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Viatura espirra água em estudante; ele reclama e é baleado por policial
Artur Rodrigues
Do Diário do Grande ABC
20/10/2005 | 08:26
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A caminho da escola, de caderno na mão, o operador de máquinas Jefferson Ribeiro, 24 anos, foi baleado na noite de terça-feira por um policial militar, no Condomínio Maracanã, em Santo André. Tudo porque teria reclamado após ser molhado por uma viatura que passou sobre uma poça d’água. Jefferson é o segundo jovem baleado à toa pela PM neste mês. Sábado, em São Bernardo, um sargento da PM atirou em um manobrista após confundi-lo com um assaltante.

"Íamos para a escola, onde fazemos supletivos. Aí passou a viatura jogando água na gente. Ele não chegou a reclamar, apenas fez um gesto (ergueu um dos braços), como todo mundo que é molhado por um carro em uma situação dessas", conta o pai de Jefferson, Antônio Domingues Ribeiro, 50. Ambos fazem o supletivo do ensino médio na Escola Estadual Nelson Professor Nelson Pizzotti Mendes. O carro da PM, então, teria voltado. Jefferson foi atingido próximo ao coração. Até a noite de quarta-feira, estava consciente, à espera de cirurgia no Centro-Hospitalar Municipal de Santo André. O projétil ainda não havia sido retirado e seu quadro era estável.

Dentro da viatura de onde saiu a bala que atingiu o ombro de Jefferson, estavam o cabo Luiz Carlos da Silva, suposto autor do tiro, e o soldado Dirceu Viel Júnior. Segundo o pai da vítima, muitas pessoas presenciaram o caso. "E não deu tempo nem para se esconder. Depois que ele (o PM) viu a besteira que fez, veio socorrer meu filho. Ele queria que eu os acompanhasse. Mas preferi não entrar no carro", relata o desempregado, fazendo menção ao medo que sentiu de que ele e o filho fossem executados pelos policiais. "Como eu fiquei, era uma testemunha que poderia garantir a vida do meu filho." Antônio passou a noite no 1ºDP de Santo André. Outros familiares estavam no hospital até a tarde de quarta-feira, esperando para ver o parente ferido.

Ambos os policiais que participaram do caso foram afastados. Trabalharão no setor administrativo da polícia até que o caso seja apurado. A alegação dos PMs envolvidos é que Jefferson teria colocado a mão na cintura, dando a entender que estava armado. "Testemunhas serão ouvidas e o caso será julgado na Justiça da Militar", garante o major José de Quesada Farina, do comando do CPA/M-6 (Comando de Policiamento Metropolitano por Área 6). Segundo o major, não há nada que desabone o histórico dos dois PMs.

Para o irmão mais novo do baleado, Jailson Ribeiro, 22, o erro de terça-feira é suficiente para tirar os PMs da rua para sempre. "Isso não pode ficar assim. Não é possível que fique barato. Atiram num cara que não estava fazendo nada", protesta.

Alvos – Como Jefferson, o manobrista Adonias Gonçalves de Oliveira, 21, também foi baleado por um PM. Quarta-feira, recebeu alta, com uma bala alojada no abdômen. "Pensei que ia morrer", relembra. No caso do manobrista, a bala o encontrou em pleno horário de serviço, na madrugada de sábado. De folga estava o 3º sargento Antônio Carlos Roque, aparentemente embriagado, que alegou à polícia ter atirado em Adonias porque o confundiu com um assaltante. Até terça-feira, o sargento permanecia na ativa, na capital.

Fora as balas da PM que os atingiram, Adonias e Jefferson têm em comum o fato de ambos serem descendentes de negros, de famílias de baixa renda e moradores da periferia. "Não há dúvida que a violência policial tem raça, cor e classe social. Policial truculento visa jovens, pobres e negros", afirma a pesquisadora do Instituto Sou da Paz, Mariana Montoro Jens. "Quero ressaltar também que há policiais bons e que esses protegem a sociedade. Por isso é tão importante denunciar os maus policiais", afirma Mariana.

O coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, acredita que a impunidade dentro da polícia cria o ambiente propício para a proliferação da violência. Uma das práticas freqüentes é a criação do "kit legítima defesa", aponta o advogado. "Eles montam farsas que são desmascaradas em apenas 1% dos casos", afirma.

Lesão corporal – Apesar do fato de os policiais terem usado armas de fogo, as ocorrências que vitimaram Adonias e Jefferson foram registradas como lesões corporais. "Quem atira em uma pessoa, ainda mais sendo agente da lei, sem estar em legítima defesa, quer matar. Portanto, esses casos teriam que ser registrados como tentativa de homicídio", defende Alves.

O delegado titular do 1º DP de São Bernardo, Pietrantonio Araújo, afirmou terça-feira ao Diário que, durante as investigações, não descarta a mudança da tipificação da ocorrência como tentativa de homicídio. "Mas, para isso, tem que ficar clara a intenção de matar", ressaltou o delegado. O delegado plantonista do 1ºDP de Santo André, que registrou a ocorrência que envolveu Jefferson, não foi encontrado para comentar o caso.

A Ouvidoria de Polícia do Estado não recebeu nenhuma denúncia de familiares sobre as duas ocorrências. A entidade, no entanto, informou que promove nesta quinta-feira, na Secretaria Estadual de Segurança Pública, no centro de São Paulo, reunião para tratar justamente da letalidade da Polícia Militar, em vista do aumento da violência policial.




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