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Visão de mercado

Essa expressão, utilizada por profissionais do marketing, estudiosos da área de negócios, e até por leigos, é, chutando baixo, desafiadora

Carlos Ferrari
24/10/2012 | 00:00
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Essa expressão, utilizada por profissionais do marketing, estudiosos da área de negócios, e até por leigos, é, chutando baixo, desafiadora. Digo isso não pensando nos aspectos eminentemente técnicos e conceituais que permeiam o assunto, mas na revolução social que vivemos nas últimas décadas, que dentre tantas provocações, nos convida a pensar: o que é esse tal ‘mercado'?

Alguns ainda insistem em enxergá-lo como algo soberano: aquele que resolve todos os problemas com base na relação de ofertas e demandas, provocando assim maior concorrência, produtividade, padrões de qualidade e possibilidades de escolha. Já vimos que esse olhar está meio desfocado, não é? Sabemos que o mercado, se não estiver bem regulado, pode ser excludente, ou pior, por vezes provocar uma inclusão perversa, fazendo com que as pessoas consumam, não para melhorarem suas vidas, mas sim para se sentirem parte de um ‘pseudomundo' de capazes para o ato de comprar.

‘Nas arquibancadas opostas' tem a turma que vê no mercado o grande monstro da humanidade. É até uma turma de bom gosto, e, acreditem, de grande potencial de consumo. O discurso, no entanto, é aquele de sempre. ‘Se choveu é culpa do mercado'. ‘Venderam carros demais, poluíram o planeta, desregularam o ecossistema, e é por isso que veio a chuva'.

Mas se fez sol também dizem que o mercado vai se aproveitar disso, ‘fizeram promoções de pacotes turísticos, se valeram do sonho das pessoas, estimulando o consumo de roupas da época, organizaram baladas com músicas chiclete e ainda venderam bebidas e comidas totalmente carregadas de colesterol'.

Já deu para perceber que estou brincando um pouco com as duas turmas herdeiras dos discursos enfadonhos sobreviventes da Guerra Fria. Sei que os dois lados por vezes têm razão, mas proponho que, no momento, a conversa possa ser outra.

Esses dias, em meio a alguns chopes e um bom bate-papo depois de um dia de trabalho, chegou perto da mesa um cara fazendo barulho, com um monte de brinquedinhos bem provavelmente from China, tentando de alguma forma atrair nossa atenção enquanto consumidores. De imediato, lancei mão de uma velha técnica, que sempre me utilizei para encerrar o assunto e voltar a petiscar. ‘Não, campeão, obrigado, eu não enxergo'. Dizer isso, em 90% das vezes espanta qualquer vendedor. Isso porque o pequeno ambulante repete a lógica do mercado, que muitas vezes não enxerga milhões de consumidores, apenas porque têm alguma deficiência, por conta da cor de sua pele, ou até mesmo pela condição sexual.

A música da novela O Rei do Gado, de 1996, mostra como isso é forte na nossa cultura, quando conta o caso de um viajante que foi destratado e mal atendido em uma venda, após pedir uma pinga. Tudo porque estava presente no local alguém aparentemente com bem mais dinheiro. Era então o ‘rei do café'. O homem malvestido não se abateu, disse quem era, pagou a pinga com um valor infinitamente maior e deixou o troco ir embora com olhar superior.

Daria para fazermos milhões de análises em torno da mensagem dessa música, ou mesmo em relação à minha técnica de autodestruição enquanto consumidor, diante das vendas de ambulantes em meio ao happy hour! Mas quero lhes dizer que o que me chamou a atenção foi uma visão diferente. O vendedor simpático disse: ‘Você não enxerga, mas estou vendo que é casado, deve ter filhos, quer passar a mão e ver como funcionam os brinquedos que estou lhe oferecendo?' Me senti respeitado enquanto consumidor e cidadão. Isso havia acontecido apenas uma vez, em um bar de subúrbio no Rio de Janeiro. Na época, pensei em escrever sobre o assunto, mas acabou ‘passando batido'. Dessa vez foi diferente, comprei para minha filha uma florzinha vermelha que canta e dança quando se bate palmas. Porém, para além disso, trouxe para esse espaço uma provocação sobre visão de mercado.

Convido você, lojista, feirante, empresária, cabeleireiro, enfim, você que tem um negócio. Já parou para refletir em quantos momentos o preconceito tem lhe impedido de inovar e de vender? Quantos futuros clientes foram desperdiçados, por um olhar carregado de velhas ideias?

Passou da hora de se trocar as lentes para que se possa ver um mercado diferente. Substitua o preconceito pelo respeito à diferença, o desprezo gratuito pela crença no potencial do outro. Melhorando a visão, com certeza você enxergará muito mais clientes.




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