O espanhol José Júlio Diaz Cabricano assumiu em dezembro de 2023 o desafio de comandar a ACIGABC (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC). A entidade reúne 140 associados que respondem por aproximadamente 65% dos negócios na região. Em meio à desaceleração do mercado, a construção civil tem duas grandes adversidades: a falta de mão de obra nos canteiros, onde os salários chegam a R$ 9.000 por mês para cargos de carpinteiro e pedreiro, e as normas do Corpo de Bombeiros para a instalação de carregadores de carros elétricos em condomínios, o que, segundo ele, inviabiliza a implantação.
Nome: José Júlio Diaz Cabricano
Estado civil: Casado
Idade: 64 anos
Local de nascimento: La Felgueira (Espanha)
Formação: Engenharia Civil
Time do coração: Santos F.C.
Local predileto: Praia
Livro que recomenda: O Nome da Rosa – Humberto Eco
Artista que marcou sua vida: Maria Bethânia
Profissão e onde trabalha: Fundador da Suporte Construtora
Qual o panorama do mercado imobiliário na região?
O momento, de uma forma geral, não está na mesma intensidade de anos anteriores, mas, em 2023, teve um ritmo muito interessante. No Grande ABC, especificamente, temos uma diferença entre as cidades. Nos últimos anos, Santo André aumentou bastante o número de lançamentos. Isso muito em razão do perfil de administração da cidade, da maneira como o município recebe o empresário. Possui uma lei de zoneamento que autoriza potenciais construtivos maiores. Mas na comparação entre o ano passado e 2022, a cidade diminuiu o número de lançamentos (de 1.800 unidades para 1.200, de acordo com dados do Secovi).
E nas demais cidades?
São Bernardo, que está para aprovar um novo Plano Diretor, está há oito anos travada. Lá, na maior parte das áreas, você tem mais restrições. Então, nos últimos anos só se lançou empreendimentos com aprovações antigas. E São Caetano é uma cidade com umas características próprias, com 160 mil habitantes. A gente sente que São Caetano não quer realmente ter um ritmo de crescimento maior.
Em quais áreas dessas cidades você vê espaço para desenvolvimento habitacional?
Em São Bernardo, uma dessas áreas está na Avenida Kennedy, onde hoje é a Secretaria de Finanças. No novo Plano Diretor a Avenida Prestes Maia está como um eixo, o potencial foi melhorado. Você ainda tem série de terrenos interessantes que poderiam ser liberados com potencial melhor em ruas centrais de São Bernardo, como Rua Municipal, Rua Silva Jardim.
E em Santo André e São Caetano?
Em Santo André foi desenvolvido trabalho de incentivo para a Avenida Industrial. Eixo muito degradado, mas numa localização maravilhosa. E São Caetano tem algumas áreas, como na região da Cerâmica e da Guido Aliberti com a Goiás, mas a gente não sente interesse da cidade em liberar esse crescimento.
Qual é o déficit habitacional na região?
Santo André deve ter um déficit de umas 30, 35 mil unidades. São Bernardo chega a 70 mil. E em São Caetano já ouvi que não tem déficit habitacional.
Como está a oferta de produtos?
De uma forma geral, a gente vê lançamentos sendo realizados em número menor do que em 2022 – foram 2.368 unidades em 2023 em Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá, contra 3.194 do período anterior – com uma velocidade de vendas um pouco menor. Mas tem duas coisas interessantes. Uma, que a gente observa nas pesquisas, é que o estoque diminuiu. A segunda é que, como o estoque diminuiu e o número de lançamentos também, o valor da unidade ficou interessante. Houve uma valorização de 10% a 15% nos últimos dois, três anos.
Qual o valor médio do metro quadrado em São Bernardo, Santo André e São Caetano?
Claro, depende muito do bairro. Em Santo André, vai de R$ 9.000 até R$ 10,5 mil em média. Já um alto padrão no bairro Jardim, por exemplo, chega a R$ 13 mil o metro. Em São Caetano tem região com R$ 10 mil o metro, alcançando até R$ 13,5 mil. Em São Bernardo há uma boa gama de R$ 9.000 o metro, mas há lugares com possibilidades de R$ 10,5 mil.
Quantos lançamentos residenciais estão previstos em 2024?
Não tenho esse número fechado. Imagino que São Caetano, em termos de unidades, deverá ter 600, 700. Acho que, em São Bernardo, passa um pouco de 1.000. Em Santo André também deve superar as 1.000.
O senhor falou em queda nas vendas (foram comercializadas 4.891 unidades em 2023, contra 6.259 de 2022) e, também, em queda nos lançamentos. Mas, simultaneamente, tem ocorrido a redução da Selic, com previsão de chegar a 9% em dezembro (está em 10,75% ao ano). Como explicar isso, já que, teoricamente, a queda deveria favorecer uma baixa nos juros e o consequente aumento dos financiamentos?
A nossa expectativa e a de instituições financeiras era mesmo essa. Porém, percebe-se que nesse último mês o Banco Central já sinalizou que não vai mais dar 0,5% de redução (da Selic). O juro continuou alto fora do País. O dólar subiu a R$ 5,20. Isso, obviamente, impacta. No segmento popular, a gente vê que principalmente o programa Minha Casa Minha Vida está potencializado. Nos outros segmentos a coisa está um pouco mais difícil. Acho que vai demorar um pouco para diminuir essa taxa. E o juro não vai cair na medida que a gente achava. Isso, por si só, prejudica, porque com 1% de diminuição na taxa de juros estamos falando em 1 milhão de unidades que você consegue financiar, o que não era possível antes. Então, o impacto é grande.
