Ver-se envolvido em um crime é um risco mais real do que se pensa. A psicanálise diz que há um criminoso em potencial escondido em cada indivíduo, que é controlado pela sua formação social. Apesar disso, quando noticia-se uma morte passional, a primeira reação da sociedade é classificar o autor como um monstro sem coração. E pode não ser bem assim.
“No início da vida, os instintos do cidadão de bem, trabalhador e honesto, são os mais diabólicos possíveis: somos todos assassinos suicidas e incestuosos.” É o que diz o diretor do Hospital Dia, do Hospital das Clínicas da Capital, o psiquiatra Renato Del Sant.
“O que acontece é que essa camada terrível é encoberta ao longo dos anos por capas como a moral, a educação e a religião. Mas em alguns momentos, patológicos ou não, essa camada pode aparecer”, garante. “A pessoa sai de si, depois volta e se surpreende com o que fez.”
Esses momentos seriam situações extremas, de um estresse agudo ou tensão fora de controle. Ou mesmo quando estamos em um meio em que a razão nos escapa. “Um exemplo é a torcida de futebol. O sujeito pode ser um trabalhador decente vendo uma partida. Se o time está perdendo porque o juiz está roubando, esse sujeito pode matar o árbitro caso a torcida invada o campo”, explica Del Sant.
Pessoas tidas como nervosas pelos demais são mais suscetíveis a essa forma de explosão. “A sociedade vai tentar controlar esse tipo de comportamento. Mas se uma pessoa sabe que gritando e esbravejando ela consegue as coisas que quer, dificilmente irá se conter. Só tende a piorar”, afirma a psicóloga Angélica Capelari, professora da Universidade Metodista e especialista em comportamento agressivo. E, quanto pior, mais fácil é de se chegar ao limite que libere nossos instintos primitivos.
Exemplos não faltam. Domingo passado, no bairro Campestre, em Santo André, a dona de casa Maria Madelena Pereira, 44 anos, confessou à polícia ter matado o marido Damião Monteiro de Oliveira, 54, com golpes de tesoura após uma discussão. Mesmo a família dele a classificou como “boa pessoa e boa mãe”. Mas houve um momento de estresse agudo e ela cometeu o crime.
Caso de polícia - É claro que não se pode pensar que todo homicídio é resultado de um ato de descontrole. Assassinos em série, traficantes que matam desafetos e outros bandidos são indivíduos que têm desvios de formação e de caráter. Eles não precisam controlar os instintos primitivos escondidos na psique. Ignoram a moral e matam por diversos interesses.
“Para a investigação de um crime, tratamos os suspeitos da mesma forma. Mas, identificado o autor, há uma série de atenuantes que devem ser considerados no indiciamento”, diz o delegado-titular do Setor de Homicídios da Polícia Civil de Diadema, Flávio Augusto Rodrigues.
A legislação trata de forma diferente esses dois tipos de assassinos. Um ataque de fúria extrema ou um crime passional é classificado como homicídio privilegiado. A justiça entende que há pouca chance da reincidência desse delito, que seria resultado de uma situação atípica e limítrofe. O autor pode pegar uma pena mais branda.
Já os casos de assassinatos que não têm relação com momentos de ira, como no caso do traficante que mata o inimigo, o homicídio é qualificado. A pena não é diminuída por conta do entendimento de que tal crime é resultado de uma falha de caráter.
Curiosamente, o homicídio qualificado, não desperta tanto a atenção quanto um crime motivado por um momento isolado de descontrole.
“Há muito mais casos de homicídios qualificados do que crimes passionais”, diz o delegado Rodrigues. O homicídio, artigo 12 do Código Penal, prevê pena de seis a 20 anos de prisão.Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.