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Pan: um foguete vai ser lançado para a Lua
Walter Wiegratz
Da Redaçao
17/07/1999 | 19:12
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“Um foguete será lançado para a Lua.” Essa manchete, veiculada em um jornal de capital em 1936, causou estardalhaço entre os habitantes de Sao Paulo e das cidades vizinhas. Conta-se que, mesmo sem saber quando ou como o foguete iria subir às alturas, muitas pessoas se dirigiram para o Campo de Marte, único aeroporto que a cidade possuía na época, a fim de ver o lançamento do referido veículo espacial, que, obviamente, nao ocorreu. Bem, nao naquele dia. O primeiro foguete, todos sabem, só chegou ao satélite da terra 33 anos depois.

Qual nao foi a surpresa das pessoas ao ler no dia seguinte a notícia de que o foguete era, na verdade, a fábrica de chocolates Pan (Produtos Alimentícios Nacionais S.A.), que fazia sua estréia no mercado brasileiro sem o suporte de nenhuma empresa de publicidade, mas com uma eficiente tacada de marketing. A “base de lançamento” e o “laboratório de controle” da empresa ficavam na rua Maranhao, no centro de Sao Caetano.

Essa idéia inusitada foi concebida pelo empresário Aldo Aliberti e seu fiel escudeiro Oswaldo Falchero. É o seu Oswaldo quem conta que Aldo e o irmao, Guido, tinham uma verdadeira paixao pela aviaçao, sendo pioneiros em vôos de planadores no país. “Essa foi a típica idéia de quem gostava de voar e vivia nas nuvens”, diz ele.

Na época, o sonho de realizar um vôo solo acabou por contagiar Aldo, que abandonou os negócios em uma fábrica de botoes da família – a Indústria Aliberti Ltda., também situada em Sao Caetano – para se dedicar à nova empreitada de fazer chocolates, doces e balas para a garotada.

O foguetinho da Pan estilizado nos carros de entrega da empresa levavam alegria por onde quer que passasse literalmente arrebanhando a garotada, sem se esquecer dos adultos, que ficavam de longe usufruindo da novidade. “Mas o foguete continua em pleno vôo”, diz, hoje, o seu Oswaldo, depois de 63 anos de órbitas intermináveis na mente e no coraçao de três geraçoes de ávidos consumidores das doces guloseimas que a Pan nao cessa de fabricar. O piloto que comanda a espaçonave ainda é o seu Oswaldo, que confessa nunca ter imaginado ser o dono de um negócio de porte, ainda mais uma fábrica de chocolates.

Um doce presente – Emocionado, o seu Oswaldo conta que tinha em Aldo Aliberti um verdadeiro pai. “Foi ele quem financiou os meus estudos. Eu e minha irma moramos com a família dele por alguns anos, e, mais tarde, ele me colocou aqui para cuidar da Pan, no ano em que me formei em engenharia mecânica e elétrica. Um belo dia, Aldo me disse quanto eu tinha em açoes e que a empresa era minha. Eu agradeci e cá estou”, tenta resumir sua trajetória.

De início, o terreno da Pan ocupava uma área de 4 mil m², que precisou ser aterrada devido a um grande desnível no terreno, que nao tinha nem sequer infra-estrutura de água, esgoto e luz (puxada da rua Goiás). O primeiro galpao tinha 720 m². Hoje, a empresa ocupa uma área de cerca de 13,5 mil m².

Sem falsa modéstia, o seu Oswaldo fala que nao foi difícil para ele, um engenheiro mecânico eletricista, cuidar de um negócio inusitado como uma fábrica de chocolates.   “Fomos aprendendo com o trabalho. Eu tinha origem técnica, e Aldo tinha a tarimba. De vez em quando, procurávamos alguns profissionais que conheciam o ramo para nos orientar quanto ao uso de matérias-primas e o processo de fabricaçao. Nós apenas obedecíamos ou nao ao que era ensinado”, revela em uma boa gargalhada. A liçao ficou bem aprendida.

