Alice Ruiz S está às voltas com preparativos para exposição que homenageia o marido, Paulo Leminski
Na última semana, a paranaense Alice Ruiz S, 63 anos, estava às voltas com os preparativos da exposição que homenageia o marido Paulo Leminski (1944-1989) quando soube que ficou em primeiro lugar na categoria poesia do Prêmio Jabuti 2009 por conta de Dois em Um, publicado no ano passado. "Foi uma felicidade enorme. É até bobo dizer isso, mas o melhor é a festa que os amigos estão fazendo por conta da minha alegria", resume.
Há 20 anos, a poetisa recebia o primeiro Jabuti, por conta de Vice-Versos, o segundo livro de sua carreira. "É um prêmio seríssimo, da Academia Brasileira de Letras, né? Para mim, é como se dissessem que estou no caminho certo mesmo passado todo esse tempo", afirma, sem um pingo de afetação.
A notícia do novo prêmio também serviu para transportá-la de volta ao momento em que recebeu o primeiro. Naquela época, todos os vencedores eram conhecidos apenas na cerimônia de premiação. "Tinha um clima de ‘and the winner is' muito gostoso", afirma. Porém, mais do que a vaidade, as memórias despertaram o lado mãe-coruja da escritora. "Antes de anunciarem meu nome, começaram a ler poesias minhas e a Estrela (filha caçula), que tinha 8 anos, identificou na hora", derrete-se ela, cuja prole tem ainda Miguel Ângelo e Áurea.
Dois em Um não tem material inédito: reúne, além das poesias contidas no já premiado Vice-Versos, as obras contidas em Pelos Pelos, de 1984. "Decidi relançá-los neste formato porque é junção de duas décadas de produção literária, os anos 1970 e 1980. Para mim é o fechamento de um ciclo mesmo", revela ela, que prepara obra inédita que deve ser entregue até dezembro.
A escritora começou a publicar seus livros aos 34 anos. Desde então, são 14. É compositora também. Arnaldo Antunes, Ceumar e Alzira Spíndola, entre outros já foram seus parceiros.
E, sim. A letra ‘S' localizada após o sobrenome Ruiz é por conta de um conselho numerológico. Desde Desorientais, de 1996, a escritora modificou a assinatura. O toque veio de uma amiga, Helena Kolody, também poetisa paranaense, morta há cinco anos. "Ela disse que me faltava vibração do número 1. Optei pelo ‘S' porque é a inicial do sobrenome do meu pai", revela. "Na época eu não contei porque a Helena ficou com medo de que todos fossem atrás dela para pedir os conselhos", lembra.
Haicai - Alice escreve desde a adolescência. Já casada com Leminski, mostrou suas poesias curtas a ele. "Ele disse que eu estava escrevendo haicai, mas eu não conhecia, não sabia do que se tratava", afirma. Criados no Japão, esses poemas que contemplam a natureza têm três versos com cinco, sete e cinco sílabas cada um.
Sozinha e em parceria com o marido, ela escreveu livros compostos apenas de poesias do tipo. Hoje é convidada para ministrar oficinas que revelam os macetes dos diminutos textos. "Um haicai é bem diferente de um poema comum ou de uma letra de música, que você tem de ficar trabalhando o tempo todo. É mais espontâneo. Quando um me ‘acontece', eu fico muito contente".
Ela diz que, além da técnica de ritmo e métrica, as oficinas oferecem uma prática que ela define como zen. "Não é fácil. As pessoas têm de atingir um estado em que param de ter como principal referência a si mesmos e suas sensações. É como se nos entregassem uma câmera fotográfica e fizéssemos um retrato fiel", diz. "É claro que, como na fotografia, está sujeito a ruídos, a falhas. Acho lícito que as pessoas adaptem o estilo a sua própria experiência. Só acho que primeiro têm de aprender a técnica", defende.
Se pela escola oriental a subjetividade tem de ser controlada, a poesia convencional demanda disposição de espírito, acredita Alice. "Você tem de estar inteiro ali, ser honesto com você mesmo. Mas a boa poesia é aquela que te representa, e, simultaneamente, fala a outras pessoas", define.
Mostra representou ‘salto emocional'
Casada por mais de 20 anos com Paulo Leminski, Alice Ruiz admite que não foi fácil mergulhar no passado para viabilizar a exposição que o homenageia no Itaú Cultural, em cartaz até 8 de novembro.
"Cada vez que eu tenho de me envolver com essas coisas é complicado. Sei que a vida está permeando toda a obra. Sei a quais momentos algumas poesias se referem. Dói, mas no final, sei que dei um salto emocional e, o melhor, sem a ajuda da terapia", revela. A Ocupação Leminski resgatou vídeos, músicas e poesias de Leminski, incluindo material inédito e manuscritos organizados pela filha Áurea em Curitiba.
Ajudou o fato de o idealizador da mostra, o poeta e jornalista Ademir Assunção, ser amigo da família. "Foi só por isso que topei me envolver. Além disso, ele é bastante sensível e entende de Paulo Leminski", complementa.
A princípio, Assunção queria que Alice assinasse a curadoria com ele. "Mas expliquei que não tenho o menor talento para isso. Eu não sei fazer as negociações, contatar pessoas para viabilizar a produção. Então fui mais uma consultora mesmo", explica.
O resultado do trabalho agradou bastante à viúva, radicada em São Paulo há oito anos.
"A exposição está maravilhosa. O Ademir e o Miguel Paladino, que fez a direção de arte, conseguiram passar toda a multiplicidade do Paulo pelo meio. Fiquei muito satisfeita", opina.
Discreta sobre o período em que foi casada com o poeta, ela apenas diz que a convivência acabava se acertando por conta das semelhanças. "Eu também sou multi, então tudo se acertava", ri.
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