Política Titulo Entrevista
‘O cinema não nos deixava com a cabeça vazia’, diz Sampaio
Vinícius Castelli
Do Diário do Grande ABC
23/12/2019 | 07:09
Compartilhar notícia


A vida de Marcelo Felipe Sampaio é permeada por cinema. Foi quando viu O Predador, ainda garoto, que teve certeza de que era isso o que queria para sua vida. De lá para cá, mergulhou cada vez mais no mundo da sétima arte.

Paulistano de nascença e diademense de coração, ele escolheu o cinema como labuta. Seu primeiro trabalho foi Desabafo Coletivo (2001). Cineasta independente, tem hoje em sua filmografia 16 obras. Uma delas, Eldorado – Mengele Vivo ou Morto?, que fala da passagem de um nazista pelo Grande ABC, faturou três premiações neste ano, uma delas nos Estados Unidos.

Quando teve o primeiro contato com o universo do cinema?
Na realidade, o que mais me impactou foi quando assisti no Supercine, da Globo, aos filmes Tubarão, de Steven Spielberg, e Enigma de Outro Mundo, que foi baseado em história do Stephen King e dirigido por John Carpenter. Era o que tínhamos acesso na época, porque não havia dinheiro para ir ao cinema. O que tínhamos era a TV, isso quando nossos pais nos deixavam assistir a filmes, depois da novela, no sábado à noite. Esses filmes realmente mexeram com minha cabeça. Tinha 11 anos. Aos 14 fui assistir O Predador no cinema e lembro que no meio da sessão pensei: ‘Uau! É isso que quero fazer da minha vida’.

O que essa linguagem artística te despertou?
Era uma arte que nos trazia a uma outra realidade e possibilidades. Porque a realidade de Diadema nos anos 1980 era muito dura. Fomos a cidade mais violenta do mundo. Perdíamos até para Bogotá (Colômbia). O cinema não nos deixava com a cabeça vazia, eu tinha em quem me inspirar. E não era o traficante ou o bandido da esquina. Meus ídolos eram Yul Brynner, Robert Shaw, Steve McQueen e Roy Scheider. Posso dizer que o cinema e a arte me colocaram no caminho do bem. Como dizia o saudoso Tim Maia.

Qual foi seu primeiro filme e do que trata?
Chama-se Desabafo Coletivo, um curta experimental feito em 2001 ao lado de Cortez Cortez e Maurício Flores. Sobre um assassino que vai cobrar uma dívida de um rival.

Hoje você faz da atividade de cineasta seu ganha-pão ou precisa de outra tarefa para complementar?
Não existe mercado de cinema aqui no Brasil. Se não me engano, mercado mesmo de cinema é apenas nos Estados Unidos e na Índia. No Brasil é feito pelas leis de incentivo. Tenho minha produtora, a MS-Pictures, onde, além de produzir meus próprios filmes, produzo muita publicidade e filmes para empresas.

O sr. é diretor independente. Onde busca recursos para filmar, editar e tudo mais o que envolve esse trabalho?
Na verdade, sou um cineasta dependente. Dependo do meu trabalho e da minha família para financiar meus filmes. Há pouco tempo entendi, e estou entendendo, o que é ‘mercado de filmes’ aqui no Brasil. Como faço isso? Participo de pitchings (apresentação de projeto para para um grupo com a intenção de conseguir patrocínio) e palestras, e conto com a ajuda dos amigos. E finalmente agora participo de editais.

O que há de bom e de ruim em se fazer cinema de forma independente?
De bom é a liberdade de escolher o tema que está no seu coração e não ter prazo para terminá-lo. O que é complicado é que é uma arte muito cara, apesar do avanço da tecnologia ter democratizado um pouco mais os meios de produção. Em 1989 uma ilha de edição custava cerca US$ 150 mil e isso era impossível. Hoje podemos produzir de forma independente, mas o que não mudou foi a distribuição. Isso é o mais complicado de fazer, apesar da internet. Podemos participar de festivais no mundo inteiro, mas o filme não chega ao grande público se não for um blockbuster.

Um de seus filmes, Eldorado – Mengele Vivo ou Morto?, acaba de ser premiado nos Estados Unidos. Além disso, havia faturado no Espírito Santo. O que isso representa para o sr.?
Representa que fiz as escolhas certas. Trabalhei com as pessoas e parceiros certos. Ganhar o prêmio de melhor documentário no Hollywood Sun Awards, na terra do cinema, me deixa muito envaidecido, mas com muito pé no chão. Me dá forças para produzir mais e mais. Este ano foi muito bom para o filme. Tivemos boa receptividade do público. Fizemos o 14º Festival Latino-Americano de Cinema (São Paulo), o Cinema & Reflexões (Campinas), Eau Claire World Film Festival, em Wisconsin (Estados Unidos), e Kinoduel International Film Festival (Bielorússia). Ganhar o prêmio de melhor documentário nacional no FestCine Pedra Azul, no Espírito Santo, foi muito especial, porque foi a primeira exibição pública do longa.

