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Acordo com aplicativos de transporte vai sair, diz Marinho

Ministro do Trabalho afirma que nesta semana tem reunião derradeira para avanço de regulação da jornada de trabalho de aplicativos

Por Raphael Rocha
20/11/2023 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


Ex-prefeito de São Bernardo e ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT) diz estar otimista para um acordo de regulação de trabalho com empresas de aplicativo de transporte de passageiros, como Uber e 99. O petista diz que a base de um projeto de lei que regulamente a atuação dessas companhias está próximo e restando os últimos detalhes a serem acertados – reuniões nesta semana devem selar a discussão. Por outro lado, Marinho admite que as conversas com aplicativos de motoboy, como Ifood, não avançam. Em entrevista exclusiva ao Diário, o petista fala do cenário eleitoral no Grande ABC e crê em vitórias do partido em São Bernardo, Diadema e Mauá.

Qual panorama de Brasília após quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PL)? É possível traçar paralelos com a herança de governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 2023?

Foram quatro anos de governo de trevas e três anos de governo golpista (Marinho assim se refere à gestão de Michel Temer, MDB). Então são sete anos de estrada de uma situação trágica porque o governo Bolsonaro desorganizou a economia, torrou uma grana danada para tentar comprar eleição e mudar de disco e deixou tudo totalmente desorganizado. Apesar das dificuldades que se tem com o Parlamento, se não fosse a compreensão do Parlamento em aprovar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, a economia do Brasil estava totalmente paralisada porque o orçamento deixado por esses senhores era uma situação de catástrofe. A PEC da Transição salvou muitas relações e deu possibilidade de começar a organizar a transição da economia, partindo de um cenário de desmonte completo. Em 2003, havia problemas sociais, faltava reserva cambial, uma balança financeira deficitária, alto índice de desemprego, fome, miséria. Mas não tinha uma máquina tão bagunçada. Veja pelo meu ministério, ele foi extinto e tivemos de reconstruir tudo do zero. Não é fácil você botar as engrenagens para funcionar de uma hora para a outra, sobretudo em um cenário de destruição física que se viu no dia 8 de janeiro com a tentativa de golpe.

E qual o saldo deste primeiro ano de gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Muito se fala que expectativas têm sido frustradas...

Eu fiz o preâmbulo de como pegamos a situação porque isso é preciso ser feito para analisar essa questão. Se você considerar essa situação e ver a fase em que estamos, com várias proposituras aprovadas no Parlamento, apesar das dificuldades, que não foram poucas, acho que o presidente Lula conseguiu empreender nesses 11 meses de governo um ritmo muito bom. Veja, o saldo na relação do trabalho é de 1,6 milhão de novos empregos, considerando janeiro a setembro. E temos um cenário de otimismo quando olhamos para frente, sobretudo com a consolidação da Reforma Tributária. Temos uma organização do funcionamento da nossa economia e, a partir da reforma aprovada, podemos avançar em apostas de alternativas de transição energética, por exemplo. Reorganizamos a bagunça que o governo anterior deixou no comércio exterior. Estamos auxiliando os municípios, que foram muito penalizados na bagunça fiscal que ele fez com isenções tributárias desmedidas para os combustíveis – a conta tem sido paga pelos municípios e o presidente Lula tem dedicado tempo para resolver isso. Esse cidadão (Bolsonaro) tentou vender patrimônio, buscando fatiar a Petrobras, vendendo subsidiárias. Veja como está a Argentina depois que vendeu sua estatal petroleira. O Estado tem de ser forte, só assim há possibilidade real de transformação da vida do cidadão. Estamos trabalhando para que o Estado volte a ser indutor de investimentos. O cenário para frente é de otimismo porque vamos voltar a investir, vamos garantir a recuperação do salário mínimo, corrigir as distorções da tabela do imposto de renda.

Talvez seu ministério tenha testemunhado as maiores transformações com as mudanças nas relações de trabalho e com a consolidação de empresas como Uber, 99 e Ifood, que adotam outro regime de contratação. Suas declarações iniciais causaram bastante atrito com essas empresas. Como estruturar uma política com essa transformação?

De tempos em tempos as transformações acontecem. Nada na vida é estático. O que é preciso é preservar a qualidade e as relações de trabalho. O governo deixou implementar a selvageria do capital. Capital entrou arrebentando, determinando regras. Isso não pode. Tem de ter proteção social. Os trabalhadores não tinham direito nenhum assegurado e o governo ficou assistindo. Muita gente, incluindo parte do Judiciário, assistiu e achou normal. Não pode achar normal que um trabalhador tenha que atuar por 18 horas por dia para levar o mínimo de sustento para a casa. Isso é trabalho análogo à escravidão. É o que o ministro do Trabalho acha. As conversas foram tumultuadas no começo e depois se assentou. Estamos acertando. Do ponto de vista do transporte de pessoas, tem avanço e está se acertando. O mundo jurídico das empresas quer fazer valer a regra do governo anterior. Pode esquecer. As empresas têm até semana que vem para consolidar. As bases estão acertadas. Só faltam colocar os pontos e as vírgulas. Eles escrevem as bases dos acordos, mandam para os advogados e tudo recua. Na terça-feira, vamos sentar todos, empresas e advogados. Se fechar, vamos transformar em projeto de lei, apresentar para o presidente Lula e mandar para o Congresso. Para as empresas de motoboys, não tem acordo. Eles dizem que o modelo não se adequa ao escopo de negócios. Qual é o escopo que eles querem? Superexploração? Falam que pode impactar em custos. Mas aí a sociedade tem de refletir. Estou numa noite chuvosa, assistindo a alguma série na Netflix e quero comer uma pizza quentinha. Aciono o aplicativo. Será que dentro do meu conforto, eu não me preocupo qual a condição que esse trabalhador vem trazer minha refeição? Se tem remuneração respeitosa, alimenta seus filhos? Esse é o debate. Todo trabalho precisa ser bem remunerado.

