Enquanto construções seculares dão ao turista a sensação de ter retrocedido mil anos, um ar de jovialidade contagia as ruas
Como diria Cazuza em uma de suas músicas, "o tempo não para". Mas tem um time diferente em Coimbra. Enquanto construções seculares dão ao turista a sensação de ter retrocedido mil anos, um ar de jovialidade contagia as ruas da honorável cidade acenando para o futuro. Também, pudera: todos os anos, cerca de 50 mil estudantes lotam as salas da famosa Universidade de Coimbra, cuja torre, com traçado de coruja - o símbolo da sabedoria - paira do alto como a revelar para quem vem da autoestrada a sua pendência natural aos livros.
São os seus sinos e relógios que, desde 1733, chamam para as aulas os universitários, que, à primeira vista, parecem querer fazer tipo com suas capas pretas sob o sol de rachar. Mas, com o passar do tempo, percebe-se que tais vestes têm mais a ver com a preservação das tradições do que com um capricho de adolescentes tardios propriamente dito.
Um dos pontos mais interessantes do complexo é a biblioteca, construída com ouro, jacarandá e cedro trazidos do Brasil. Mas nem pense em se esbaldar nos mais de 250 mil livros dispostos nas prateleiras: eles só podem ser consultados por professores, doutorandos e olhe lá! Tudo bem. Muitas das publicações, de tão antigas, provavelmente desmanchariam em suas mãos na primeira folheada... Afinal, estamos falando de uma das mais antigas universidades de toda a Europa.
Não à toa, sua fachada é o cartão-postal por excelência da cidade. E de lá ainda tem-se uma vista panorâmica de toda Coimbra, que já foi capital do país a partir de 1139, quando o primeiro monarca lusitano, Afonso Henriques, decidiu transferir o comando da nação de Guimarães para um local mais ao Sul.
Desde então, foram erguidos diversos monumentos que resistem até hoje e parecem fazer questão de impor certa sobriedade à alegria juvenil que impera nas ruas, cafés e salas de aula. Um contraste entre o velho e o novo que virou marca registrada da região e que se evidencia até mesmo nos nomes de alguns edifícios construídos no passar dos séculos.
Catedrais da Sé, por exemplo, há duas: a Velha e a Nova. A primeira foi erguida em 1064 para comemorar a expulsão dos mouros. Todos os anos, em maio, serve de palco para um dos eventos mais tradicionais da agenda local, a Queima das Fitas, que marca o fim do ano letivo com muita cerveja, cores e fado no último volume. Já a Sé Nova, apesar da designação de mocinha, foi erguida por jesuítas nos idos de 1598.
Ambas ficam na parte alta da cidade, a Velha, enquanto a baixa concentra a maior parte das lojas, cafés e restaurantes ao longo dos calçadões das ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz.
Já na agitada Praça Oito de Maio, o destaque fica por conta da igreja de Santa Cruz, de 1131, onde estão enterrados Afonso Henriques e Sancho I, os dois primeiros reis de Portugal.
Descendo a colina de Alcáçova na direção do Rio Mondego, o turista ainda encontra vários monumentos que confirmam a tendência de o velho ceder espaço ao novo. Assim como as catedrais, há também os conventos de Santa Clara-a-Velha e de Santa Clara-a-Nova.
O edifício mais antigo - referência para o estudo do gótico em Portugal - teve sua construção iniciada em 1286. Mas só em 1314 Isabel de Aragão, a Rainha Santa Isabel, obteve licença do papa para fundar o mosteiro.
É lá que, nos anos pares, em julho, ocorre a Festa da Rainha Santa, cuja procissão relembra o Milagre das Rosas, quando a monarca teria transformado pão em rosas.
A história também passeia pelo Pátio da Inquisição - palco das atrocidades do temido Tribunal do Santo Ofício a partir de 1548 - e pela Quinta das Lágrimas, onde Camões situa as mais importantes estrofes sobre o caso de amor entre Pedro e Inês em Os Lusíadas.
O verso "Lágrimas são a água, e o nome Amores" faz referência à Fonte dos Amores, local eleito pelo poeta para pontuar a morte da castelã. Muita gente acredita que a coloração vermelha das pedras no fundo da fonte - provocada por uma espécie rara de alga - tenha algo a ver com o sangue de Inês derramado ali.
A viagem no tempo retrocede ainda mais com visitas, nos arredores de Coimbra, ao Castelo de Montemor-o-Velho - na estrada, aproveite para saborear o tradicional pastel de Tentúgal do Café Pousadinha - e às ruínas de Conímbriga, que remetem às povoações celtas em 9 a.C. e às conquistas romanas empreendidas a partir da segunda metade do século 2 a.C.
Onde Inês é viva!
Vários pontos em Coimbra, Alcobaça e Montemor-o-Velho mantêm acesa a chama do amor que mais inspirou poetas, músicos, dançarinos, artistas plásticos e dramaturgos portugueses em toda a história da Terrinha: a tórrida paixão entre Pedro e Inês de Castro. O episódio que fala da "mísera mesquinha que depois de morta foi rainha" é o trecho mais traduzido da obra Os Lusíadas, de Camões, e a canção Coimbra - onde se passou "a história dessa Inês tão linda" -, a música mais cantada e com mais interpretações em Portugal.
Tudo começou por volta de 1340, quando D. Constança resolve trazer a prima Inês de Castro a Portugal para servir-lhe de dama de companhia. Mas quem mais desfrutou dessa ‘companhia' foi o marido gago de Constança, o príncipe herdeiro D. Pedro, que passou a se encontrar com a bela jovem nos palácios de caça da família real em Coimbra.
Inês residia no Paço do Convento de Santa Clara-a-Velha, onde recebia as cartas de amor de Pedro, transportadas em pequenos barquinhos de madeira por um cano que levava as águas das fontes da Quinta do Pombal - hoje, Quinta das Lágrimas - até o mosteiro.
O rei D. Afonso IV, pai de Pedro, não via com bons olhos a relação. Afinal, o príncipe era casado e Inês, além de prima, era madrinha de seus filhos. Mas o que mais incomodava o imperador era a ambição e influência dos Castro, irmãos de Inês, na corte.
Quando Constança morre, Pedro passa a viver maritalmente com Inês e tem três filhos com ela. Chega a pedir ao papa uma bula que lhe permitisse casar com parente tão chegada.
Obstinado em garantir o reino ao legítimo herdeiro de Pedro e afastar Portugal de uma possível guerra contra Castela, D. Afonso IV aproveita a ausência do príncipe para invadir o Paço de Santa Clara e degolar Inês. Mas falece tempos depois.
Com a morte do pai, D. Pedro aproveita sua ascensão ao trono para vingar, com requintes de extrema crueldade, o assassinato da amante. Entra para a história como Pedro O Cruel. E também apaixonado, que mandou exumar o corpo e obrigou toda a corte a beijar a mão já decomposta da amada, coroando-a rainha de Portugal. A essa altura, no entanto, Inês já era morta...
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