Está otimista?
Otimista? Acho que a gente nasceu otimista. Senão não estava neste setor. Mas temos um problema sério, que são os preços de mão de obra por causa da escassez de funcionários.
Como assim?
De uma forma geral, em todos os segmentos têm falta de mão de obra. No nosso especificamente, o que acontece? Percebemos que o jovem não quer mais trabalhar na construção civil, está migrando para outros ramos. Estamos fazendo um trabalho no sentido de tentar mostrar para a sociedade que vale a pena trabalhar no nosso setor. Porque a condição de trabalho está legal e a rentabilidade da pessoa também, diferentemente do que acontece em outras áreas. Mas tem que trabalhar. É preciso mudar essa mentalidade, fazer com que o jovem entenda que no nosso segmento ele vai ganhar mais.
O quanto mais?
Um oficial hoje numa obra, seja ele carpinteiro ou pedreiro, é um jogador de futebol em destaque. Todo mundo quer o cara. Só para você ter uma noção: esse cara, hoje, vai ganhar, por mês, de R$ 8.000 a R$ 9.000 na obra. E, de repente, a pessoa que poderia estar nesse lugar está trabalhando em outra coisa. Tipo, para entregar coisas no iFood, ou trabalhar como auxiliar administrativo em um escritório para ganhar R$ 1.500 ou R$ 1.800 por mês. Ela não percebeu isso ainda. E nós não estamos sabendo mostrar isso. Então, esse trabalho que nós queremos trazer é de recondução das pessoas ao nosso segmento. Por meio de melhor informação do que ele pode fazer, do que ele pode conquistar. Estamos lançando um projeto que se chama Renova a Mão de Obra Civil. Que é justamente isso. Para a gente incentivar a recolocação das pessoas no nosso segmento.
Qual a idade média dos colaboradores do setor? E o déficit é de mais ou menos quantos funcionários?
A média de idade do colaborador na obra tem subido muito. É superior a 40 anos. Isso demonstra o quanto nós não estamos conseguindo renovar a mão de obra. Já o déficit é gigante. Uma obra que deveria ter 200 pessoas qualificadas trabalhando, hoje tem 100. E tem 30 que não estão suprindo o papel. Temos 30%, 35% de déficit em qualquer obra.
O senhor falou da questão dos juros, da mão de obra. Existem outras adversidades?
O preço dos materiais. Tivemos um reajuste significativo (de 10% a 12%) na área das cimenteiras. Se você pegar a inflação de 3,5%, você aumentar 10% a 12% é uma reposição muito grande. E num item que é representativo em nossa cadeia.
E a questão da instalação de estações de carregamento para carros elétricos nos condomínios. Como está o processo?
É uma situação grave. Há quatro anos, as indústrias automobilísticas começaram a focar muito forte no segmento de carros elétricos. O mercado imobiliário entendendo que essa demanda estava crescendo começou a ofertar, há quatro anos, um ponto, dois pontos de carregamento nos empreendimentos. Mais recentemente, a procura foi tão alta que algumas empresas começaram a ofertar pontos para todos os apartamentos. Agora, o Bombeiro do Estado de São Paulo desenvolveu um trabalho extremamente restritivo quanto à proteção do local para o carro elétrico ser carregado. Já existiram casos de incêndio causados pela bateria de lítio quando o veículo estava sendo carregado. Esse incêndio é terrível, porque a temperatura do fogo em um automóvel a combustão chega a 500 graus. Já o de bateria de lítio atinge1.200 graus, acaba com a estrutura do prédio. Difícil de apagar e tem que exaurir a fumaça que é tóxica.
E agora?
O Corpo de Bombeiros convidou a sociedade e deu 30 dias para que novas discussões se apresentem. Nós conseguimos 90 dias de prazo para estudar isso e passar a nossa posição a respeito. Mas isso é muito ruim, porque vai inviabilizar carregar carro elétrico nas garagens. E o que é pior? Essa nova lei vai fazer o quê? Com que tenha que ser tratada uma retroatividade, ou seja, vão querer que quem já entregou empreendimento com ponto de carregamento ou que estava no projeto ponto de carregamento a ser entregue. que agora esse projeto seja dado entrada numa comissão para poder estudar como fazer para minimizar o risco. Então você imagina uma normativa retroativa.
Como resolver a questão diante de um cenário crescente na venda de carros eletrificados?
Vamos ver da seguinte forma. Cada um vê a coisa do seu prisma. Então a minha pergunta é a seguinte: o fabricante de automóvel coloca milhões de automóveis elétricos na rua. Esse carro quando vai abastecer no prédio pega fogo. Aí começa esse negócio de quem é a responsabilidade? Por que o fabricante não tem responsabilidade sobre isso e nós temos que corrigir uma posição dentro do prédio para poder abastecer. Agora, o resumo da ópera é o seguinte: do jeito que foi apresentado, ninguém mais vai colocar carregamento de carro elétrico na garagem. O custo para isso é muito alto.
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