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Governo se contradiz em anúncio de impostos

Falas de Bolsonaro quanto à alta de IOF e à redução no IR são negadas por secretário da Fazenda

Soraia Abreu Pedrozo
Yara Ferraz
05/01/2019 | 07:20
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O governo de Jair Bolsonaro (PSL), recém-empossado, se contradisse ontem por mais de uma vez. Dois anúncios realizados pelo presidente foram negados pelo secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, e fizeram com que o ministro da Economia, Paulo Guedes, cancelasse agenda na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), no Rio de Janeiro. Um deles se referia ao aumento da alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para compensar a prorrogação de benefícios fiscais às regiões Norte e Nordeste. O outro, à redução da maior faixa do Imposto de Renda, de 27,5% para 25%.

“Não há necessidade de compensação. Ele (Bolsonaro) limitou o uso dos benefícios à disponibilidade de recursos orçamentários previstos na lei orçamentária de 2019”, assinalou Cintra em entrevista à Globonews, quanto ao IOF.

Em relação ao IR, ele disse que “não vai haver nada que esteja sendo discutido com relação à alteração no Imposto de Renda. Imposto de Renda é um capítulo da reforma tributária, que vai ser analisada posteriormente, no tempo correto”, afirmou.

Tudo começou na hora do almoço, quando Bolsonaro disse que tinha assinado decreto aumentando o IOF para operações externas, sem dar detalhes. A elevação seria necessária para cobrir rombo deixado pelo projeto que prorroga benefícios fiscais a empresas do Norte e Nordeste, sancionado pelo presidente. A declaração foi mal recebida pelos agentes econômicos, já que descumpria promessa de campanha de reduzir impostos e também cortar renúncias fiscais. “Se eu sanciono (o benefício) sem isso (alta do imposto), vou contra a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal)”, disse Bolsonaro em Brasília, depois de participar da transmissão de cargo do comandante da Aeronáutica.

À tarde, após se reunir com o presidente, Cintra disse que ele tinha se “equivocado” e que não haveria necessidade de aumentar IOF. Além disso, a mudança na tabela do IR só seria feita em momento “oportuno”. O secretário assinalou que estava sendo cumprida à risca a promessa de Bolsonaro de não aumentar impostos.

Nada disso, porém, foi suficiente. Sem dar nenhuma declaração à imprensa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, cancelou o único compromisso público em que havia expectativa de que ele pudesse dar explicações e detalhes das informações sobre IOF, IR e, sobretudo, a proposta de reforma da Previdência. Na quinta-feira, em entrevista ao SBT, Bolsonaro anunciou que iria propor idades mínimas de 57 anos para mulheres e de 62 para homens, sem entrar em detalhes.

SOLUÇÃO - Sem Guedes, coube ao ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, convocar entrevista coletiva, no fim do dia, para tentar acertar os ponteiros da comunicação. “Estava toda uma celeuma no Brasil de que haveria aumento de imposto. Não tem aumento de impostos”, afirmou. Segundo ele, o governo de Michel Temer (MDB), jogou “bomba no colo do presidente” ao deixar a sanção dos benefícios às empresas do Norte e Nordeste para sanção do Bolsonaro. Lorenzoni disse que o governo optou por postergar o efeito prático da ampliação do benefício – ele só deve entrar em vigor em 2020 – em vez de elevar o IOF.

Em relação ao IR, o ministro afirmou que não estão previstas novas mudanças, por enquanto. “Depois de feito o equilíbrio fiscal no Brasil, vamos trabalhar (para reduzir o IR). Só não sei prever quando, e cabe ao professor Paulo Guedes fazer essas definições”, disse.

Ele também acrescentou que algo precisa ser feito para dar um “tratamento mais equilibrado”, uma vez que a chamada pejotização faz com que muitos trabalhadores paguem alíquotas de IR menores em comparação aos que recebem como pessoa física. “Quantas atividades não fogem para a pejotização, que é transformar pessoa física em jurídica? A jurídica paga 15%, e a física com salário significativo, 27,5%. Trabalhamos com o conceito de dar tratamento mais equilibrado à sociedade brasileira.”

Bolsonaro, então, assinou novo decreto descartando a possibilidade de aumentar a carga tributária e dizendo que contratos firmados em 2019 só terão impacto financeiro a partir do ano seguinte.

MERCADO - Mesmo com o otimismo provocado pela eleição de Bolsonaro, um dos principais receios do mercado financeiro são as falhas de comunicação entre o presidente e sua equipe ministerial. O fato pode gerar insegurança e afastar investimentos.

Ainda assim, ontem o Ibovespa bateu o terceiro recorde seguido, ao atingir 91.840 pontos, alta de 0,30% em relação ao pregão anterior. O dólar também fechou em queda e acumula desvalorização de 4,06% na semana, sendo cotado à R$ 3,71.


Para especialistas, saída é criar mais faixas do IR, cuja defasagem é de 95%

Para especialistas, a redução da alíquota máxima do IR é bem-vinda, porém, se não vier acompanhada de medidas como a revisão das faixas de contribuição da tabela, acabaria beneficiando somente quem detém maiores fortunas. Com base na correção pela inflação – conforme estimativa do Focus, já que o IPCA de 2018 será divulgado dia 11 –, o Sindifisco (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) afirma que a tabela do IR possui defasagem de 95,4%.

“Pelo que foi anunciado até o momento, ainda é pouco para fazer análise do reflexo. Hoje temos tabela com defasagem muito grande, prejudicando as pessoas de menor renda e assalariados. É preciso saber quais seriam os limites de isenção e a partir de qual valor as alíquotas seriam aplicadas. Porque só a diminuição da alíquota mais alta beneficia quem ganha mais, já que quem ganha R$ 5.000 ou R$ 100 mil pagaria os mesmos 25%”, disse o diretor jurídico da entidade, Luiz Benedito.

“O IR tem o princípio constitucional da progressividade, ou seja, quem ganha menos paga menos, e quem ganha mais, paga mais. Ter poucas faixas de contribuição (hoje são quatro) é um componente de regressividade, que acaba penalizando quem ganha menos. Com base nas declarações do governo, onde já foi falado sobre a criação de alíquota para grandes fortunas e elevar faixa de isenção, o projeto pode estar caminhando para modelos utilizados em outros países, que têm até 12 faixas”, disse o especialista em Direito Tributário Morvan Meirelles Costa Junior, sócio do escritório Meirelles Milaré Advogados. 




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