Recordações sobre os tempos em que viveu na
cidade inspiraram compositor que faria 103 anos
O mais famoso cronista musical de São Paulo, Adoniran Barbosa, completaria 103 anos na terça-feira. Observador da vida e dos tipos da metrópole, tirava das ruas a inspiração para seus sambas. O que pouca gente sabe é que o compositor começou a desenvolver o método em bairros de Santo André nos anos 1920.
João Rubinato - nome de batismo de Adoniran - chegou do interior paulista com a família em 1924. Viveu na cidade por dez anos, fazendo bicos de toda espécie, inclusive de garçom na casa grã-fina de um ex-ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, que, na época, vivia em Santo André. Mas foi zanzando pelas ruas sem calçamento de bairros distantes, tentando vender artigos que buscava de trem, em São Paulo, que seu estilo foi se forjando. "Bolei ser mascate. Vendia meias e retalhos nas ruas, por aqueles bairros pobres. Andava o dia inteiro. Ajudava o serviço cantar um pouco. Sem querer, fui fazendo uns sambas enquanto andava. E peguei esse jeito de compor andando", declarou em entrevista na década de 1970.
Das recordações sobre esse tempo, uma, pelo menos, virou música. E não foi Trem das Onze, por mais que os anos em que viajou nos trens da São Paulo Railway, entre Santo André e a Capital, possam ter contribuído para aquela composição. Segundo Celso Campos Jr., autor de Adoniran, Uma Biografia (Editora Globo), a mais completa já escrita sobre o sambista, Adoniran costumava dizer que viveu, nesse período, experiência semelhante a do personagem de seu samba mais conhecido: "Não sou filho único, mas já morei longe com minha mãe, em Santo André, e sei o que é ter de largar a namorada para não perder o último trem".
Outro nome seminal do samba paulista, Paulo Vanzolini, que morreu em abril, relatava uma curiosa conversa com Adoniran sobre esse samba. Ele indagou Barbosa sobre o motivo de dizer, na música, que morava "em Jaçanã", em vez de "no Jaçanã", como era comum entre moradores daquele bairro. "E eu sei lá onde fica essa porcaria", respondeu Adoniran, jocosamente.
Mas a composição que nasceu no Grande ABC surgiu numa das visitas do já famoso sambista à casa do irmão Ângelo, na esquina das ruas Padre Vieira e Padre Manuel da Nóbrega, no Bairro Jardim, que hoje dá lugar a um edifício residencial. Foi ali que surgiu o samba-maxixe Tocar na Banda, que trazia no refrão uma divertida constatação sobre a situação do músico naqueles tempos: "Tocar na banda, pra ganhar o quê?/ Duas mariola e um cigarro Yolanda". Ele se referia à época em que ainda era apenas o Joanin, seu apelido desde a infância, e que, junto com Ângelo, tocava na bandinha do Germânia, clube da Vila Gilda que só realizava bailes aos domingos à tarde por não haver luz elétrica no bairro. Enquanto João ia de flautim, Ângelo atacava no prato.
A história foi revelada por Sérgio Rubinato, sobrinho, amigo, produtor, engenheiro de som e acompanhante do tio famoso em seus últimos 12 anos de vida. Adoniran morreu em 1983. Sérgio testemunhou a criação do samba em meados de 1965: "Ele fez essa música na minha casa, em Santo André, conversando com meu pai. É que o pagamento deles (na banda) era a mariola e um maço de cigarro", conta. Mariola era um doce feito de banana ou goiaba seca. Yolanda era um dos mais famosos ‘quebra-peitos' da época e trazia na embalagem a sedutora imagem de uma mulher longilínea e seminua.
Não se sabe se outras histórias vividas por Adoniran em Santo André também inspiraram sambas. Mas o fato é que as antigas ruas da cidade, ente os anos de 1920 e 1930, foram o primeiro laboratório do compositor que adorava criar observando o mundo ao redor.
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