A verdade é que Oswaldo tinha apenas 19 para 20 anos quando assumiu a Pan. Era, portanto, um rapagote. “Tive uma vida muito dura, sou de família pobre. Meu pai, Luís Falchero, era um bom pintor de paredes, e minha mae, Elide, era uma comerciante.” A família era grande e contava com oito irmaos ao todo.

A energia e a amizade do pai, o seu Luís, sao os atributos que o filho disse ter guardado como herança. “Meu pai era um homem muito vigoroso. Era a mim que ele levava como companhia quando saía para caçar”. Já o “pai adotivo”, o seu Aldo, deu ao jovem Falchero a capacidade de usar a inteligência com disciplina e sobriedade.

Perguntado sobre a capacidade de um jovem de 20 anos para cuidar de uma fábrica inteira, o seu Oswaldo é contundente. “Morei na casa do Aldo, que ficava praticamente dentro de uma indústria. Os meus amigos de entao estavam ali, o meu passatempo era a indústria, e eu observava muito, sobretudo os trabalhos na oficina. Por volta dos 14 anos, eu já trabalhava como operário na fábrica de botoes, de forma que eu tive antecedentes, tinha prática no trato com o pessoal.”

Fábrica de sonhos – O seu Oswaldo confessa que nunca imaginou possuir aquilo que, certamente, é o sonho de toda criança, uma verdadeira fábrica de chocolates. “Sempre imaginei que teria algo na vida, mas nao uma fábrica como a Pan. Imaginar que teria uma indústria era pensar muito alto. Nunca visitei uma fábrica de chocolates, mas estou certo de que, para uma criança, isto aqui é uma fábrica de sonhos”, diz ele. E alguém tem dúvidas disso?

Em dezembro de 1937, a Pan lançava seus chocolates e bombons em formato de peixes e animais, charutos, coraçoes e formas geométricas, obedecendo ao padrao da concorrência de entao. Nao demorou muito para que a empresa começasse a inovar no mercado. O primeiro produto de sucesso foram as balas Paulistinha, inspiradas na revoluçao de 1932, com sabor meio azedo, que ainda hoje sao produzidas.

Depois vieram os cigarrinhos de chocolates da Pan, com a imagem de um garoto branco e outro negro estampada na caixa. “Os cigarrinhos fizeram sucesso”, lembra o seu Oswaldo. Vale lembrar que, nos últimos anos, o produto assumiu a lógica do politicamente correto e abandonou o nome de cigarrinho para “rolinhos de chocolate”.

Nostálgico, o dono da Pan recorda que o lançamento do álbum de figurinhas, nos idos dos anos 40, causou verdadeiro êxtase entre a meninada. “As figurinhas, que eram encontradas nas balas Paulistinha, causavam até briga entre os colecionadores. Eu tinha de levar as caixas dos chocolates escondidas quando ia fazer alguma entrega para os clientes da rua 25 de Março, no Centro de Sao Paulo. Era um Deus nos acuda.”

O pao de mel coberto de chocolate veio mais tarde e se consolidou no mercado. Seguindo a evoluçao e as novas exigências do mercado, a Pan começou também a fabricar produtos dietéticos.

“Quando começamos, era impossível imaginar a fabricaçao de chocolates e doces sem açúcar, mas, no fim das contas, fazer produtos dietéticos nao é tao difícil assim. Afinal, temos de satisfazer também os clientes que consomem esse tipo de produto”, afirma Falchero.

Estilo Falchero – Sobre a concorrência de grandes players do mercado, como a Nestlé e a Chocolates Garoto, o seu Oswaldo é objetivo. “Tenho pena deles, porque é duro manter a liderança de mercado.” Ele se mostra consciente de que a Pan nao chegará ao topo dessa concorrida disputa pelas gôndolas dos supermercados e pela preferência primeira dos clientes, que ele compara a uma corrida de fórmula 1, mas, nem por isso deixa de ignorar o mérito da Pan, que soube resistir e crescer “comendo pelas beiradas”, ao mesmo tempo em que aproveitava sua peculiar genialidade para lançar novidades e seduzir seu público específico.

