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História sem limites na TV
Alexandre Coelho
Da TV Press
15/02/2006 | 08:16
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Os autores de teledramaturgia oscilam entre o prazer e o temor ao percorrer a linha que separa ficção e realidade. A julgar pelo perfil bonachão exposto na minissérie JK, Juscelino Kubitschek talvez não se incomodasse com as liberdades biográficas que a autora tomou. O objetivo de Maria Adelaide Amaral foi carregar nas tintas dramatúrgicas para segurar a audiência. Ainda que isso gere situações e façam com que boa parte dos brasileiros acreditem que a realidade do “presidente bossa nova” é a que a Globo mostra. Mesmo sob o risco desses efeitos colaterais, os autores acham que o apelo dramático deve se sobrepor à fidelidade aos fatos, a ponto de não ver problema nenhum em criar personagens e conflitos folhetinescos para tornar a trama mais interessante. Por outro lado, os roteiristas se preocupam com os limites entre ficção e realidade, mesmo nessa falta de rigor. “Uma minissérie não é documentário, mas teledramaturgia. E a ficção é parte fundamental”, defende Adelaide. Ela garante que o que a atraiu em JK foi seu caráter folhetinesco. Ele é um ser humano que sofre, se emociona, que vence e que perde”, diz.

Os autores que enfrentaram conflitos entre realidade e ficção dizem que não há fórmula. Os limites entre um e outro só podem ser definidos pelo felling pessoal. Para Alcides Nogueira, parceiro de Adelaide em JK e em Um Só Coração, personagens de ficção numa trama histórica podem criar situações de romance ou aventura, mas com cuidado e sem descaracterizar a realidade. “É o bom senso que vai apontar os momentos em que ficção e realidade podem interagir”, avalia.

Além do bom senso para se caminhar no fio desta navalha, alguns artifícios ajudam a contar uma história. Na minissérie Lampião e Maria Bonita, de 1982, Aguinaldo Silva enfocou a última semana de vida do casal de cangaceiros. Inseriu um personagem ficcional na trama, um fotógrafo inglês, e ganhou margem de criação sobre a história oficial. “Contei a história a partir da ótica desse personagem, o que me deu uma liberdade maior”, explica.

Alguns autores são ainda mais radicais na defesa da liberdade criativa em tramas históricas. Doc Comparato, co-autor da minissérie Padre Cícero, de 1984, acredita que a ficção pode ir até onde a dramaturgia pedir. Para ele, o mais importante é o autor não tentar transformar um personagem real nem em herói, nem em demônio. Em outras palavras, o autor deve construir um personagem humanizado, com conflitos, mas que funcione dramaturgicamente. “Não tenho compromisso com a verdade. Meu compromisso é com a dramaturgia”, afirma.

A visão humanizada de um personagem que existiu pode esbarrar na objeção de parentes, porque questões polêmicas da vida de um personagem público pode expor sua imagem. Em JK o presidente Juscelino terá amenizada sua propensão a casos extraconjugais. Para Lauro César Muniz, que roteirizou a vida de Chiquinha Gonzaga na minissérie homônima, é o autor quem deve decidir se aborda ou não essas polêmicas. “Sem esses assuntos, você tende a fazer uma coisa falsa. Se ele tinha amantes, tem de mostrar todas”, diz.

Apesar das críticas quanto ao retrato do presidente na minissérie, Alcides Nogueira entende que os autores foram fiéis à sua biografia. “A história pessoal de Juscelino e sua trajetória política estão preservadas com rigor”, assegura. Para Doc Comparato, “jogar açúcar” em qualquer questão de uma trama histórica é um erro que pode representar o fracasso da produção. “A história fica boba; não é dramaturgia”, critica.

Para Jorge Furtado, um dos responsáveis pelo roteiro para a TV de Agosto, de Rubem Fonseca, a história pode ter diferentes versões. Essa maneira de encarar uma adaptação dá tranqüilidade ao autor que pretende passear entre ficção e realidade. Furtado não teve esse problema em Agosto, já que o romance original tinha personagens ficcionais e história era só pano de fundo. Ainda assim, o autor acredita que a dramaturgia pode ser apenas uma versão dos fatos. “A verdade é subjetiva. Você pode e deve interpretá-la”, explica.




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