O Ministério Público quer aumentar o rigor na homologação das candidaturas de políticos que respondem a processos na Justiça. Em circular distribuída na última semana, a Procuradoria Regional Eleitoral recomendou aos 410 promotores incumbidos de fiscalizar as eleições no Estado que peçam a impugnação dos registros dos postulantes a cargos eletivos que tiverem contra si condenações em segunda instância, mesmo que haja possibilidade de apelação.
A medida diverge da interpretação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de permitir a participação no pleito de candidatos que são réus em ações criminais, cíveis ou por improbidade, mas cujas sentenças não tenham transitado em julgado, ou seja, permitem recurso.
Na análise da Procuradoria, uma condenação imposta por um tribunal seria suficiente para configurar a inelegibilidade. Em entrevista, o novo procurador regional eleitoral, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, afirma que sustentará sua tese em todos os julgamentos submetidos ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral). "O sujeito foi condenado em primeira instância, depois o tribunal confirmou a condenação. E, mesmo assim, continua se candidatando? Aí eu acho um exagero", diz. Para ele, a exigência de mais austeridade na triagem das candidaturas é do próprio eleitorado, que clama por uma ‘campanha limpa'.
Recém-empossado no cargo, Gonçalves, 44 anos, enxerga espaço para debater inclusive com o TSE as impugnações.
APJ - A Procuradoria vai agir para impedir as candidaturas de políticos que respondem a processos judiciais?
GONÇALVES - O artigo 14, parágrafo 9 da Constituição diz que a Lei Complementar tem que proteger a licitude das eleições contra o abuso do poder econômico, fraude, e tem que considerar a moralidade e a vida pregressa dos candidatos. Qual o problema? Esta lei 6490 exige o trânsito em julgado da condenação.
APJ - Mas o trânsito em julgado exige que não se permita recurso. No Tribunal, ainda há chance de apelação ao STJ e ao STF.
GONÇALVES - Este é o ‘x' da questão. O que acontece atualmente? O sujeito foi condenado pelo juiz de direito, aí ele recorre ao Tribunal de Justiça, que confirma a condenação. Aí ele entra com recurso especial ao Superior Tribunal. Aí entra com recurso extraordinário ao Supremo. Se estes recursos não são admitidos, ele entra com recursos contra a não-admissão dos recursos. Então, é infindável. O objetivo, muitas vezes, destas pessoas, é só impedir que transite em julgado.
APJ - Os recursos especial e extraordinário já indicam que os tribunais encontraram elementos para a condenação?
GONÇALVES - Exatamente. Qual é o problema? Na decisão do TRE-RJ, eles entenderam que o simples fato de o sujeito responder a inquérito criminal ou for citado em CPI, ou ter sido condenado em primeira instância já seriam suficientes para tirar a candidatura dele. Mas essa orientação não tem simpatia com o pessoal que atua no direito eleitoral. Ela dá margem a uma espécie de perseguição política. Por exemplo, o delegado, juiz ou promotor não gosta do candidato. Não haveria segurança jurídica suficiente.
APJ - No caso de condenação em segunda instância, isso muda?
GONÇALVES - Agora, dizer que o sujeito foi condenado em primeira instância, depois o tribunal confirmou a condenação. E, mesmo assim, o sujeito continuar se candidatando, aí eu já acho uma demasia, um exagero.
APJ - Qual o objetivo da circular que o sr. distribuiu aos promotores?
GONÇALVES - Não tem força obrigatória. Estou dizendo para todos qual será minha postura no tribunal. Estou sugerindo que os promotores de Justiça impugnem o registro da candidatura se o postulante tem contra ele alguma condenação no tribunal, mesmo que não seja transitado em julgado. E estou dizendo que quando vierem casos assim aqui no tribunal, eu vou sustentar.
APJ - E havendo recurso ao TRE, o sr. se posicionará desta forma...
GONÇALVES - Vou dar o parecer, para dizer, que se tiver condenação por tribunal, mesmo que não tenha transitado em julgado, ele não tem direito a registro.
