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Documentário revisita Mazzaropi
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
30/12/2003 | 17:29
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O crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977) disse que o melhor dos filmes de Amácio Mazzaropi (1912-1981) era “ele mesmo”, e que Mazzaropi “teve a sorte de não ser elogiado” pela crítica de então. O pesquisador Eduardo Giffoni Flórido concorda: “os críticos malhavam, as filas do cinema dobravam quarteirões”. Até Glauber Rocha (1939-1982), um canhão de diatribes dirigidas a academicismos e alienações, admitia no livro Revisão Crítica do Cinema Brasileiro o “talento inegável” do comediante. Esse punhado de sentenças deixa manifesto que consumidor e juiz, no caso mazzaropiano, concentram-se numa figura única: o público, ou melhor, o grande público.

Evidências disso povoam o documentário Mazzaropi – O Cineasta das Platéias, a cereja que cinge o recém-lançado volume seis da Coleção Mazzaropi, pela Cinemagia. É uma caixa com quatro DVDs, que também traz os longas-metragens O Jeca Macumbeiro (1974), Jeca contra o Capeta (1975) e Jecão... um Fofoqueiro no Céu (1976).

Dirigido em 2002 por Luís Otávio de Santi, O Cineasta das Platéias arruma Mazzaropi em seu devido lugar. Refaz seu referencial pantomímico e resgata amostras de seu sucesso popular; reencontra o início de carreira, com números circenses encenados para um público munido de guarda-chuvas em um pavilhão a céu aberto; e busca seu espólio, no museu com 6 mil peças hoje erguido em Taubaté (SP).

O Cineasta das Platéias é um documentário de exageros como o do apresentador Carlos Massa, o Ratinho, que considera Mazza um crítico social ímpar, mesmo que seus filmes tratem en passant de temas como o processo eleitoral ou desigualdades sociais.

Mas é também um documentário de análises como a que julga o matuto de Taubaté uma espécie de bom antropófago, na tradição modernista de devorar informações de inúmeras fontes e rearranjá-las.

Entre ufanos e analistas, resta a conclusão do teórico Jean-Claude Bernardet de que o cinema popular, aquele em que militou Mazzaropi, não pode se perder.

Pendurados no lustre – É também de Bernardet a reflexão de que filme de Mazzaropi abarrotava de gente os cinemas porque seus espectadores viam-se nele refletidos, pois eram em grande parte pessoas que deixaram o campo rumo à capital. Platéia e astro comungavam no caipirismo e no culto ao primitivismo do matuto.

Na tela, um malandro que se fingia de tolo, derivado de Chaplin e de Nhô Anastácio e Genésio Arruda, os arlequins precursores do cinema nacional. Deu corda para o João Grilo de O Auto da Compadecida (peça de Ariano Suassuna) e para outros como Taoca, papel de Wagner Moura em Deus É Brasileiro (de Carlos Diegues).

Os filmes deste volume seis – O Jeca Macumbeiro, Jeca contra o Capeta e Jecão... um Fofoqueiro no Céu – têm algo em comum além da co-direção de Mazzaropi e do italiano Pio Zamuner: tratam, os três, da perpétua capenga financeira e da interpelação da tradição católica na obra do Jeca Tatu. Produzidos nos anos 70, rivalizaram com pornochanchadas e com a nova política do explosivo entretenimento visual de Spielberg e Lucas.

Mazzaropi, já com duas décadas de estrada, nem por isso foi vítima de desinteresse da platéia. Jeca contra o Capeta foi visto por 3.408.814 pessoas, segundo dados da Embrafilme, fonte que também garante a Um Fofoqueiro no Céu 3.296.384 espectadores, 113 a mais que o gringo 007 – O Espião que me Amava, lançado à mesma época. É fato que nada abalou a relação entre platéia e Mazzaropi, em tempo algum. Quando das estréias de qualquer filme seu, sempre realizadas em 25 de janeiro (aniversário de São Paulo) ou 7 de setembro (Dia da Independência), a lotação estava garantida. Eram assistidas até por gente “pendurada no lustre”, segundo atesta um dos depoimentos de O Cineasta das Platéias.




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