Nossa memória coa acontecimentos que ficam guardados em nosso quintal das lembranças e vez por outra mergulhamos no tempo para buscá-las, ou, eventualmente, recordamos à toa, aparentemente sem razão. De todos os lastros sentimentais, ocasiões e temas, lá estão algumas arrebatando mais que outras e nestas de maior importância rememorar as noites e manhãs de Natal tocam minha alma.
Eu e Maninho (Wilson, meu irmão e melhor amigo) adotávamos hábitos dos quais não compreendo as exatas motivações para protocolá-los, muito embora a tradição de abrir o (único) panettone apenas na manhã de Natal, a quatro mãos, na retirada do primeiro laço, tenha seguramente sido por imposição do pouco estoque.
No mais incrível e quase litúrgico comportamento mamãe estava alinhada, no que me refiro a aguardar meia-noite (frequentemente meia-noite e meia) para finalmente nos servirmos da ceia de Natal. Ainda que pareça ilógico, a conduta não causava sofrimento e era com enorme alegria que víamos papai chegar para compor a mesa conosco. Cozinheiro por uma vida inteira e extremamente meticuloso, aguardava o final dos trabalhos da enorme cozinha que comandava para correr para casa e cantar em versos e melodia de “sua autoria”: “Feliz Natal, Natal pra todos, Feliz Natal”.
Lembro-me dos assados, farofas, arroz com misturas de ervilhas e grãos de milho, pudim de leite e gostosos e inesquecíveis goles de refrigerantes, com contenções provocadas apenas pelo avançar da hora e cansaço, mas nunca por preocupações estéticas. Maravilhosas noites!
Hoje médico endocrinologista, vejo-me nesta época do ano sob um turbilhão de solicitações de queridíssimo(a)s jornalistas, que na pauta da vez, pedem-me listas de regras para conservar a silhueta. Eu os compreendo e mantenho a métrica do discurso para que suas audiências e leitores consumam água e não bebidas açucaradas, prefaciem as refeições com generosa quantidade de folhas, não consumam alimentos processados e não deixem de praticar exercícios.
Seria irresponsável não sustentar restrições para pacientes com patologias limítrofes, para os quais qualquer equívoco pode provocar emergência médica. Então, é imperativo evitar excesso de líquidos em portadores de insuficiência cardíaca grave, dado risco de desencadeamento de Edema Agudo de Pulmão, é obrigatória a contenção do consumo de proteínas naqueles com insuficiência hepática grave, pela possibilidade de evolução para a temida encefalopatia hepática, assim como ingerir grandes quantidades de alimentos salgados pode ceder elevação pressórica perigosa em pacientes com hipertensão severa e mal controlada.
Afora estes (e poucos outros) extremos, não haverá castigo orgânico em nos deliciarmos à mesa junto às pessoas mais importantes de nossas existências, especialmente no que tange à preocupação com o controle de peso.
Por isso, sem dispensar as orientações pandêmicas, mas com tom pouco acadêmico, encerro este artigo em meu entendimento pessoal: “Noites e manhãs de Natal são únicas e não permitem outros interesses afora mergulhar no convívio pleno, repletos de palavras doces, abraços fortes e olhares fraternos, complementadas à plenitude em bons pratos e guloseimas. Na falta definitiva de algum participante no próximo encontro de aniversário do Salvador, lembrar-se feliz e sem angústia com matemática calórica fará muito bem, para quem ficou, ou partiu.”
Feliz Natal, Natal pra todos, Feliz Natal”
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