Em uma grande agenda colorida com lombada costurada e uma bonita capa de tecido onde se lê "Coisas Para Fazer", a fisioterapeuta paulistana Clarisse Domingues de Assis anota freneticamente endereços de São Paulo, nomes de edifícios, indicações de restaurantes, rotas alternativas no trânsito e vários, inúmeros, dezenas, talvez centenas de números de telefone. Ela tira quase tudo dos jornais e revistas que lê. Funciona mais ou menos assim: é só Clarisse bater o olho em alguma informação surpreendente da cidade, algum bairro que não conhece ou algum prédio que nunca ouviu falar que na hora ela já anota na agenda. É uma confusão só.
Com aquela letra apertada e um tanto indecifrável, é difícil achar um sentido em tantas informações. De certa forma, esse também é o hobby preferido da fisioterapeuta - simplesmente se perder no meio do caos da Capital.
"Nasci aqui e sinto como se não conhecesse minha cidade", diz Clarisse, 31 anos, uma autêntica turista paulistana. "A gente nasce num bairro, cresce numa região e nunca conhece outros cantos de São Paulo. Por isso, faz uns quatro anos que anoto todos os lugares que ainda quero conhecer na cidade. Vale qualquer coisa, de café até um prédio antigo ou uma fábrica abandonada. Aí, no fim de semana eu faço um pequeno roteiro, pego o carro e saio por aí para descobrir São Paulo. É como se eu fosse fazer turismo em outras cidades."
Se São Paulo não é lá muito acolhedora com seus turistas estrangeiros, também não é diferente com seus moradores. Confusa, violenta, difícil de se percorrer, espalhada, demasiadamente grande, com transporte público longe do exemplar.
Ainda assim, do mesmo jeito que o turismo internacional na Capital subiu mais de 110% na década, o número de paulistanos que tentam descobrir outras facetas de seu próprio município também parece estar em escalada.
Um bom termômetro são as CITs (Centrais de Informações Turísticas), que distribuem folhetos e informações para estrangeiros de passagem por aqui. Agora, no Natal, o movimento nos guichês aumenta até 40% - e 30% dos visitantes são paulistanos.
"Os centros foram feitos para atender os visitantes, mas muitos moradores procuram mapas, roteiros alternativos, dicas de museus e de passeios", diz Aline Delmanto, gerente de Planejamento e Estruturação da SPTuris.
Nos cinco CITs existentes na Capital (os endereços estão no site www.cidadedesaopaulo.com), é possível encontrar informações que vão desde os horários de funcionamento de 116 centros culturais até indicações para fazer uma caminhada no Copan ou na área de proteção ambiental de Parelheiros, no extremo Sul. "Acho que isso acontece porque a maioria só conhece as atrações mais óbvias, como o Ibirapuera ou o Masp, e os endereços perto de suas casas."
CÂMERAS - Em seus dias de folga, o analista de suporte de redes Marcelo Isidoro Alves, 30, "nascido e criado na Barra Funda", invariavelmente encarna o clichê de um turista de câmera no pescoço e guia na mão. O hobby vem desde os tempos de criança, quando saía do colégio e ficava observando os ônibus com nomes de bairros e itinerários tão estranhos quanto enigmáticos. "Eu sempre ficava pensando onde eles iriam parar, que endereços eles percorreriam", conta. "Aí uma hora decidi entrar nesses ônibus e responder a essas dúvidas."
Desde 2007, Marcelo virou uma espécie de turista profissional paulistano. Munido de uma câmera e endereços que coleta na internet, ele passa seus dias de folga desbravando um bairro de São Paulo de cada vez. Já tem milhares de fotos, muitas delas postadas num fórum de urbanismo (www.skyscrapercity.com), com outros paulistanos entusiastas do hobby de "se perder na cidade".
Os registros dos turistas ganham títulos como A Beleza Oculta da Sé, O Tão Falado Morumbi, O Emergente Jardim Anália Franco ou A Agradável Surpresa da Zona Leste, a Penha.
"Virou uma paixão. Eu coloco a mochila nas costas, pego transporte coletivo e vou conhecer a cidade", diz Marcelo. "Mas mais do que qualquer coisa visual, o que mais me chama a atenção são as pessoas, esses personagens urbanos. Além de descobrir endereços incríveis, descobri pessoas incríveis."
Marcelo, que calcula ter visitado praticamente todos os bairros da Capital, agora também organiza passeios com outros integrantes do fórum na internet. "Fizemos uma caminhada de Santa Cecília até a Luz, e agora estamos marcando de ir ao Pico do Jaraguá. Há um monte de lugares comuns em São Paulo. Quando alguém quer ir numa balada vai para a Vila Olímpia, quando quer ir num restaurante legal vai nos Jardins. Aí os paulistanos ficam presos em suas rotinas", observa Marcelo, que se declara apaixonado pela diversidade da Terra da Garoa. "Também tem essa ideia de que São Paulo é feia, a própria imprensa fala que quando chega o feriado ou o fim de semana nós precisamos ‘fugir' daqui, ir para a praia. Acho que é preciso divulgar mais o turismo em São Paulo para o próprio paulistano, porque ele precisa viver mais a cidade", completa.
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