Zhô Bertholini,poeta e escritor
Zhô Bertholini é intenso, inquieto. Basta andar pelo Centro de Santo André, ou mesmo por aparelhos culturais de outras cidades, para ter chance de encontrá-lo. Poeta nato e apaixonado por literatura, o escritor de 66 anos celebrou quatro décadas de carreira em 2016 e ganhou justa homenagem na Livraria Alpharrabio, na cidade onde vive. À época, foi prestigiado também durante sarau no Sesc São Caetano. Um ano antes, foi homenageado pela Secretaria de Cultura andreense e a Casa da Palavra, também no município, com projeto que fez com que seus poemas fossem pintados pelas ruas da cidade, para que todos pudessem conhecer sua obra.
O senhor é andreense? Sempre viveu aqui?
Sim, sou andreense. Nasci, moro e vivo esta cidade intensamente.
Lembra-se do primeiro livro que leu?
Como presente da minha primeira professora ganhei, no fim do ano letivo e com uma bela dedicatória, o livro História do Príncipe Abdel Assur, isso em 1961. Li por diversas vezes e o tenho comigo até hoje.
O que fez a literatura ser parte de sua vida e quando foi isso?
Desde que fui alfabetizado, aos 7 anos de idade, fiquei fascinado por saber ler e escrever. Creio ter sido esse o maior acontecimento de minha vida.
E quando é que começou a escrever?
Escrever por interesse em descobrir possibilidades com as palavras e os sentidos das mesmas foi aos 15 anos, por influência e prazer pela leitura.
O que o senhor fazia antes de se envolver por completo com arte?
Aos 13 anos fui trabalhar em uma gráfica/editora, no bairro do Brás, em São Paulo, como aprendiz de fotolito. Era uma gráfica muito grande e com muitos segmentos de impressão. Me apaixonei por todos: os tipos, os linotipos, a tipografia e muito mais ainda pelo sistema off-set. Era uma gráfica especializada em livros, e ver tudo aquilo sendo produzido diante dos meus olhos e ao alcance das minhas mãos foi extremamente positivo aos meus intentos posteriores. Das muitas funções existentes na gráfica, de tudo aprendi um pouco, das preparações ao acabamento. Mas a tendência foi a especialização em off-set, função que exerci como técnico em fotolito ou fotomecânica até 2005.
O que a literatura trouxe ao senhor de melhor?
Conhecimento, sensibilidade, amizades, parcerias e cumplicidades. Um pouco de sabedoria e muita transcendência aperfeiçoando os sentidos e os sentimentos.
Há pouco tempo o senhor foi homenageado em Santo André, tendo alguns de seus poemas escritos nas ruas da cidade. Como se sentiu com essa homenagem?
O projeto O Poeta e a Cidade foi idealizado pela Secretaria Municipal de Cultura de Santo André e realizado pelos coordenadores da Casa da Palavra em 2015. O trabalho das inscrições pelas ruas foi do grafiteiro Pixote com o apoio de uma equipe da Prefeitura do município. A ideia do projeto de espalhar meus poemas pelas ruas foi bastante significante e me senti contemplado pela ocupação urbana, que tem tudo a ver como parte das minhas propostas poéticas. O evento foi muito divulgado pela imprensa e muito mais ainda visto por uma infinidade de pessoas. Registrados e compartilhados por meio das mídias digitais criou uma visibilidade poética intensa. Gostei muito e o feedback foi fantástico. No mesmo ritmo, após percorrer os pontos onde foram colocados, escrevi: ‘Saídos das gavetas/agora os meus poemas/são lidos nas sarjetas’.
O senhor acha que o Grande ABC é celeiro de escritores?
Não somente um celeiro de escritores, mas também das mais diversas áreas das manifestações artísticas. O Grande ABC sempre foi uma referência nas artes e na cultura em geral. Muitas obras e muitos nomes estão incluídos com atuação em destaque nos panoramas contemporâneos nacional e internacional.
O que é poesia ao senhor?
O essencial. A contemplação. A descoberta dos caminhos. A liberdade dos gestos, dos pensamentos e dos sentimentos. A procura e o encontro. O perder-se nas possibilidades e nas surpresas da vida e do mundo.</CW>
Qual a maior alegria que a literatura deu ao senhor?
