Política Titulo Especial
Tite resgata a história dos Campanella em São Caetano

Anacleto Campanella foi líder pela autonomia, prefeito 2 vezes, deputado estadual e federal e cassado pelo regime

Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
10/01/2021 | 07:00
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Divulgação


 A história da família Campanella é indissociável com a de São Caetano, mas precisou passar período de 56 anos para que um representante administrasse o município novamente. Missão conferida a Anacleto Campanella Júnior, o Tite (Cidadania), caçula de Anacleto Campanella, líder autonomista, ex-prefeito, ex-deputado estadual, ex-deputado federal e figura intrínseca com o surgimento e urbanização da cidade. Anacleto Campanella nasceu em 14 de julho de 1924, quando São Caetano ainda respondia administrativamente a Santo André. Filho de Miguel Campanella e Tereza Campanella, formou-se contador e trabalhou na Cerâmica São Caetano e na Papelaria Ao Carioca – que viria adquirir posteriormente.

Conhecido por temperamento aguerrido e sem esconder o que pensava, Campanella rapidamente emergiu para a atuação política. Aos 23 anos, em 1947, se elegeu vereador de Santo André pela UDN (União Democrática Nacional) representando São Caetano. A briga pela emancipação norteou seu curto mandato, que durou um ano e três meses. No período, como recorda o historiador Ademir Medici, que assina a coluna Memória, do Diário, foi o único a subir na tribuna contra manobra eleitoral que impediu a posse de Armando Mazzo como prefeito de Santo André e deu a cadeira a Antonio Flaquer. “Voz única. Único registro oficial sobre o episódio”, cita Medici.

A batalha para transformar São Caetano em município autônomo tinha guarida ao lado de Lauro Garcia, Antonio Dardis Neto e João Dal’Mas. O processo de emancipação se confirmou em 1948, sendo necessário realizar eleição na nova cidade. Campanella aderiu à campanha de Angelo Raphael Pellegrino, que teve como adversário José Luiz Flaquer Netto, sobrinho de Antonio Flaquer, prefeito da vizinha Santo André. Venceu por 4.094 votos a 1.017.

Dois anos depois, Campanella voltava às urnas. Candidatou-se a deputado estadual, ficando como segundo suplente. No ano seguinte, a Assembleia Legislativa o convocou para assumir a vaga. Lá ficou até 1952, quando se preparou para concorrer à função de prefeito do município que lutou para emancipar. Em dezembro daquele ano, elegeu-se para administrar a cidade, vencendo Oswaldo Samuel Massei – teve início ali uma rivalidade que durou até a morte de ambos. Campanella obteve 8.293 votos. Massei, 7.326.

Campanella herdou um município em fase incipiente de urbanização. Foi ele quem levou a Prefeitura para o Edifício Vitória, na Rua Baraldi, região central. Deu início à construção de escolas para sanear deficit que chegava a 15 mil crianças. Criou a Apami (Associação de Proteção e Assistência a Maternidade e a Infância), colocando o nome de sua mulher, Aracy, no equipamento – à época não havia legislação que vedava homenagens em vida. Com Aracy, Campanella teve três filhos: Marisa, Adauto e Anacleto Júnior, apelidado de Tite. Também tinha, em 1955, entregado o estádio que futuramente levaria seu nome.

Depois de mandato que guinou São Caetano à urbanização, incluindo instalação de guias e sarjetas, Campanella acreditava ter cacife político para eleger o sucessor na eleição de março de 1957. Apostou as fichas em Jacob João Lorenzini, líder autonomista. Mas viu Massei levar aquele pleito. Quatro anos depois, deu o troco no adversário, vencendo a concorrência contra Hérmogenes Walter Braido e Joaquim Formiga. Antes disso, em 1958, havia conquistado cadeira na Assembleia Legislativa novamente, pelo PDS (Partido Social Democrático).

Consolidou-se como líder político de São Caetano e tendo como inspiração Lauro Gomes de Almeida, que havia sido prefeito de São Bernardo e, posteriormente, de Santo André. A morte de Lauro Gomes, repentina, de infarto, em 1964, foi um baque. “Foi a primeira vez que vi meu pai chorar copiosamente. Eu estava dormindo e acordei com o barulho. Fui à sala e vi minha mãe consolando meu pai”, recordou Adauto. Campanella decidiu que o complexo esportivo que havia inaugurado em seu primeiro governo teria o nome do amigo.

