A fixação em saudar o passado arquitetônico e social de uma cidade para provar que nada é mais como antes é um aspecto notável no artista plástico Armando Sérgio Marotti, 71 anos. Mas em vez de simplesmente descrever – a quatro filhos, sete netos e um bisneto – a São Bernardo de outros carnavais, Marotti apontou o lápis e resolveu transportar para o desenho a cidade implantada na memória, sua e de seus pares de geração. É desse exercício que nasceu Memórias de São Bernardo II, exposição que terá abertura para convidados na Câmara de Cultura Antonino Assumpção, na região central de São Bernardo, nesta quinta-feira à noite. A visitação para o público tem início nesta sexta-feira, com entrada franca.
A presente exposição é seqüência da primeira Memórias de São Bernardo, exibida no ano passado. Composta por 17 desenhos que reconstituem a cidade dos anos 40 e 50, a mostra, por coincidência, se hospeda na mesma via em que Marotti nasceu. Numa cidade então carente de hospitais, o desenhista veio à luz na rua Marechal Deodoro, sob a supervisão de sua avó, parteira das mais requisitadas à época.
O artista conta que a avó não era só parteira. Também furava as orelhas para brincos, benzia e tirava quebranto: “Fazia de tudo. Minha casa parecia um microhospital, porque São Bernardo não tinha médicos e muita gente ia para lá, esperar pelos médicos que chegavam de Santo André”. Uma outra razão, talvez não tão nobre, também forrava de hóspedes o endereço dos Marotti. “Minha casa tinha uma privadinha, bem sem-vergonha, mas que funcionava”, alude o desenhista ao fato de que, há 60 anos, banheiro público era coisa rara no município.
Tudo isso, aparentemente mera digressão, é fator determinante para o processo de reconstituição urbanística. Em virtude de sua casa viver superpovoada, o Marotti menino conheceu uma miríade de personagens que então moravam ou circulavam pelo Centro de São Bernardo. E é por meio dessas pessoas, de seus nomes e sobrenomes, que os traços se guiam. “Primeiro eu lembro das pessoas para então lembrar onde elas moravam, e aí fazer brotar da memória alguns detalhes e a localização de suas casas”.
Em Memórias de São Bernardo II predominam vistas panorâmicas e aéreas, com as ruas e avenidas, como a Marechal, a Santa Filomena e a Rio Branco, apontando para o horizonte ainda verde. Telhados e copas de árvores também se insinuam entre os quarteirões, recriados a partir de uma viagem da imaginação de Marotti “a 100 metros de altura”, que comportam antigos pontos de referência: o Bar do Maurício, o Açougue Modelo e a Padaria Royal.
Outros pontos curiosos preenchem a cartografia de reminiscências. Por exemplo, o pelourinho de São Bernardo, localizado diante da praça Lauro Gomes e próximo “ao armazém do Alvinho Madeira e ao botequim do Alberto Lopes”; seu tronco, na década de 40, era usado para atar cavalos e animais de carga.
Aposentado, com formação em Direito, Marotti já foi fiscal de obras da Prefeitura e alfaiate. No exercício desta última ocupação, vestiu ilustres como Yolanda Penteado Matarazzo e confeccionou a boina de estimação que o acompanha há 15 anos. Em seu testemunho, a paixão por São Bernardo é indisfarçável, mesmo que hoje em dia queixe-se de conhecer “apenas uma pessoa em cada mil” que encontra na rua: “Antes, a cidade era como uma grande família. Hoje, nós entregamos São Bernardo para o Brasil”.
Memórias de São Bernardo II – Exposição de 17 desenhos de Armando Sérgio Marotti. Abertura nesta quinta-feira, às 19h. Visitação (a partir de sexta-feira) de terça a sexta, das 10h às 21h; sábado, das 9h às 17h. Na Câmara de Cultura Antonino Assumpção – r. Marechal Deodoro, 1.325, São Bernardo. Tel.: 4125-0054. Entrada franca. Até dia 31.Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.