Cultura & Lazer Titulo Santo André
Desrespeito ao
patrimônio cultural

Retirada de obra de Luiz Sacilotto do calçadão
da Oliveira Lima desconsidera projeto do artista

Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
30/07/2013 | 07:00
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Andréa Iseki/DGABC


Um espetáculo para o povo. Foi com esse pensamento que o artista plástico Luiz Sacilotto (1924-2003) concebeu o projeto do calçadão da Rua Coronel Oliveira Lima. Resgatando obras de cinco décadas da sua carreira, o andreense passou quatro meses elaborando as formas que compõem o piso do espaço, mistura das formas geométricas características do seu trabalho. A ideia era que, ao avançar dos passos dos pedestres, novas perspectivas e sensações fossem acumuladas.


O monumento que tomava o espaço no cruzamento do calçadão com a Rua Monte Casseros era a cereja do bolo. De ferro, pintada de vermelho e amarelo, a obra, em seus 360º, revelava em cada ângulo uma diferente paisagem. Retirada neste fim de semana pela Secretaria de Obras e Serviços Urbanos para a revitalização do Centro da cidade, a escultura segue com seu futuro indefinido. O Parque Prefeito Celso Daniel seria um dos lugares cogitados para abrigá-la.


A retirada pegou muita gente de surpresa. Valter Sacilotto, filho do artista e responsável pelo seu acervo, não foi consultado. “Fiquei surpreso por vários motivos. A escultura não foi colocada lá por mero capricho, ela compõe um projeto grandioso da cidade”, diz ele.


A artista plástica Paula Caetano, amiga de Sacilotto, lembra um caso em que uma mudança fez bem à obra do concretista. “Aquela escultura que ficava em frente ao Américo Brasiliense, quando mudou para o Parque Central ganhou mais visibilidade. Onde estava não tinha perspectiva nenhuma. Tem que ter respeito pela obra, consultar, justificar. O ideal seria que ela continuasse onde está, que arrumassem o piso. Se você reparar, quando está subindo a rua, vê a parte listrada; descendo, a parte chapada. De um lado, o amarelo, e do outro, o vermelho. A obra foi feita para aquela esquina. Não vejo problema em ir para o parque, caso seja pensada para o parque. Não é atrás de qualquer árvore que ela vai funcionar.”


Vice-presidente do Instituto do Patrimônio do ABC e conselheiro do Comdephaapasa (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André), Adalberto Dias, ficou sabendo da retirada pela reportagem do Diário. Consultado, ele informou que a obra não está tombada e não há nenhum tipo de requisição para tal medida, o que diminui a possibilidade de diálogo no retorno dela para seu espaço de origem. “De qualquer forma, é necessário olhar com mais carinho para o que existe e conservar, não mudar o aspecto de uma instalação que está lá há anos, já acomodada ao olhar do público”, acredita.


Secretarias não discutiram questão

Em reportagem publicada ontem no Diário, no caderno de Setecidades, o secretário de Obras e Serviços Urbanos, Paulinho Serra, contou que o projeto de mudança de local do monumento se deve ao fluxo de pessoas e passagem de veículos de grande porte, como caminhões de lixo e ambulâncias. “A obra acabava atrapalhando a passagem”, disse ele. A revitalização do calçadão comercial foi anunciada em fevereiro, com orçamento de aproximadamente R$ 300 mil.


O secretário de Cultura Raimundo Salles se revelou surpreso com a notícia da retirada da escultura: “Não sei realmente o que aconteceu. Essa iniciativa partir da Secretaria de Cultura seria uma heresia, porque obra de arte não é lixo, que é só tirar e jogar fora.”


Segundo Paulinho, o monumento ganhará destaque no Parque Prefeito Celso Daniel, que também está passando por reformulações. “Como vamos fazer o circuito das águas no Parque Prefeito Celso Daniel, a ideia é dar destaque enorme para essa obra colocando-a lá, em frente ao espelho d’água”. O secretário ainda revelou que iria procurar a família de Sacilotto para explicar os projetos que estão previstos.


Consultada sobre a questão, a Prefeitura afirmou que não vai se manifestar. Perguntas sobre o novo projeto para o calçadão – se vai manter o piso de Sacilotto ou não –, sobre o destino certo do monumento e a tomada de decisão pela retirada, que aparentemente não teve nenhum critério artístico, ficam sem resposta.


População sente falta da obra; artistas aproveitam espaço livre


No calçadão, principalmente hoje cedo, quando o fluxo de pedestres normalizou após o fim de semana, era nítido para muitas pessoas que havia algo faltando no espaço da escultura.


“Isso é um marco de Santo André. Quem tirou, tirou errado”, conta o jornaleiro Osvaldo Cruz Rodrigues, que trabalha em frente à instalação. “Vai fazer falta. Era muito bonito, gostava de olhar e pensar o que era, o que significava”, completa Quintino Valentim da Silva, também jornaleiro.


Os dois contam que a obra tem importância para todos que passam por lá. “Não tem quem não conheça. Todo mundo usa como ponto de referência”, diz Rodrigues.


Natália Costa, que aprendeu na escola sobre Sacilotto e sua obra, lamenta a retirada. “Sei o quanto é importante para a cidade. Para mim, é como tirar o Cristo Redentor do Rio de Janeiro e pôr em São Paulo”, diz a vendedora.


Dois artistas que trabalham como estátuas vivas ocupavam ontem à tarde a estrutura onde ficava o monumento. “É uma coisa legal, porque posso assumir o espaço. Está disputado, já passou muita gente de olho na vaga”, conta Diego Araújo. Ele e o companheiro de trabalho não sabiam quem era Sacilotto até um homem sentar ao lado dos dois e começar a discutir a importância da obra.


“Para mim nunca foi só um triângulo, mas algo enigmático, que você olha de cada lado vendo alguma coisa, buscando respostas diferentes”, diz o palhaço Edward Diniz, o que fez as estátuas vivas mudarem de opinião. “Acho legal colocarem o triângulo de volta”, emenda Araújo depois de saber a história do monumento.


“Agora a paisagem fica morta, menos colorida. Não acho certo tirar”, opina Regina Caetano Carvalho.

   




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