Há algumas semanas defendi a importância de os jovens não perderem oportunidades de qualificação, apesar das dificuldades na realidade brasileira em vista de o mercado de trabalho tender a ser seletivo.
Embora possa parecer paradoxal, a sondagem industrial de junho último apontou falta ou alto custo do trabalhador qualificado como um dos principais problemas enfrentados pelo setor. Comparativamente aos períodos anteriores, a proporção de industriais no Brasil que relataram este problema dobrou a partir de julho de 2020, comparado aos dois anos anteriores.
Mas como isso pode estar ocorrendo em um País com mais de 14,5 milhões de desempregados, compondo aproximadamente 29% da força de trabalho desocupada ou subocupada, com taxa de informalidade de cerca de 37%, segundo dados da PNAD do IBGE?
O mercado de trabalho funciona, grosso modo, como outro mercado qualquer. Tem sua dinâmica dada pelo comportamento e estrutura de oferta e de demanda. Ocorre que, assim como outros mercados, este também apresenta segmentações, dadas em geral pelas diferenças nas condições de oferta e demanda.
O que quero dizer é que, observando os extremos, trabalhadores de baixa qualificação e pouca experiência concorrem, em tese, com volume maior de pretendentes e são mais suscetíveis à automatização do trabalho, resultando em condições ocupacionais mais precárias. Na outra ponta, no mercado de trabalhadores de elevada qualificação há pouca oferta de pessoal relativamente à demanda, resultando em mais possibilidades de escolha por parte dos trabalhadores e em melhores condições de trabalho.
Um ponto fundamental nesse contexto é a diferença de acesso da população ao sistema educacional e de qualificação, e a qualidade dos mesmos. O público de trabalhadores atuais no mercado é composto por gerações que se defrontou com dificuldades para frequentar o sistema educacional. Mesmo com a melhora de acesso ao sistema nas últimas décadas pelos jovens, a qualidade educacional tem sido questionável, conforme comprovado pelos mecanismos de avaliação e comparação internacional.
Ressalta-se a falta de atenção nas últimas décadas ao sistema de formação profissional em nível técnico, o que se reflete na escassez de técnicos no mercado. Apesar dos avanços nas últimas décadas, a proporção de trabalhadores com formação superior ainda é bastante pequena, em especial quando comparado ao mercado de trabalho de países desenvolvidos, onde a ampliação destes se ampliou há décadas.
Atualmente, após a difusão do home office provocado pela pandemia, tem se mostrado um diferencial muito considerado pelos profissionais qualificados na escolha das oportunidades de emprego a possibilidade de cumprirem parte da jornada de forma remota.
Tal segmentação no mercado de trabalho brasileiro, em grande parte, é determinada por questões estruturais. O cenário futuro não tende a ser mais animador, com a queda da taxa de natalidade, a menor quantidade de jovens chegando ao mercado de trabalho e em condições de competição e qualificação diferenciadas. Este cenário tem imposto desafios para as empresas reterem profissionais qualificados e jovens talentos.
Essa realidade não exclui o poder público, que também demanda mão de obra. Se o objetivo do poder público é melhorar a eficiência do serviço, o foco da reforma administrativa tem de ser em mecanismos de avaliação de meritocracia funcional. A deterioração das condições de trabalho no poder público tenderá a afastar bons e talentosos profissionais da carreira pública, em prejuízo a longo prazo para a sociedade. Da mesma forma quando as empresas privadas optam por não atrair os melhores profissionais e têm gerir as deficiências operacionais decorrentes.
*Sandro Maskio é coordenador de Estudos do Observatório Econômico e professor da Universidade Metodista de São Paulo.
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