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Tulé Peake: muito além do cenário
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
21/06/2003 | 16:55
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A narrativa estética do andreense Tulé Peake está nas entrelinhas dos cenários que cria para cinema e TV. Cada cor, textura ou objeto ajudam a contar a história. “Marcelo Durst (fotógrafo de Os Matadores), tem uma frase ótima: ‘Direção de arte é tudo o que não é ator’,” disse Peake, diretor de arte por opção e arquiteto de formação.

Sua obra-prima e marco na carreira é Cidade de Deus, o sexto de sua lista. Por qual tem mais carinho é Os Matadores: foi o primeiro em que atuou como diretor de arte. O oitavo e mais recente é Acquaria, com a dupla Sandy e Junior (leia texto nesta página), previsto para dezembro.

Peake, 46 anos, começou em cinema por acaso e por encanto. Arquiteto recém-formado com 28 anos e escritório montado, “que não estava indo muito bem”, foi convidado por uma amiga, produtora do filme Vera (1986), a integrar a produção. “O diretor de arte era o Naum Alves de Souza. Aquilo tudo me encantou. Logo, passei para a publicidade, onde se aprende muito”, afirmou.

O menino Arthur Magini Peake não estava longe de ser uma versão andreense do Totó de Cinema Paradiso. Sua família é proprietária do Cine Tangará em Santo André. Peake viu o auge da sala nos anos 60, quando pessoas vestiam gravata para ver um filme. “Quando me perguntam como entrei para o cinema, brinco que está na família... meu pai vendia ingresso e minha mãe ficava na bombonière. E que comecei dirigindo... picape carregando cenário”, disse.

Peake faz projetos para amigos, como a casa-estúdio do diretor de Cidade de Deus, Fernando Meirelles, em São Paulo, já alterada pelo próprio dono, também arquiteto. “Mas prefiro a arquitetura cênica, que permite a gente enlouquecer. Gosto de mexer em locação e de construir”, disse. Um desafio seria cenografar ópera, o que nunca fez. “Acho louca essa possibilidade cenográfica”, afirmou.

A direção de arte deveria ser percebida não só quando o filme se passa séculos atrás, segundo Peake. “O diretor de arte ajuda a contar a história com elementos que não estariam ali. Objetos em cena ajudam a postura do ator, por exemplo, uma coluna para se apoiar, uma coisa para segurar. A direção de arte não é só estética, é narrativa também”, disse.

A pesquisa de Cidade de Deus durou seis meses. “Um dos donos da favela não deixou a gente filmar lá porque achou o roteiro violento. Fizemos tudo em estúdio perto e tinha bandidos mesmo com a gente. Eu montava um mercado com ajuda de um deles, mandando empilhar latas e tal, e ele dizia ‘Se você soubesse como sou malvado’, e ria”. O único incidente foi ter um Fusca pintado como carro da polícia destruído por moleques. “O chefe falou que iria puni-los. Como era delito leve, significava pôr a mão deles em chapa quente. Pedimos que não fizesse isso, ele retrucou que teria de manter a ordem, mas o castigo foi evitado”, afirmou.

Peake reconhece seu desconhecimento do abismo entre morro e cidade. “Cidade de Deus mudou minha vida. O problema social não é tão simplista, é profundo, e o morro se impõe. Fiz vários amigos em Cidade de Deus. Andava por lá achando que era negão até um dos moradores me perguntar ‘De que país tu é?’. Foi uma ducha fria. Somos gringos lá dentro”.




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