Muitas alegrias recebi por meio da literatura, mas considero a mais significativa a publicação de alguns poemas meus em livros didáticos de Língua Portuguesa, do ensino fundamental, por grandes editoras de referência nacional.
Que diferença a arte fez no seu crescimento como ser humano?
Toda a diferença. Digo sempre que o ‘poeta não vive de expediente, ele é tempo integral’. Vida inclusa e permanente.
Quando publicou seu primeiro livro e sobre o que é a obra?
Sem Ensaio foi o primeiro livro que publiquei, em 1994. É uma reunião de poemas escritos nas décadas de 1970 e 1980, que, depois de um bom tempo guardados, resolvi liberá-los para que tivessem vida própria.
E quantas obras o senhor já escreveu?
Escrevo mais do que publico. Sem Ensaio, Céu Sem Dono e Vagamundo são os livros que publiquei. Há outros experimentais com pequenas e esparsas tiragens. Algumas plaquetes e outros zines fazem parte das minhas publicações.
O que sente quando publica um livro?
Qualquer coisa que não sei explicar.
É difícil vender livros?
Não lido com dificuldades do mercado editorial, mas as ofertas e procuras são bastante competitivas e diversificadas. No meu caso, sou mais comprador do que vendedor.
Ao lado da escritora Jurema Barreto de Souza, também de Santo André, o senhor publica zines, envia poesias pelo correio, e tudo feito de forma artesanal. Como é esse trabalho?
Desde que nos conhecemos, em 1993, na Livraria Alpharrabio (em Santo André), tivemos uma sintonia com a poesia e as publicações. E desde então mantemos esta afinidade de compartilharmos nossas criatividades. Produzidos de forma independente. Buscamos compartilhar com pessoas interessadas em poesia e arte também. Ainda mantemos a comunicação via correio, raridade nos tempos atuais.
Acha que a produção literária feita de forma independente é marginalizada?
Talvez, em um passado bem distante houve essa característica. Nos dias atuais não consigo enxergar essa atuação do segmento.
Qual a diferença da produção literária independente e a que é lançada pelas grandes editoras?
Tenho visitado e participado de algumas feiras independentes e tenho certeza de que a diferença está na capacidade criativa, na qualidade dos conteúdos e, principalmente, na construção de um público cada vez mais diversificado.
O senhor acha que a produção independente é tão importante quanto aquela feita pelas grandes editoras?
Não creio que haja inviabilidade entre uma coisa e outra. Há interesse por ambas. Cada qual com seus propósitos busca atrair leitores ou consumidores de seus segmentos. Os critérios das diferenças são feitos por escolhas. E são os leitores os que ditam essa suposta regra editorial.
Como avalia a produção literária brasileira nos dias atuais?
Cada vez mais contundente e expressiva. A produção literária brasileira está evidente em muitos segmentos com relação aos dias atuais. A resistência e o afrontamento ao sistema estão contidos em diversos aspectos da literatura, principalmente em poesia, que é a leitura de minha predileção. A cada instante surge uma indignação em verso e prosa. Há uma vasta produção visceral das periferias, onde jovens se reúnem em eventos culturais e saraus mostrando suas criações e publicações, trocando experiências e encarando a liberdade de expressão e de comportamentos.
Como escritor, amante da literatura e alguém que fomenta a arte, qual seu maior sonho?
Pessoalmente não tenho a menor ideia de qual seria o meu maior sonho, mas coletivamente asseguro que seria ter esperanças de uma democracia ampla, geral e irrestrita.
O senhor acredita que o acesso e fomento à leitura fariam do Brasil um País melhor?
O acesso aos requisitos básicos de uma nação são educação, saúde e segurança. Combate à desigualdade e uma justa distribuição de renda com certeza fariam do Brasil um País bem melhor. A literatura e a cultura de modo geral também contemplariam e impulsionariam, e muito, esta melhoria.
Gostaria de dizer algo mais?
Sou grato pela oportunidade de me expressar e compartilhar ideias.
RAIO X
Nome: José Bertholili Vericondo
Estado civil: Solteiro
Idade: 66 anos
Local de nascimento: Santo André, onde mora
Formação: Ginasial
Hobby: Ouvir músicas e nadar
Local predileto: Espaços de amizades e convivências
Livro que recomenda: Livro do Desassossego (Fernando Pessoa)
Profissão: Artes gráficas
Onde trabalha: em casa
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