“Nós fazemos vários produtos que os nossos concorrentes nao têm, como os bombons de frutas, o chocolate granulado, as moedas e até mesmo o pao de mel. Isso nos dá uma certa vantagem, mas a nossa filosofia é a de sempre que encontramos uma grande concorrência em determinado produto, partir para algo diferente”, afirma.

O seu Oswaldo já nem lembra mais quando começou a fabricar os bem-sucedidos paes de mel, que antigamente eram feitos em fornos de padaria, em cima de bandejas, onde eram cobertos um a um.

Polido, o seu Oswaldo refuta qualquer afirmaçao que sugira ser a Pan uma indústria com processos produtivos ultrapassados ou antiquados, que ficou comendo poeira em relaçao à concorrência. Ele reclina na cadeira, estufa o peito e dispara: “Pelo contrário, estamos bem mecanizados para enfrentar a concorrência. Um exemplo sao as nossas três máquinas refinadeiras, uma italiana, uma alema e outra inglesa”.

Perguntado se as diversas crises econômicas que se sucederam no país ao longo dos 63 anos de história da empresa alguma vez abalaram seus brios de administrador, sugerindo até mesmo o abandono dos negócios, ele é enfático. “Nao sou pessoa de desistir. Meu conceito nao dá para isso. Eu sempre fui um esportista e sempre levei as coisas até o fim, de modo que considero a administraçao da empresa como sendo a prática de um esporte.”

Na juventude, o seu Oswaldo afirma ter praticado por predileçao o basquete e o motociclismo, embora diga ter sido um excelente esgrimista. “Eu fui corredor de motocicleta e corria em pistas de terra no alto da Lapa. No basquete, eu jogava nas três posiçoes – havia dois chupins (atacantes), duas defesas e o centro bola. Eu era bom para embocar (encestar) a bola”, rememora aos risos. O time do coraçao é o Palmeiras, faz questao de frisar.

Espírito de atleta que sabe o que é perder e o que é ganhar é o atributo que ele afirma ser necessário para qualquer administrador de empresas. Seria também esse o segredo de vitória da Pan. Além disso, o seu Oswaldo diz acreditar que demonstraçoes contínuas de boa vontade para com os empregados sao essenciais para que eles assimilem as táticas que levam a vencer no mercado.

Ao tentar definir o empresário Falchero, dono da fábrica de chocolates, ele afirma ser um cidadao calmo, mas logo se corrije. “Calmo nao, porque quem conduz um negócio desse porte nao pode ser tao tranqüilo, e tem seus momentos de energia, alegria e tristeza, em um misto de emoçoes. No entanto, eu me sinto feliz porque consegui criar uma família bem formada, com uma excelente esposa, além de filhos e netos que só me dao orgulho e alegria. Estou realizado, ainda mais porque tenho uma origem modesta e consegui dar asas ao meu idealismo.”

Coraçao de chocolate – O Diário foi ouvir a história de Oswaldo Falchero no dia em que ele completava 83 anos de vida. Sua modéstia, estampada em um contínuo e suave sorriso e demonstraçao de idéias vivazes, rechearam a conversa de cerca de uma hora e meia. Ao ser parabenizado, ele retribuiu. “Sao vocês que nos presenteiam vindo aqui mostrar um pouco do que somos.”

Quando o fotógrafo pedia para que posasse para as fotos que iriam ilustrar a reportagem, ele brincava com a lente. “Espero que de fato você tenha colocado filmes aí, hein. Mas aproveite porque eu sou muito fotogênico.”

