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Ex-secretário admite pressa na desapropriação de terreno em S.Bernardo
Roney Domingos
Do Diário do Grande ABC
15/05/2005 | 15:17
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O vereador Carlos Roberto Maciel foi secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura de São Bernardo até o final do ano passado, quando pediu licença para disputar vaga na Câmara Municipal. Ele viveu o processo de desapropriação de duas áreas no total de 24 mil m² onde funcionava a fábrica Enco Zolcsak, na margem da Anchieta oposta à unidade da Volkswagen. O MP (Ministério Público) investiga em inquérito civil por que a Prefeitura pagou pelo imóvel cerca de R$ 7 milhões, seis vezes mais do que proprietário indenizado havia pago meses antes à imobiliária que arrematou o terreno da massa falida.

O MP quer saber se o erro está no processo de falência da empresa ou na desapropriação. Os promotores também perguntam como sumiu parte da estrutura metálica de 273,5 toneladas da antiga fábrica, avaliada em até R$ 4,5 milhões, que fazia parte do patrimônio desapropriado. A Prefeitura afirma que não há irregularidade na desapropriação e que os furtos de material foram notificados à autoridade policial. Maciel afirma que a administração seguiu o rito usual de desapropriação, baseada em fontes consistentes, mas admite que houve pressa na operação.

DIÁRIO – O que ocorreu na desapropriação da área que anteriormente pertencia à Enco?
CARLOS MACIEL – O procedimento do município teve a consistência usual de qualquer outro tipo de desapropriação. O setor que tinha interesse na desapropriação era a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, que fundamentou o interesse público e tinha o projeto. A Secretaria de Assuntos Jurídicos simplesmente entrou com a ação de desapropriação. Ela não avalia se o terreno é bom para fazer aquilo. Avalia apenas a questão jurídica.

DIÁRIO – Juridicamente não havia problema?
MACIEL – Pelos documentos, não. A Secretaria de Finanças tinha o cadastro do imóvel com a descrição, com a área, dimensão e o valor venal. Eles estão dentro de um processo administrativo e a desapropriação é feita com base nessas informações. E é feito, obviamente, um laudo de avaliação pelo assistente do município. O MP avalia que o imóvel vale cerca de R$ 3 milhões e a Prefeitura pagou aproximadamente R$ 7 milhões.

DIÁRIO – Por que essa diferença?
MACIEL – Não me recordo muito bem. Me parece que R$ 3 milhões foi o valor do terreno e R$ 3 milhões de construção, que perfazia esse valor. Esse valor foi encontrado por laudo do perito do juízo. O valor da prefeitura ainda é menor. Se não me engano, o valor pago foi menor.

DIÁRIO – O MP diz que a Prefeitura não conseguiu incorporar parte do imóvel porque havia irregularidade na matrícula...
MACIEL – Esses fatos surgiram bem depois, quando foi aberto inquérito administrativo na prefeitura. Fui eu que determinei. No processo de desapropriação foi determinado que a procuradoria (órgão da Prefeitura) se valesse de todos os meios para recuperar o valor pago a mais, se ocorreu de fato como menciona o promotor. A estrutura metálica de mais de 200 toneladas que havia no imóvel valia cerca de R$ 350 mil, segundo o laudo mais conservador, feito em maio de 1999. Esse patrimônio sumiu após a desapropriação.

DIÁRIO – Foi aberta investigação para apurar?
MACIEL – Uma vez desapropriado o imóvel, quem administra é a Secretaria de Administração com auxílio da Guarda Municipal. Foi informado que o imóvel veio ao domínio do município e essas secretarias se encarregaram de tomar conta. Eu fiquei surpreso quando isso aconteceu.

DIÁRIO – O que o sr. acha que aconteceu quando olha globalmente para esse episódio?
MACIEL – A desapropriação é a aquisição originária do imóvel. Ela se sobrepõe a qualquer coisa. O valor da gleba de terra pode eventualmente ser discutido. Mas o laudo do assistente do município encontrou lá um determinado valor. O acordo, se não me engano, foi pelo menor valor encontrado na época. Essas situações que depois vieram a ser relatadas pelo MP surgiram depois. Para desistir do imóvel, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico teria de formular e dizer: ‘não me interesso mais por essa área’. Desistiria do imóvel e pegaria o dinheiro de volta. Isso não aconteceu. Até onde eu sei eles ainda têm interesse na área e pretendem construir equipamento público lá. Eu respondo pelo período em que estava lá, pela parte jurídica da coisa. As medidas internas foram adotadas.

DIÁRIO – O inquérito interno Já foi concluído?
MACIEL – Eu não sei, porque saí de lá. Eu havia determinado esse inquérito em abril ou março do ano passado. De lá para cá não me atualizei da coisa. Eu estou falando com você agora com base que eu tive lá atrás. No final do ano, antes de sair, eu determinei que se tomassem todas as medidas no sentido de ressarcir o erário.

DIÁRIO – O MP afirma que a Prefeitura pagou e não levou. E diz também que a Prefeitura entrou com ação rescisória contra a sentença de desapropriação. Sabe qual foi o resultado dessa ação? Pode ter havido falha jurídica no sentido de identificar o patrimônio que estava sendo desapropriado?
MACIEL – Não, porque é assim: a secretaria interessada (Desenvolvimento Ecoômico) identifica o imóvel que pretende utilizar para determinado programa. A secretaria descreve o imóvel que ela pretende desapropriar. Essa descrição vai para a Secretaria de Obras, que junto com a Secretaria de Administração faz a descrição da área completa a ser desapropriada com base no cadastro fiscal da prefeitura. O procurador simplesmente pega essa descrição, coloca na petição e pede para o juiz desapropriar, com base no valor venal.