APJ - Mesmo com a recente decisão do TSE, por 4 a 3, que exige o trânsito em julgado para impugnação, o sr. acha plausível que seja barrada a candidatura?
GONÇALVES - Isso é uma luta que se tem para o avanço da democracia. Essa Lei Complementar 6.490 é muito ruim, é insuficiente. Agora, nós vamos ficar aguardando o Congresso fazer outra lei para alterar algo que vai causar prejuízo para eles mesmos, talvez? O que estamos fazendo é aumentar o espaço jurisprudencial no sentido de falar: pelo menos neste caso, não.
APJ - O sr. vê chance de prosperar essa iniciativa da Procuradoria? Há uma margem maior para debate?
GONÇALVES - Sou otimista, os termos da discussão têm espaço de aceitação maior. Se eu dissesse que basta ter inquérito ou condenação em primeira instância para não ser candidato, eu não veria muita chance de êxito. Mas estou otimista com esta postura, acho mais ponderada. Dá para dialogar bastante com ela. E minha esperança é que chegue ao TSE e avance um pouco mais. Quem sabe inverter o 4 a 3? O objetivo é mesmo de sensibilização.
APJ - Como o sr. avalia o posicionamento de que caberia aos partidos o ‘pente-fino' sobre a vida pregressa dos candidatos?
GONÇALVES - Eu acho que se os próprios partidos fizerem a triagem, eles vão ter que deixar algumas pessoas de fora. E acho que eles não deixariam. Seria ótimo se eles o fizessem, mas não acho que seja a melhor alternativa.
APJ - E o próprio eleitor, não poderia fazer esta triagem?
GONÇALVES - O que acredito é que a sociedade tem um pleito por lisura, moralidade. A sociedade não aceita mais corrupção. E este pleito tem de chegar de alguma maneira aos tribunais. O papel da Procuradoria Eleitoral é levar isso aos tribunais.
APJ - Como será feito o trabalho de checagem destas fichas de antecedentes dos
candidatos?
GONÇALVES - A legislação obriga o candidato a apresentar a folha de antecedentes no momento que pleiteia o registro.
APJ - Existe a possibilidade de fraude?
GONÇALVES - Fraude pode acontecer. Nosso papel é checar. A partir do pedido do registro, começa o nosso trabalho, o trabalho dos promotores e dos próprios partidos.
APJ - Tem sido recorrente a prática de propaganda antecipada. A Procuradoria tem recebido muitas denúncias?
GONÇALVES - O que posso dizer é que é grande o volume de denúncias e está crescendo. Os casos mais comuns são de candidatos que entregam brindes e colocam o nome e a foto dele. Ele não chega a dizer ‘vote em mim'. mas ele coloca a cara disfarçada. Tem gente que faz outdoor. Tem gente que usa entrevista ou programa de rádio e TV e se escancara como candidato.
APJ - O sr. acredita que uma entrevista a um jornal pode configurar propaganda antecipada?
GONÇALVES - Vou falar como falou o ministro Carlos Ayres Brito. Cada caso será analisado individualmente.
APJ - O sr. não acredita que, de certa maneira, esse procedimento remeta a uma situação de censura?
GONÇALVES - Nós temos uma lei, que proíbe a veiculação de propaganda antes da hora. Eu não vejo que esta lei seja censura. Eu não vejo isso. É uma lei que procura dar igualdade de oportunidade para candidatos, é uma lei que diz que antes do prazo, não se faça. Mas chamar isso de censura, a priori, eu não concordo. O objetivo da lei é fazer eleições regradas, civilizadas, com regras comuns para todos, regras anteriormente apresentadas. Ninguém pode se dizer surpreso, a lei existe desde 1997.
APJ - Pelo que o sr. vislumbra do início do processo, o que se espera da eleição municipal deste ano?
GONÇALVES - Eu espero que sejam eleições limpas, tranqüilas, ordeiras, onde cada um possa votar livremente de acordo com sua consciência. Sem fraudes, sem abusos. O Ministério Público Eleitoral está atento e vigilante.
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