível frear e desenhar outra perspectiva. Precisamos entender o que acontece na indústria. Por que o Grande ABC não é mais chamariz para a indústria, em especial a automotiva? O que aconteceu para saída da Ford e de outras empresas? Temos de entender os motivos. Ao mesmo tempo, temos de buscar o que acontece com a indústria de forma geral e fazer recorte da indústria automotiva. Estamos mudando, em transição, e é um debate forte que o sindicato tem feito no último período. A gente está vivendo em transição energética. O carro a combustão tende a diminuir e no futuro acabar. A gente está mudando paradigma da mobilidade. Há o debate da eletromobilidade. Temos de apropriar esse debate. Precisamos discutir o que a gente quer da indústria e qual indústria a gente quer. Vale a pena a gente discutir esse modelo produtivo colocado? É reflexão que precisamos fazer, e com todos os atores envolvidos. A gente vai acompanhar e discutir o que será inovado, o que é a nova tecnologia? A gente está em momento de transformação, com a indústria 4.0. Essa transformação da indústria se desdobra não só do processo produtivo, mas para outros setores da economia. Como a gente discute isso? Discutir só a indústria é o centro do debate ou vamos discutir todo processo econômico, com outros desdobramentos? A tecnologia está dentro e fora da indústria. Muita coisa que estava dentro da indústria hoje não está mais, mas é serviço. Por isso a gente insiste que quer trazer todo mundo para conversar.

O protagonismo econômico da região esbarra em travas estaduais e da União ou consegue se sobressair apesar dessas barreiras?
Não consegue sobressair. Mas se a gente tem o protagonismo, temos capacidade de ajudar a redesenhar (o cenário) em âmbitos nacional e estadual. A gente tem condição de propor solução. Com o advento das novas tecnologias, a indústria principalmente tem ganho de escala nunca visto antes na história. O que vai acontecer com esse ganho de produtividade? Vai ter transferência para outros setores. Na ausência de política mais nacional, cada ente fica solto tentando achar alternativa. Com o protagonismo, conseguimos ajudar nos debates nacional e estadual.

O senhor está otimista?
Muito otimista. Muito otimista mesmo.
 

RAIO X
Nome: Aroaldo Oliveira da Silva
Estado civil: casado
Idade: 42 anos
Local de nascimento: São Bernardo
Formação: ciências sociais pela Fundação Santo André
Hobby: ler e assistir a séries
Local predileto: minha casa
Livro que recomenda: História da Riqueza do Homem – do Feudalismo ao Século XXI, de Leo Huberman
Artista que marcou sua vida: Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, Lenin e o ex-presidente Lula
Profissão: montador na Mercedes-Benz
Onde trabalha: estou diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico no Grande ABC

 




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