DIÁRIO – Mas a descrição fala de dois imóveis e um deles não estava no nome da proprietário que foi desapropriado.
MACIEL – Que eu saiba estava. É que o inquérito corre em segredo de justiça. A imobiliária comprou o imóvel da massa falida por aproximadamente R$ 451 mil e vendeu para o proprietário por cerca de R$ 1 milhão. Rapidamente o proprietário procurou a prefeitura e foi realizada a desapropriação de R$ 7 milhões.

DIÁRIO – Pode ter havido falha da administração no processo?
MACIEL – A desapropriação seguiu ritmo normal. Foi feita judicialmente e teve laudo judicial. Parece que tinha urgência na época para pegar recurso de um ministério, não sei se da Educação ou da Tecnologia, para construir um Centro de Design. Na época foi apontada a urgência dessa necessidade. Uma vez que se tem os laudos do nosso perito e do perito judicial, que é parecido com o laudo existente no cadastro imobiliário do município, ou você deposita a totalidade dos R$ 7 milhões, ou não pega a área. Aí a Secretaria de Desenvolvimento fala que tem urgência porque precisa apresentar a área para o ministério com o objetivo de trazer o recurso para o município.

DIÁRIO – Quem era o prefeito?
MACIEL – Não lembro quem era o prefeito na época. Não sei se o Maurício (Soares) tinha renunciado.

DIÁRIO – Era o Maurício?
MACIEL – Na desapropriação sim, mas do acordo do pagamento eu não me lembro. Aí a Secretaria vem e fala: o valor encontrado é esse, o valor do assistente técnico é esse e o valor venal do nosso cadastro é `X´. Nós temos urgência para apresentar a área como contrapartida para pegar o recurso e o proprietário topa fechar o acordo pelo menor valor.

DIÁRIO – Qual é a decisão que o prefeito vai tomar?
MACIEL – Ele desconhece. E toma. Aí foi feito o acordo. Foi feito o pagamento parcelado não me lembro em quantas vezes. Depois de muito tempo é que veio essa situação.

DIÁRIO – A proprietária indenizada procurou a prefeitura antes de saber que tinha interesse em desapropriar?
MACIEL – Não sei. Isso quem pode dizer é o Humberto (Celestino Macedo, secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo na época). Às vezes eu vou montar determinado programa e preciso de uma área em determinado lugar. Por exemplo, nós fomos desapropriar a área para a construção do cadeião no Cooperativa. Que eu saiba foi conversado com o proprietário. E era a única área que podia. Ele foi chamado aqui. Nós dissemos que iríamos desapropriar, o valor venal seria esse e que o valor do assistente técnico seria esse.

DIÁRIO – A Prefeitura pode ter chamado o proprietário para um acordo informal?
MACIEL – Pode até ser. Mas sempre quem faz isso é a área (secretaria) que tem interesse na desapropriação. A Secretaria Jurídica fica no meio. Quantas escolas nós construímos? 38. É feita uma pesquisa para ver a demanda escolar. Se tiver de construir uma escola na região da Vila São Pedro, vou procurar um terreno ali. Quando vou desapropriar, sigo todo um rito legal preestabelecido. Acho precipitado prejulgar. Essas informações que você está me falando surgiram um ano e pouco depois.

DIÁRIO – O sr. já conversou com o MP sobre esse caso?
MACIEL – Já, muitas vezes. Eu sempre passei as informações para eles. Com relação à parte do município, o que foi encontrado dentro do processo de desapropriação, estou tranqüilo. Agora, estão falando outras coisas. Eventualmente, fraude na falência. Eu nem sabia que essa área era objeto de massa falida. Na verdade, é rotina no município fazer desapropriação. Tem procurador que faz isso.

DIÁRIO – O sr. acha que houve erro na desapropriação ou na avaliação do imóvel?
MACIEL – Se o imóvel estiver na medida, acho que não houve erro na desapropriação. O valor de 24 mil m2 (17 mil metros + 7 mil metros ) foi de cerca de R$ 7 milhões. Esse valor saiu por base do assistente técnico e do perito judicial, acrescido do valor venal do cadastro da prefeitura. Tivemos três referências consistentes. Um ano depois vem alguém e diz que a área não é de 24 mil metros, mas de 17 mil metros, porque sete mil metros não existiam, porque ficaram dentro da massa falida. O município pagou pelos 17 mil mais sete mil. E ele depositou R$ 7 milhões em nome de "A" (a proprietária indenizada pelo total do imóvel). Hoje a história que se conta é que "A" na verdade tinha 17 e "B" (massa falida) tinha sete. O "B", que é a massa falida, tem de vir em cima de "A" e falar: ‘você tem 7 mil metros meus’. Essa defesa não existiu em nenhum momento. Para o município, ele pagou 24 mil metros e acabou. É possível retificar a descrição de área. Se você pegar o processo administrativo vai ver parecer do procurador consistente nesse sentido. O município desapropriou 24 mil metros. Se houve erro na falência, como é que se vai saber?




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