"O inferno são os outros”, vaticinou Jean Paul Sartre em 1944. No período em que a 2ª Guerra dizimava milhões de vidas humanas, o pensador francês, no texto teatral 'Entre Quatro Paredes', lançava uma questão que esmiuçava muito além da barbárie, chegava ao eu e ao outro e confrontava a razão da existência em um mundo cheio de egoísmo.
Décadas se passaram, e a pertinência da frase perdura, seja na mente de quem se debruça sobre a questão ou nos palcos, onde o texto é sempre cabível a novas encenações, caso de 'No Exit – Entre Quatro Paredes', que estreia hoje no Sesc Santo André. A montagem dirigida por Caco Ciocler fica em cartaz na unidade até o dia 4. Os atores Chris Couto, Sabrina Greve, José Geraldo Junior e Ando Camargo participam da encenação.
A história apresenta três personagens que foram mandados para o inferno. Um homem covarde e inteligente, que luta para não deixar transparecer sua fragilidade. Uma mulher que casou com um homem rico e matou o filho para continuar a viver no conforto. A última, funcionária dos correios, é homossexual e devastou a vida de um casal após conquistar a mulher. A eles se junta o Criado, espécie de funcionário do inferno, responsável por levá-los ao local, que foge muito do imaginado, é apenas uma sala, onde ao invés de expiações, eles cumprem penitência encarando um ao outro.
“Acredito que quando o Sartre escreveu a peça, existia a questão da França invadida, a questão existencialista do outro como diferente. Essa era a discussão mais urgente. Hoje em dia acho que o inferno continua sendo os outros, mas em outro lugar. Existe discurso da liberdade, da globalização, mas acho que o outro é inferno na medida em que a gente só se conhece, se forma, a partir da reação do outro. É o outro a partir das nossas questões, processo de espelhamento do que queremos ver no outro”, conta Caco Ciocler.
“A peça fala muito de espelho, eles reclamam da ausência dele no inferno. Sem a oportunidade de se enxergar nesse inferno, eles começam a nomear os outros como carrascos deles”, completa.
RESPONSABILIDADE
O cenário, feito de papelão, reproduz um ambiente simples, o mesmo da montagem original, que não contava com muitos artifícios por conta da escassez de recursos e materiais no período entre guerras. A essência, segundo o diretor, fica a cargo do trabalho dos atores. “Não tem trilha, o cenário é simples, a iluminação é geral. O espetáculo devolve ao ator, assim como Sartre queria dar ao ser humano, a liberdade, mas por outro lado cobra deles a responsabilidade, eles são os únicos responsáveis pela condução da peça.”
Responsabilidade, aliás, que não se restringe aos atores. O inferno não acaba na montagem, os atores ficam em cena, cabe ao espectador saber o momento de sair de cena. “A gente se olha no espelho, assim como para o outro, na tentativa de achar uma identificação, uma essência verdadeira, uma coisa absoluta”, acredita ele. “O grande equívoco, talvez, é tentar encontrar essa essência. Temos que entender que somos resultado de conjunto complexo de informações, referências, respostas. Sou alguns Cacos. Essa tentativa de ser um Caco só é que é a tal da neurose. Sou o que sou hoje a partir de diversos encaixadinhos. Não somos coisas fixas, temos liberdade e responsabilidade que não é fácil de carregar, somo responsáveis por tudo aquilo que vamos ter.”
No Exit – Entre Quatro Paredes – Teatro. No Sesc Santo André – Rua Tamarutaca, 302. Tel.: 4469-1200. Sexta e sábado., às 20h; domingo, às 18h. Ingr.: R$ 5 a R$ 20. Até dia 4.