Naquele mesmo ano o regime militar foi instalado no País. Campanella encerrou seu mandato em 1965, sucedido por Braido. Em 1967, se candidatou e se elegeu deputado federal, recebendo mais de 30 mil votos, figurando na lista dos dez mais bem votados daquele pleito. Tomou posse no ano seguinte, mas já com ideia de contrapor o governo de Humberto de Castelo Branco, o primeiro dos militares da ditadura, que durou até 1985. A Frente Ampla articulada por Carlos Lacerda seria replicada por Campanella no Grande ABC.

Toda movimentação política fez com que os militares apertassem o cerco sobre organizações contra o regime. Em dezembro de 1968 foi instituído o Ato Institucional número 5, o mais duro de todos os governos militares. Campanella teve seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos, medida que passou a valer em janeiro de 1969.

Fora da política, Campanella passou a apresentar traços de depressão, segundo Adauto. “Antigamente isso não era um diagnóstico. Mas era claro que a cassação baqueou demais porque ele pensava muito na gente, em como a gente iria ficar. Ele caiu no ostracismo”, disse Adauto, que ora chama o histórico político como pai ora de Campanella. “Veja, hoje você fazer oposição é muito tranquilo, muito fácil. Antigamente, falar mal do governo poderia fazer com que você fosse levado ao DOI-Codi, sem saber se voltaria para a casa”, emenda Adauto, ao citar o órgão de repressão da ditadura.

Rivais, Campanella e Massei morreram em diferença de cinco meses
A rivalidade política entre Anacleto Campanella e Oswaldo Samuel Massei durou de 1952, na primeira vitória de Campanella à Prefeitura de São Caetano, a meados de 1973. Curiosamente, os dois morreram com diferença de cinco meses. Massei faleceu em 22 de outubro de 1973. Campanella, em 18 de março de 1974. De uma hora para outra, São Caetano se viu órfã de duas potências políticas – que administraram a cidade e também representaram o município na Assembleia Legislativa ou Câmara Federal.

Campanella tinha 49 anos quando teve um infarto fulminante. Ele estava no Centro da cidade, onde costumava passar os dias como deputado cassado ao lado de amigos e jogando baralho. Entrou em seu carro, engatou a marcha à ré para manobrar. Colocou a primeira e a segunda marchas, quando sentiu fortes dores no peito. Bateu em uma pilastra logo na sequência. Foi socorrido, mas não resistiu. “Era uma segunda-feira à noite, nunca me esqueço”, diz Adauto Campanella, filho do meio de Campanella e Aracy. A primogênita, Marisa, mudou-se para o Interior e nunca ingressou na política. Adauto foi vereador por dois mandatos e viu seu irmão caçula, Anacleto Campanella Júnior, o Tite, também se eleger parlamentar. No dia 1º de janeiro, Tite foi alçado à condição de presidente da Câmara e, diante da instabilidade jurídica no município, se tornou prefeito interino.

Voltou a colocar um Campanella na cadeira máxima do Executivo depois de uma dinastia de Hermógenes Walter Braido e Luiz Olinto Tortorello – dois triprefeitos. O período teve poucas rupturas de um mesmo grupo – uma delas com Raimundo da Cunha Leite. O bloco iniciado por Braido a partir da morte de Campanella e Massei se consolidou em José Auricchio Júnior (PSDB), que espera reverter na Justiça o indeferimento de sua candidatura para assumir o Palácio da Cerâmica. Se conseguir, será breve a passagem de Tite pelo Paço, fato que ele garante não atormentá-lo. “A cadeira, por direito, é do Auricchio”, disse Tite, em entrevista ao Diário, no dia 1º.

Mas Adauto vislumbra outros planos para o irmão. “Ele tem totais condições de buscar coisas maiores. Tem empatia em lidar com todos, de agregar e, principalmente, aguentar os sapos que aparecem”, avalia. Tite se candidatou a prefeito em 2004, pelo antigo PFL. Teve 6.536 votos, quarto colocado, no pleito que alçou Auricchio ao Paço pela primeira vez.




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