Projeto pedagógico de escola estadual de Santo André busca incorporar condições socioeconômicas e geográficas no processo de aprendizagem
As aulas presenciais nas escolas estaduais da região retornaram na quarta-feira, e os professores da instituição João Baptista Marigo Martins, no Jardim Riviera, em Santo André, começaram o ano letivo com motivação diferente. Um dia antes do retorno escolar, 55 docentes vivenciaram por um dia as dificuldades geográficas que os alunos enfrentam antes de chegarem na unidade de ensino. A ação faz parte de um projeto pedagógico independente idealizado pela diretora da instituição que busca incorporar as condições socioeconômicas e territoriais dos estudantes no processo educacional.
O ônibus escolar que levava os educadores até o Parque Miami, onde moram aproximadamente 70% dos alunos, foi embalado pela cantoria dos professores, que não escondiam a empolgação para conhecer o bairro onde vivem muitos dos seus estudantes. A oportunidade de reencontrar antigos conhecidos que já deixaram a escola também animava os educandos. Nem a chuva foi capaz de conter o entusiasmo do grupo, que caminhou por cerca de uma hora pela Rua Pintassilva, uma das principais da comunidade.
Sob olhares desconfiados dos moradores, os docentes foram reconhecendo algumas caras por de trás das janelas. Aos poucos era possível ouvir os gritos de “Oi, Prô”, “O que você está fazendo por aqui prô?” de crianças e adolescentes que passavam pela rua. Além de absorver o máximo possível da experiência, os docentes também aproveitaram o momento para chamar os estudantes para volta às aulas. “Após dois anos sem a normalidade escolar, finalmente estamos retornando presencialmente e foi importante mostrar para os alunos que toda escola e o corpo docente está pronto para acolhê-los, de forma segura e responsável”, destaca a diretora Evanilde de Moura Pedrosa Santos, 43 anos, responsável pela ação.
O professor de língua portuguesa, Péricles Ribeiro, 32, ressaltou a importância de participar da iniciativa para poder impactar positivamente os jovens. “A realidade do aluno na sala de aula é um contexto, a partir do momento que estamos presentes no meio da comunidade, compartilhando as suas vivências, seja de forma direta e indireta, passamos a ter outra noção da conduta e do interesse do aluno para o aprendizado”. Ivone Angela de Lacerda, 55, professora de educação básica, complementou. “Em seis anos que trabalho na escola nunca tinha vindo até o bairro onde eles moram. Você imagina uma realidade precária, mas quando vê de perto é outra coisa. Assim conseguimos entender as dificuldades que eles passam para poder estudar”, conclui.
A comunidade fica localizada há quase dois quilômetros da escola e o transporte até lá é feito a pé pelos alunos do bairro. Em dias chuvosos e de Sol muito forte, as famílias optam por não enviaram os filhos para escola, conforme explica a mãe Eloiza de Jesus, 35, que tem seis crianças matriculadas na instituição estadual, Pedro Henrique (17), Adrian (15), Andressa (14), Maria Eduarda (11), Beatriz (13) e Riquelme (8). “Eles levam em torno de 40 minutos para chegar na escola, quando o tempo não está bom, seja por conta do calor forte ou por causa da chuva, não tem condições deles irem. Por isso é muito importante a presença dos professores aqui na comunidade, para entenderam o porquê das ausências. Estamos muito felizes de recebê-los aqui, não esperávamos que um dia isso fosse acontecer”, desabafa Eloiza.
APRENDIZAGEM
A iniciativa foi idealizada pela diretora Evanilde de Moura, que realizou ,em 2018, o mesmo percurso. Na época, ela queria entender o motivo de os estudantes faltarem com tanta frequência e também conhecer o universo que eles estavam inseridos. “Quando eu visitei o bairro pela primeira vez consegui entender as justificativas que eles apresentavam. Quando um aluno chega dez minutos atrasado, você entende que ele andou quase uma hora para estudar, que ele está se esforçando muito para estar ali”, defende a diretora.
Todo conhecimento adquirido durante a ação deverá ser aplicado em sala de aula, conforme reforça Evanilde. “Não foi apenas um passeio para conhecer o bairro, os professores irão utilizar essa bagagem para trazer exemplos reais e concretos, para que o conteúdo faça sentido para o aluno. Por meio do que foi visto, conseguimos ter mais empatia pelas demandas dos nossos estudantes”, esclarece a diretora.
A expectativa é que o projeto seja realizado anualmente, com novos e antigos professores.
Ação também ocorre em Diadema
Como parte da política de formação da Prefeitura de Diadema, os professores da rede municipal realizaram na quinta e na sexta-feira um estudo do meio no entorno da escola onde trabalharão durante o ano letivo. O objetivo é reconhecer a vida e o universo dos estudantes, permitindo, assim, que os professores e professoras da rede identifiquem com mais agilidade toda e qualquer demanda apresentada em sala de aula.
A partir deste primeiro diagnóstico, será possível dar início à etapa intitulada Leitura de Mundo do Projeto Político Pedagógico Participativo da Rede Municipal. A atividade se estende também a outros profissionais das unidades de ensino.
“A partir deste movimento, professores, gestores, conselhos, estudantes e famílias definirão em assembleia futura, os rumos de cada unidade educacional”, avalia a secretária de Educação de Diadema, Ana Lúcia Sanches.
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