Curiosamente, a obra que deverá provocar maior sensação entre os visitantes da Bienal de São Paulo, considerando a reação do público na preview do evento, é justamente um filme israelense, Inferno, da artista Yael Bartana, que já participou da mostra internacional (em 2006 e 2010).
O Inferno de Bartana explora manifestações religiosas de caráter híbrido que proliferam no mundo contemporâneo. No início do filme, três helicópteros sobrevoam São Paulo transportando, entre outros símbolos sagrados, uma Menorah gigantesca e uma réplica da arca da aliança. Na sequência, pagãos seguem em procissão para um ritual celebrado por um sacerdote andrógino. Os fiéis formam um bando de sibaritas reunidos num templo muito parecido com o de Salomão, que foi destruído pelas invasões babilônicas em 584 a.C.
Um segundo templo foi erigido por Herodes em 64 d.C., também destruído pelos romanos. Dele sobrou o Muro das Lamentações. O foco da realizadora israelense, no entanto, é um terceiro templo (o último, segundo as profecias). Trata-se da réplica brasileira do Templo de Salomão, concebida pela Igreja Universal do Reino de Deus, que ela antevê transformado em ruínas no que chama de pré-encenação de uma tragédia anunciada. Tudo vai pelos ares no epílogo de sua ficção sobre a Nova Jerusalém paulistana. Não sobra nada da utopia messiânica no debochado filme de Yael Bartana, conhecida por investigar a busca de identidade cultural num mundo cada vez mais uniformizado.
A construção de um templo bíblico de arquitetura retrô numa megalópole secular seria, segundo a cineasta, "uma das estratégias da indústria da fé na luta por capital simbólico". Várias obras expostas na Bienal, aliás, confrontam as religiões. O coletivo argentino Etcétera revisita um antigo trabalho do herege León Ferrari (1920-2013), Palabras Ajenas (1967), para construir seu libelo político Errar de Deus. Como o próprio título indica, trata-se de um manifesto surrealista do movimento criado pelo grupo, o Internacional Errorista, que elege o erro como experiência fundamental. Ferrari criou um clube de ímpios, hereges e blasfemos em 1998, que chegou a pedir a extinção do inferno ao papa João Paulo II. O Vaticano negou o pedido. Anteontem, os integrantes do Etcétera entregaram uma nova carta à Santa Sé, pedindo o mesmo ao conterrâneo papa Francisco. Em 2004, o então cardeal de Buenos Aires classificou de blasfema uma mostra de Ferrari - algumas peças dessa exposição estão agora na Bienal. Enquanto o papa decide se acaba ou não com o inferno, ele vai continuar funcionando no pavilhão da Bienal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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