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Ariano Suassuna é a estrela do dia em Paraty
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
10/07/2005 | 09:56
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Ariano Suassuna é a estrela do dia em Paraty, no Rio. Suas palestras são chamadas de aulas-espetáculos; seus livros exalam identidade brasileira. Suassuna fala na 3ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) do "arquipélago de culturas" do Brasil. Aos recém-completados 78 anos, em 16 de junho passado, o escritor corre para terminar seu novo romance, previsto para novembro ou dezembro deste ano, com título e sinopse mantidos em segredo – manuscritos e esboços de ilustrações são feitos à mão, raras vezes ele usa máquina de escrever. Pode ser a continuação de Romance d’A Pedra do Reino e do Príncipe do Sangue do Vai-e-volta (José Olympio, 758 págs., R$ 60) lançado em 1971 após 12 anos de escrita, relançado em 1981 e finalmente em 2004. Nova reimpressão chega às livrarias nas próximas semanas.

Com a peça O Auto da Compadecida, que completa 50 anos de criação, são duas pedras fundamentais na literatura e na dramaturgia brasileira, duas fusões de cultura erudita e cultura popular. Suassuna faz com encantamento mitológico e picaresco em A Pedra do Reino o que Euclides da Cunha fez com realismo em Os Sertões: fala da terra, do sertanejo e das lutas internas. O Auto é um dos textos fundadores do modernismo dramatúrgico brasileiro. Ouvir ou ler Suassuna e sua voraz defesa da cultura nacional, confundida às vezes com xenofobia, também é mergulhar com erudição em um mar sertanejo de feições populares.

A Pedra do Reino é um "romance armorial", afirma o autor. Suassuna fundou o Movimento Armorial em Recife, em 1970, quando dirigia o Departamento de Extensão Cultural da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), interessado nas formas de expressões populares. Anti-regionalista no sentido de não usar Vidas Secas como modelo, por exemplo, para repetir a secura e a amargura do sertanejo descritas por Graciliano Ramos, Suassuna expressa um sertão menos negativo, onde pulsa criação, engenho e arte.

Pulsa também romance, dor, morte. A Pedra do Reino é uma epopéia, antes de tudo, forte e corajosa, escrita quando epopéias não mais ecoavam. É uma ‘Sertaneida’, odisséia de um povo a procura de um reino situado no sertão, entre a Paraíba e Pernambuco, de um herói-cavaleiro, Quaderna, um tipo de Dom Quixote, que viu sua família reinar e ser destronada, que carrega na genética o sangue derramado da formação do reino e que está à procura de uma nobreza perdida.

Como nos romances de cavalaria medievais europeus, Suassuna desfila reis, damas, príncipes e peões, como figuras de um baralho em uma heráldica de brasões e títulos muito particular. Gibão de couro pode ser armadura reluzente; caboclos, negros, mulatos e gente da terra têm seus dias de nobreza como nas congadas, reisados e vaquejadas. Fantasia que não camufla a realidade, mas liberta a magia inerente ao cotidiano.

O realismo no romance vem de sangue próprio. O pai de Ariano, João Urbano Suassuna, governou a Paraíba de 1924 a 1928. Em 1929, uma luta política antecedeu a Revolução de 1930 na Paraíba, e um dos chefes sertanejos, José Pereira Lima, declara território livre o município de Princesa Isabel, com bandeira, hino e constituição. Lá viviam Ariano e família, apoiando Lima. O tio do futuro escritor, João Dantas, mata o governador João Pessoa, em 1930, e em represália, o pai de Ariano é assassinado no Rio.

Suassuna viveu com a mãe e os oito irmãos na fazenda de um tio, até os 16 anos, quando mudou-se para Recife. Na capital pernambucana, ajudou a fundar o Teatro do Estudante, e formou-se em Direito em 1950. Em 1959, fundou com Hermilo Borba Filho o Teatro Popular do Nordeste, e em 1989, eleito para a Academia Brasileira de Letras. Neste domingo, em Paraty, sua presença é uma quase-metáfora: o sertão chega ao litoral, variante literária da messiânica premonição de Antonio Conselheiro, no Arraial de Canudos.




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