Economia Titulo Previdência
Precatórios: lei garante prioridade
de pagamento para os idosos

Mas mesmo com dinheiro bloqueado para quitação, o procedimento para liberação é lento

Andréa Ciaffone
do Diário do Grande ABC
22/07/2013 | 07:22
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Se vencer uma ação na Justiça contra o governo já é uma luta, receber o dinheiro equivale à batalha de Waterloo. É um processo demorado, desgastante e que deixa muitas vítimas.

Quando alguém obtem uma sentença que condena a União, Estados ou os municípios a lhe pagar algum valor, ela passa a ser titular de um precatório. Segundo o TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), em relação à Fazenda estadual existem 6.567 precatórios pendentes de disponibilização de pagamento, incluindo os que entrarão no Orçamento de 2014.

Quanto às prefeituras do Estado, autarquias e fundações públicas, a quantidade gira em torno de 29 mil.

Muitos titulares de precatórios morreram antes mesmo de poder desfrutar deste dinheiro. Na mais recente contagem feita pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), 80 mil, de um total de 600 mil em todo o País, faleceram antes da grana sair. A entidade estima que a dívida dos governos com pessoas físicas e jurídicas que foram lesadas pelo poder público ou por seus agentes pode chegar a R$ 100 bilhões.

“Eventualmente os herdeiros dos titulares destes valores receberão os valores. Mas, é triste não poder desfrutar de um dinheiro que é seu, especialmente quando se está no fim da vida”, diz o conselheiro da OAB-SP e presidente da comissão de precatórios, Marcelo Gatti Reis Lobo. “São R$ 3 bilhões em depósitos judiciais que precisam ser destinados a mais de 50 mil idosos e portadores de doenças graves, enquanto isto, os abutres estão rondando”, lamentou Lobo.

Mas alguns avanços estão ocorrendo para não deixar os precatorianos a ver navios. Só neste ano dois são dignos de nota: quem tem mais de um precatório para receber poderá ter prioridade em mais de um deles e um esforço está sendo feito para vencer a burocracia que precede a liberação dos valores.

FURA-FILA - Com seu aniversário de quatro anos marcado para dia 29 de julho, a Lei 12.008/09, reduziu de 65 para 60 anos a concessão de prioridade na tramitação de processos administrativos e judiciais. O direito também é estendido aos portadores de doenças graves e deficiências física e mental. Pessoas sob tratamento de esclerose múltipla, neoplasia maligna, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante também passam na frente dos credores comuns. Mesmo assim, a fila continuou andando muito lentamente.

Diante da reclamação de prefeitos e governadores – que mesmo divididos por interesses políticos e ideológicos sempre agem do mesmo jeito em relação a esse assunto – de que o pagamento dos precatórios inviabilizaria as contas públicas, criou-se uma forma para não deixar os credores prioritários totalmente sem receber e, segundo o TJSP, a prioridade dos idosos e doentes vale, em relação aos precatórios alimentares, mas o valor pago é limitado a três OPVs (Obrigações de Pequeno Valor).

Definida a partir de cálculos baseados na Ufesp (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo) e ratificados pela PGE (Procuradoria-Geral do Estado), a OPV é corrigida anualmente. Em janeiro, seu valor foi fixado em R$ 21.990,54. Quem ganha ações contra o Estado até esse montante não entra na fila dos precatórios e terá seu crédito quitado pelo governo em até três meses após a emissão da ordem de pagamento pelo juiz. Nos casos de valores maiores, a coisa fica bem mais complexa e depende de outras situações.

Segundo o TJSP, “o credor alimentar com mais de 60 anos recebe muito rápido o valor de três OPVs, benefício que agora foi estendido para cada um dos precatórios dos credores nessa situação e que possuem mais de um título alimentar. O restante é pago juntamente com os credores comuns”. O tribunal esclarece que existem duas filas, uma relativa à Conta I e outra relativa à Conta II.

A Conta I é destinada ao pagamento de títulos pela Ordem Cronológica e Prioridades. Nessa fila estão os que já passaram das seis décadas de vida), que recebem três OPVs (cerca de R$ 66 mil) antes dos outros credores. A Conta II possui sistemática diferenciada, podendo os precatórios ser pagos pela ordem crescente de valor, acordos etc, de acordo com opção da entidade devedora.

ENTRAVES - O TJSP considera como principais entraves para realizar os pagamentos a dívida das entidades, que é muito grande, e fato de os valores depositados por elas variarem de acordo com a receita corrente líquida de cada uma ou seguindo o critério de 15 anos previsto na EC (Emenda Constitucional) 62/2009. Por isso, é difícil o pagamento de grande quantidade de precatórios de modo que reduza consideravelmente o estoque de títulos não pagos.