Quando pedimos para que fosse fotografado na linha de produçao, no ponto mais próximo de sua sala, uma vez que a idade nao permite longas incursoes pela extensa área da fábrica, era taxativo. “Tudo bem, mas nao vamos tirar retrato só da linha dos paes de mel porque dá a impressao de que a fábrica só produz isso.”

Ao ver algumas das fotos antigas da Pan, os olhos do velhinho brilhavam à medida que ia descrevendo as pessoas, todas conhecidas pelo primeiro nome. “Esta é fulana, esse é sicrano. Ah, aqui está o Comilao. Ele era um motorista e ganhou esse apelido porque comia muito chocolate”, descrevia atentamente.

Em dado momento, quanto perguntado se é verdadeiro o comentário dos seus próprios funcionários de que ele tinha um “coraçao de chocolate”, o seu Oswaldo respondeu rápido e preciso. “É, tenho sim, tenho um coraçao mole.” Nao poderia ser diferente, afinal, ele é o dono de uma autêntica fábrica de chocolates...

Jeito familiar de tocar uma grande empresa

Da Redaçao

A Pan pode ser considerada uma empresa familiar. A presença constante de Oswaldo Falchero no dia-a-dia da fábrica supervisionando a produçao é prova disso. “Só falto ao trabalho por motivo de doença e nao gosto de tirar férias”, afirma.

A gestao familiar dos negócios da Pan é freqüentemente alvo dos críticos desse estilo de comando, o que nao chega a abalar Falchero, para quem a empresa já conquistou um espaço cativo no mercado: uma clientela fa do pao de mel, das balas Paulistinha e dos rolinhos de chocolate que a empresa fabrica há décadas. As dificuldades de distribuiçao e as exigências do setor supermercadista por prazos mais longos e flexíveis estao sendo contornados mediante uma maior proximidade com os parceiros no atacado e no varejo.

Em sua experiência de 63 anos no comando da Pan, Oswaldo Falchero joga suas fichas na aposta de que o inverno de 1999 proporcionará um acréscimo nas vendas da ordem de 20% a 30%. A seu favor ele tem o hábito de que se consumem doces e chocolates no inverno, que este ano vem acrescido do fenômeno climático La Niña, que tem derrubado as temperaturas em todo o país.

De 1936 para cá muita coisa mudou no jeito de a Pan fazer seus chocolates, balas e doces. No princípio, os produtos passavam por uma refinadeira de granito, depois eram cozidos em uma caldeira a vapor, e enformados em barulhentas máquinas, para depois ser conservados em rústicas geladeiras que levavam algumas horas para resfriar os chocolates. Hoje, os produtos passam por um túnel de resfriamento que, em 20 minutos, deixa o chocolate pronto para ser desenformado.

A confecçao da balas era artesanal, com os ingredientes misturados em grandes tachos pelas confeiteiras, que depois utilizavam uma prensa para dar o formato às guloseimas. As balas eram embrulhadas uma a uma. Atualmente, o tacho para mistura é a vapor, máquinas dao o formato adequado, para que depois as balas sejam embrulhadas mecanicamente.

Falchero conta que muitos dos primeiros funcionários tinham origem espanhola e moravam nas imediaçoes da Pan. Famílias inteiras pegavam latas e embalagens de balas na fábrica para embalá-las em casa.

De forma geral, a Pan sempre optou por contratar mulheres, mas Falchero afirma que essa tendência tem uma explicaçao que se enviesou com o desenvolvimento econômico do Grande ABC, uma vez que, entre as décadas de 60 e 80, boa parte da mao-de-obra masculina acabou indo para a indústria automobilística. Ainda hoje, as mulheres respondem por cerca de 90% da força produtiva da empresa.

A pujança da Pan nos anos 60 pode ser medida pelo número de empregados que possuía naquela época, nada menos do que 14 mil. Hoje, muito mais enxuta, a única unidade da empresa emprega 600 pessoas. Na Páscoa, no entanto, chega-se a contratar cerca de 150 funcionários para garantir a produçao dos ovos de chocolate. — WW




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