Acha que essa obra tem chance de alavancar sua carreira?
Já fez isso. Fechamos com a Elo Company, umas das maiores distribuidoras do País. Agora o filme vai para as plataformas de streaming Net Now e Amazon Prime. Isto é, vai ser lançado mundialmente. Em breve todos vão poder conhecer a passagem do médico nazista Josef Mengele (1911-1979) no Brasil de forma mais aprofundada.

A obra conta da passagem do nazista, conhecido como ‘Anjo da Morte’, pelo Grande ABC?
Sim. Conta a história de um senhor chamado Pedro, pacato ‘velhinho’ que morava na Estrada dos Alvarenga, 5.773, no bairro de Eldorado, às margens da Represa Billings, na divisa entre Diadema, São Bernardo e São Paulo. Muito querido por todos no bairro, Pedro era um dos pseudônimos de um dos assassinos mais cruéis da história, um médico que fazia experiências genéticas com seres humanos durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Eldorado – Mengele Vivo ou Morto? é resultado de quanto tempo de trabalho?
Foram 14 anos de pesquisa.

Outro filme seu, La Plata Yvyguy – Enterros e Guardados, também foi premiado recentemente, certo?
Sim. Esse trabalho dirigi junto com o escritor e cineasta Paulo Alvarenga. Foi gravado em sete cidades entre Paraguai, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Fomos indicados a cinco categorias no Offcine, em Varginha (Minas Gerais), e ganhamos melhor filme documentário e melhor montagem em documentário. Exibimos em algumas partes do mundo.

Do que trata esse filme?
Fala das lendas dos enterros e guardados da Guerra do Paraguai (1864-1870), que foi o maior conflito da América Latina, onde morreram aproximadamente 300 mil pessoas. Aqui é popularmente conhecido como ‘A Lenda das Botijas’. O que acontecia naquela época? Não havia acesso fácil a bancos, então, as pessoas ricas enterravam os tesouros por conta do medo que tinham de serem saqueadas durante a invasão paraguaia, a comando do presidente Solano Lopes, tanto como um saque dos exércitos aliados (Brasil, Argentina e Uruguai). Com o decorrer da guerra, morriam os donos dos tesouros e, segundo uma lenda popular, os espíritos daquelas pessoas ficavam presos àquela matéria até se mostrarem para uma pessoa boa que pudesse resgatar aquela riqueza e libertar aquele espírito. O Paulo Alvarenga, em 2002, foi morar no Mato Grosso do Sul, numa aldeia de índios Kadiwéus, e viu uma dessas aparições. Em 2008 ele veio me visitar e resolvemos fazer um curta chamado O Guardado. O trabalho deu muito certo. Exibimos em Nova York, Londres e Montevidéu. Depois, em 2016, resolvemos produzir o longa.

Quantas obras já realizou ao longo da carreira?
Foram 14 curtas-metragens e dois longas. Entre 2001 até 2019.

E quando tem um filme pronto, como faz para exibir e promover um lançamento oficial?
Sempre foi muito difícil. Até pouco tempo o caminho eram os festivais de cinema, onde tínhamos mais visibilidade. Lançamos o Eldorado – Mengele Vivo ou Morto? em um festival e foi muito bom. Hoje temos as plataformas digitais que podem levar seu filme mais longe. Mas é muito complicado hoje concorrer com os blockbusters norte-americanos. E colocar nos cinemas é quase impossível. O caminho é achar uma distribuidora.

No seu caso, um cineasta independente, a internet ajuda para exibir as obras?
Sim, sem dúvida. Há várias plataformas digitais e TVs, mas tem que ter uma divulgação forte, e isso custa caro. E quando se termina um filme, esperamos gerar receita. Quando o filme está pronto é uma outra coisa. Onde vamos exibir? Vai para o cinema? Vai para internet? Para TV paga ou aberta? Às vezes estamos exaustos já na finalização do filme. Precisamos fazer parcerias para isso acontecer. É muito complicado.

E agora o senhor está trabalhando em outro documentário. Do que se trata?
Chama-se Varginha, sobre o ‘caso Varginha’, em Minas Gerais, em janeiro de 1996. É considerado o maior caso de ufologia mundial, superando até o ‘Caso Roswell’, nos Estados Unidos, em 1947. Em Varginha, supostamente caiu uma espaçonave e foram avistadas e capturadas criaturas humanoides. O caso foi acobertado pelos militares. Também trabalho em série de terror, um documental sobre nazistas no Brasil, e um filme sobre a favela Naval, em Diadema.

Quando se fala em cinema, muitas vezes se pensa em entretenimento. Acha que essa linguagem artística tem como papel, também, colocar as pessoas em reflexão?
O cinema não está aqui para explicar nada. Está aqui para colocar questões. É pura política. Não é apenas um bom entretenimento. Nele estão escondidas verdades obscuras que muitas vezes não podiam ser faladas. Podemos citar filmes como Tropa de Elite 2. É mesmo uma obra de ficção ou baseada em fatos reais?

O que o cinema mudou na sua vida?
A minha forma de ver o mundo. É o que gostaria de deixar para meus filhos e para as novas gerações. Que sirva de referência a um garoto de periferia como eu fui e que ele possa ir atrás dos seus sonhos e que possam se realizar.

Qual seu sonho, enquanto cineasta?
Produzir mais e mais filmes. 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;