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Retrato do artista quando maduro
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
25/11/2006 | 19:34
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Pierino Massenzi é rigoroso. Intransigente, não hesita em desligar a TV se vê, por exemplo, novelas que se passam no Brasil de 1870 e cujas casas cenográficas têm no cume telhas de fibrocimento (a popular brasilit), que só chegariam ao país em 1940. Contesta muitas das direções de arte do cinema contemporâneo. Exalta-se ao falar de incorreções que percebe em filmes como Carandiru, Kenoma, Cidade de Deus e O Quatrilho – quanto a este, refere-se carinhosamente como O Espartilho. Ruboriza, eleva o tom de voz quando argumenta que hoje, com computadores e parafernálias mil, cenógrafos não obtenham resultados similares aos dele 50 anos atrás, época em que era cenógrafo de cinema, responsável por muitos dos cenários de filmes da Cia. Vera Cruz. Não tem medo de incompetência; tem raiva. Medo mesmo ele tem de ser esquecido.

Desse mal Massenzi, aos 83 anos, parece livre. segunda-feira à noite, em sessão restrita, será exibido um documentário na Universidade Metodista, em São Bernardo, sobre sua vida e obra e realizado por um grupo de alunos da instituição.

Outra medida anti-ocaso é o livro de Vera Hamburger. Mulher do cineasta Cao Hamburger (diretor de O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias e Castelo Rá-Tim-Bum), ela também é cenógrafa e diretora de arte. Coincidentemente, são de sua lavra as cenografias do Carandiru e do Kenoma que levaram tomatadas críticas de Massenzi.

Sem crise. Massenzi permanece como personagem do livro de Vera, que pretende biografar quatro cenógrafos de ponta do cinema nacional. A quarta parte que cabe a Pierino está praticamente concluída, sujeita apenas a revisões e retoques finais. O livro em si aguarda a liberação de verba da editora para ir ao prelo.

Boa parte do volume está voltada à era Vera Cruz e à carreira do cenógrafo. São 47 os filmes que estampam seu nome nos créditos. E 26 os prêmios que amealhou. Fez os cenários de Ângela (1951), sua primeira experiência como arquiteto de interiores e exteriores cinematográficos. Gostou. Prosseguiu. Faria filmes com Mazzaropi, Sai da Frente (1951) e Casinha Pequenina (1963) entre eles. Faria Tico-Tico no Fubá (1951) com Tônia Carreiro – “uma mulher muito convencida”, julga o homem de língua mais indomável que leão faminto. E faria O Cangaceiro (1952), de Lima Barreto, maior êxito comercial da Vera Cruz. Um filme que, ambientado no sertão, obrigou Massenzi a reconstruir “cacto por cacto, pedaço por pedaço” o cenário nordestino em Vargem Grande do Sul, interior paulista. Nesse set de filmagens, o cenógrafo quase chegou aos extremos de seu gênio forte.

Certo dia, trabalhavam ele e outros técnicos escalados para O Cangaceiro em Vargem Grande até “7h da tarde”. Prontos a largar o expediente, descobriram que a produção não havia reservado-lhes refeição, transporte ou estadia. Organizou uma versão reduzida da coluna de Prestes e liderou os funcionários até o acampamento onde estavam acomodados o restante da equipe e o elenco. “Chegamos lá e flagramos todo mundo comendo pato assado, se esbaldando de comida”. Num rompante, passou as mãos em uma metralhadora que seria usada no filme. Detalhe: a arma não era cenográfica nem estava carregada de festim. Não fosse a intervenção de um policial que assessorava a produção, e que lhe agarrou a tempo de desviar a mira, Massenzi teria operado uma chacina.

“No dia seguinte, o Franco Zampari (fundador da Vera Cruz) me chamou à sala dele. ‘Pronto’, falei; ‘Agora eu vou demitido’. Eu entrei na sala e ele só me perguntou quantas dúzias de ovos o pessoal (d’O Cangaceiro) estava comendo. Pô...! Eu quase mato um monte de gente e o sujeito vem me perguntar de ovos?”

Foi a primeira, mas não a única vez, que Massenzi quase ganha uma ficha corrida.

Trabalhou também de decorador. Certa vez aceitou a encomenda para elaborar os ambientes do apartamento de um dentista. Estava no meio do serviço quando recebeu a visita do pai do cliente, o real patrocinador da obra, que confundiu os nós característicos da peroba-do-campo, madeira que constituía um dos móveis, com parasitas. Arrancou-as com um canivete. Diante do esquartejamento da madeira, Massenzi agarrou o homem que, graças ao pronto socorro dos assistentes de seu agressor, não foi atirado do 12º andar do edifício.



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