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Sto.André combate excesso de peso

Núcleo de Obesidade cuida atualmente de 700 pacientes encaminhados pelos postos de saúde

Evaldo Novelini
Do Diário do Grande ABC
03/04/2022 | 07:45
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DGABC_André Henriques


Certo dia, em 2016, ao passar diante de um espelho, a auxiliar de produção Miriã Furlanetto Guimarães de Assis, que tem 1,64m de altura, sentiu desconforto ao ver o reflexo da própria imagem. O incômodo com o corpo foi aumentando até o ponto de ela evitar trocar de roupa diante do marido. “Só ficava nua na frente dele no escuro”, conta. Então com 39 anos e 124 quilos, decidiu procurar ajuda.

Seis anos depois, Miriã é outra pessoa. Física e psicologicamente falando. Pesando 76 quilos e de bem com a vida, um de seus passatempos preferidos é ir às lojas de roupas experimentar os últimos modelos exibidos nas vitrines. “A melhor decisão da minha vida foi buscar ajuda médica.”

Preocupada com as consequências do excesso de peso – que, além da alma, lhe machucava as pernas, nas quais sentia dores terríveis e constantes –, Miriã entrou na UBS (Unidade Básica de Saúde) Vila Helena, em Santo André, onde mora. Ela ainda não sabia, mas o município estava monitorando a obesidade.

Em dezembro de 2018, técnicos da Secretaria de Saúde de Santo André apresentaram o resultado de força-tarefa realizada nas unidades básicas: pelo menos 60% dos pacientes que procuravam atendimento apresentavam excesso de peso (índice de massa corporal acima de 25) ou obesidade (IMC acima de 30).

O número assustou a administração. Em março do ano seguinte, em resposta às conclusões do levantamento, o prefeito Paulo Serra (PSDB) inaugurava o Núcleo de Obesidade, em prédio anexo ao CHM (Centro Hospitalar Municipal), na Vila Assunção, destinado a implantar linha de cuidados aos cidadãos acima do peso – tudo pago pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

“A porta de entrada é a UBS mais próxima da casa do paciente. O médico da rede avalia, faz o diagnóstico nutricional e, quando há sobrepeso ou obesidade, apresenta as opções de tratamento”, indica a endocrinologista Maria Carolina Pestana de Andrade do Nascimento, coordenadora do núcleo.

Os médicos das UBSs estão preparados para prescrever terapias a pacientes com excesso de peso. O tratamento é sustentado em dois pilares: dieta hipocalórica, que recomenda o consumo de alimentos in natura e desaconselha os ultraprocessados, e atividade física regular.

Se a estrutura básica não obtiver sucesso na redução do IMC, o paciente é encaminhado ao grupo comandado por Maria Carolina, composto por endocrinologista, cirurgiões (bariátrico e plástico), psicólogo e nutricionista. A equipe é multidisciplinar porque o excesso de peso desencadeia outras doenças, como colesterol, diabetes, apneia do sono e esteatose hepática.

Além dos males físicos, a gordura causa problemas emocionais. “Precisamos, antes de mais nada, desconstruir o estigma da obesidade, o quanto ela pode trazer de desordem comportamental”, explica a psicóloga Ednéia Multini. Alguns pacientes chegam com quadro de depressão importante e impulsos suicidas.

Para dar conta de doença multifacetada, o atendimento no núcleo é versátil. Vai desde o desenvolvimento da motivação do paciente em buscar o IMC adequado – o que inclui atividades lúdicas, como a utilização de imagens recortadas de revistas e jornais para a montagem de figurinos que o paciente gostaria de usar no momento em que atingir a meta – até a operação bariátrica, de redução do estômago.

“A intervenção cirúrgica é o último recurso, recomendado a quem tem IMC acima de 35, após dois anos de acompanhamento, ou acima de 50, de imediato”, diferencia o endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento, integrante do núcleo, especialista no assunto e colunista do Diário. O procedimento é contraindicado a pessoas com arritmia ou insuficiência cardíaca importante, hepatite, bipolaridade e esquizofrenia.

A eficiência da cirurgia bariátrica é muito maior que a dos tratamentos convencionais. Vinte por cento dos pacientes que se submetem ao procedimento engordam novamente, contra os 80% que voltam a ganhar peso nas outras terapias.

“Existe um mito popular, já devidamente refutado pela ciência, de que a obesidade é um equívoco pessoal reversível. Muita gente pensa que a pessoa engorda porque não se cuida, porque é desleixada com a própria saúde. Não é verdade”, rebate Nascimento, explicando que substâncias químicas presentes em comidas ultraprocessadas, como conservantes, corantes e aromatizantes, desregulam os parâmetros de saciedade, fazendo com que o indivíduo perca o controle de sua alimentação. “A obesidade é uma doença.”

Nos últimos três anos, 700 pacientes passaram pelo Núcleo de Obesidade. Um deles, Miriã – que fez cirurgia bariátrica em 21 de novembro de 2020, no CHM. “O doutor Antonio Carlos foi um anjo na minha vida.” Se está feliz com o resultado? “Recuperei totalmente a minha autoestima.” Atualmente, seu perfil no WhatsApp exibe uma foto dela junto ao marido, o autônomo Gilson da Costa Assis, 47. A imagem reflete os dois em um espelho, ambos sorrindo.

Município retoma cirurgias bariátricas

Trinta e dois pacientes são encaminhados a cada semana pelos médicos da rede municipal de Santo André ao Núcleo de Obesidade. Atualmente, o grupo atende a 700 deles, sendo que 200 têm indicação para cirurgia bariátrica. O município tem capacidade de realizar dois procedimentos a cada 15 dias no CHM (Centro Hospital Municipal).

Por causa da pandemia de Covid-19, as cirurgias eletivas, como é o caso da que faz a redução do estômago, ficaram suspensas. Após dois anos, as operações foram retomadas no sábado passado, quando os profissionais do Núcleo de Obesidade submeteram ao procedimento os dois primeiros pacientes desta nova fase.

Além da retomada das cirurgias, o núcleo começa a trabalhar na reorganização do itinerário dos pacientes, desde que ele chega ao sistema pela porta das UBSs (Unidades Básicas de Saúde). Objetivo é identificar o paciente que não pode passar pela bariátrica por ter alguma contraindicação.

“Hoje, 20% dos que chegam até aqui possuem contraindicação cirúrgica. Se conseguirmos identificá-los no caminho, poderemos dedicar todo nosso tempo a quem o procedimento realmente pode ajudar”, pontua o endocrinologista Antonio Carlos do Nascimento.

O profissional sustenta que investir no controle do peso da população melhora a condição geral dos pacientes, o que, mais à frente, proporciona economia aos cofres públicos. “Estudos recentes mostram que 80% dos casos de diabetes tipo 2 estão associados à obesidade”, afirma Nascimento. “A cura de uma doença implica na remissão da outra."




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