Mas o sr. acredita que pode haver ruptura com algumas dessas empresas? O empresário dizer que quer ir embora?

Não acontece. Quando houve a história da Uber, alguns colegas de imprensa vieram me falar que a Uber não poderia gostar. Como assim? Problema dela se não gostar. Se ela quiser ir embora, outra empresa vai ocupar o lugar dela. Dirigentes da Uber me falam que o Brasil é o primeiro mercado da empresa. Quem vai abrir mão disso? Parte da mídia brasileira inventou uma fantasia. Se quiser sair, vai dar espaço para outro. O mercado vai continuar. O capital é inteligente, não é burro.

Qual a perspectiva para o PT na eleição do ano que vem? Aqui no Grande ABC, são duas das cinco prefeituras petistas no Estado...

Creio que a esquerda crescerá. Temos agora o advento das federações. Aqui em Santo André, tem mais uma candidatura colocada da federação (José Roberto Murisset, PCdoB), mas tenho confiança que a nossa companheira Bete Siraque (PT) será candidata. Não existe eleição fácil. É disputada e tem de respeitar os adversários na disputa. Entrar no jogo com a convicção de que pode ganhar. Ninguém vai para uma eleição achando que vai perder. Acredito que o PT e os parceiros crescerão nesta disputa de 2024. Tem a candidatura do (deputado federal Guilherme) Boulos (Psol) em São Paulo, será nosso candidato em São Paulo. Grande liderança metropolitana. O presidente Kiko (Celeguim, deputado federal), que me substituiu na presidência estadual do PT está imbuído nisso, de compor com partidos. É busca de construção de frentes amplas para disputar. Temos Luiz Fernando (Teixeira, deputado estadual) em São Bernardo, Marcelo (Oliveira, prefeito) em Mauá, Filippi (José de Filippi Júnior, prefeito de Diadema). Ainda não sabemos o que fazer em São Caetano e Ribeirão Pires. Em Rio Grande da Serra a tendência é apoiar a reeleição da Penha (Fumagalli, PSD).

Como o PT vai lidar com relação às prefeituras do Grande ABC administradas pelo partido, Diadema e Mauá? Aparentemente a situação do Filippi é menos complexa do que a do Marcelo, que tem um rival importante, como o deputado estadual Atila Jacomussi (SD)...

Marcelo também saiu atrás na eleição passada, foi para o segundo turno só com 600 votos a mais do que o terceiro colocado (Juiz João, PSD) e venceu o Atila, que tinha saído bem na frente. A militância petista nessas duas cidades é muito forte, guerreira, determinada. Isso em campanha faz grande diferença. Fez diferença em vários momentos em Diadema. Vencemos eleições acirradas em Diadema graças à militância. Filippi é liderança consolidadíssima em Diadema. Até quem não gosta respeita e sabe da lista de serviços prestados para Diadema. É uma eleição bastante encaminhada. E aposto na eleição do Marcelo. Não sei se o adversário (Atila) conseguirá ser candidato, tem problemas correlatos às más condutas em sua administração, pode ser que seja enquadrado na Lei da Ficha Limpa e não consiga ser candidato. Eu tenho certeza que o Marcelo tem toda condição de ser reconduzido para reeleição. Tem de continuar trabalhando, tem muito a fazer. Ele tem muita obra na cidade, que causa certo transtorno inicial, mas, à medida que são entregues, resolvesse o problema. Não tem como fazer gemada ou omelete sem quebrar os ovos. O Marcelo dará esse upgrade. Vamos crescer número de vereadores também, é importante dizer.

Trazendo a discussão para São Bernardo, muito se falou que se o PT quisesse de fato ganhar a eleição na cidade apostava no Marinho e não no Luiz Fernando. São Bernardo é prioridade para o PT?

Claro que é prioridade. O próprio Luiz Fernando falava que eu era o candidato mais forte. São Bernardo é a cidade do meu coração. Em 2008 saí candidato com o presidente Lula pedindo para eu ficar no governo, porque eu tinha convicção de que poderia ganhar a eleição, como ganhamos. E me dediquei durante oito anos para planejar a cidade para o futuro. Meu sucessor vai terminar todo o planejamento que deixei. Em todas as obras de impacto da cidade são todas do meu planejamento, não tem nada do governo dele. Nada estruturante vem dele. Todas elas vieram, 100%, da minha cabeça e da minha equipe. É um orgulho ver que deixei legado. Desde o começo eu disse que, quando o presidente Lula me convocou para o Ministério do Trabalho, não seria candidato. Tenho foco, que é reconstruir o Brasil. Tenho convicção de que é possível ganhar. Eu deixei o ministério (da Previdência) em 4 de junho de 2008 com 3% de intenções de voto. Planejamos, disputamos e ganhamos. Eu brinco com o Luiz porque ele está melhor do que eu em um tempo antes do que eu tinha. A disputa não será fácil, mas tem disputa.

RAIO X

Nome: Luiz Marinho

Estado civil: casado 

Idade: 64 anos

Local de nascimento: Cosmorama (SP)

Formação: Bacharel em Direito 

Hobby: cuidar da minha horta e das orquídeas 

Local predileto: Santa Fé do Sul

Livro que recomenda: Cartas da Prisão, de Nelson Mandela 

Personalidade que marcou sua vida: minha mãe, Maximina 

Profissão: pintor de veículos aposentado 

Onde trabalha: Ministério do Trabalho e Emprego




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