A boa notícia é o tribunal acredita que o sistema de pagamentos vem ganhando agilidade porque os dados já vêm cadastrados da primeira instância, desonerando o Depre (Diretoria de Execução de Precatórios) desse retrabalho, o que possibilita maior celeridade.</CW>

MÃOZINHA - “Mensalmente, o tribunal divulga em seu site o montante de dinheiro liberado, inclusive com os nomes dos credores. No entanto, esse valor leva mais de ano para chegar no seu bolso em razão da burocratização dos levantamentos”, explicou Lobo da OAB. O Judiciário, segundo ele, atribui a lentidão das liberações à falta de funcionários, a não localização de inúmeros volumes de processos e a reestruturação do setor de execuções, que começou no início do ano.

“A falta de investimentos do governo em informatização dos processos do Judiciário tem um papel importante na demora”, opina Lobo. Para dar uma força na liberação dos recursos, o número de estagiários no departamento de precatórios do TJSP será aumentado de 15 para 35 pessoas, atendendo apelo do desembargador Mário Fujita, juiz coordenador do setor de execuções.

Outro problema que vem se agravando em razão da demora no pagamento de precatórios é a prática de delitos cometidos contra os titulares destes créditos, contra os advogados e o Judiciário. São furtos dos volumes processuais, estelionato, falsificação de documentos etc. Os criminosos se aproveitam da demora dos pagamentos e da fragilidade dos credores idosos e portadores de doenças graves para aplicar golpes.

TJSP administra créditos de quem tem direitos a receber na região

Os norte-americanos dizem que só não dá para fugir da morte e dos impostos. O interessante é que, no Brasil, o dinheiro dos tributos nos escapa com tanta eficiência que, muitas vezes, eles ultrapassam a morte. A lógica é a seguinte: o dinheiro arrecadado com impostos vai para o orçamento da União, Estados e municípios e serve para entre outras coisas quitar a quem esses entes públicos devem. No Grande ABC, a movimentação no sentido de acertar as obrigações com os precatorianos (os titulares de precatórios) tem ocupado as prefeituras.
<EM>Em Santo André, segundo a Secretaria de Finanças, há precatórios alimentares (maior parte trabalhistas) e os chamados de “outras origens”, onde predominam as desapropriações, sobre as quais há muito fortes divergências de valor.

MAIORIA - Grande parte dos créditos alimentares são gerados por causas encaminhadas coletivamente e o número total de beneficiários ultrapassa a casa dos 6.000. Nos créditos de outras de outras origens, quase sempre falamos de uma única pessoa (física ou jurídica) e estes não ultrapassam a casa da centena.

Há alguma divergência quanto aos valores, muitas vezes por utilização de fórmulas de atualização diferentes, principalmente considerando-se que a maior parte desses títulos são antigos e viveram todas as mudanças de planos econômicos e alterações de moeda desde a década de 1980. Nos cálculos da Prefeitura de Santo André, o montante beira a ordem de R$ 1 bilhão, sendo que os alimentares respondem por cerca de 75% do total.

Segundo a administração andreense, os desembolsos, desde 2009, são regidos a partir de valor negociado com o TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que, desde o ano passado, corresponde a 3,27% da RCL (Receita Corrente Líquida) da Prefeitura (somando-se a administração direta e autarquias).

A parcela mensal, em junho último, com esse critério, foi de R$ 4,23 milhões.

Desde o início dos pagamentos pelo critério da Emenda Constitucional 62, a Prefeitura de Santo André já despendeu R$ 145 milhões, depositados junto ao Tribunal de Justiça que é quem, de fato, procede à quitação junto aos respectivos credores, valendo-se de critérios de priorização.

A Prefeitura é informada, <CF51>a posteriori</CF>, sobre quem foram os beneficiários. Para este ano, a despesa com precatórios deverá girar em torno de R$ 50 milhões.

CONFLITO-A Secretaria de Finanças de Santo André afirma que o direito dos credores, em forte medida, tem sido conflitante com o direito do cidadão aos serviços públicos, dado o fato de que os gastos com aqueles credores leva recursos de grande monta que dificultam e atrasam outras atividades.

Quanto aos idosos, Santo André responde que, como as prioridades ainda se encontram em processo de pagamento, apenas os maiores de 60 anos e doentes graves estão recebendo. Mais da metade dos precatorianos da cidade se encontra dentro dos critérios de priorização.

A Prefeitura de Mauá informa que atualmente existem 290 precatórios. Deste total, 212 foram encaminhados ao TJSP, entre os anos de 2011 e 2013, para serem pagos total ou parcialmente, que somados correspondem a um montante de R$ 36.69 milhões. Quem gerencia esses pagamentos, assim como as prioridades de quem recebe é o próprio TJSP. Existem ainda 78 precatórios que não foram pagos. Como os cálculos e as atualizações são de competência do Depre (Departamento de Precatórios do TJSP), não há como estimar o montante do valor.

A Prefeitura de Ribeirão Pires possui sete precatórios, que totalizam R$ 35,8 milhões. A previsão é que neste ano sejam pagos R$ 244 mil. Nenhum deles tem idoso como titular.

As outras prefeituras da região foram contatadas sobre o assunto e não enviaram seus dados até o fechamento desta edição.
 




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