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Quando o filho vira o heroí

Enfermeiro de hospital de campanha na região, Marcelo Franzé cuidou do pai, Orfeu Silva, que contraiu Covid após almoço de fim de ano

Bia Moço
Do Diário do Grande ABC
08/08/2021 | 00:10
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Meu pai, meu herói. Essa é, talvez, a frase que mais será dita hoje, no Dia dos Pais. Mas e quando os papéis se inventem e o filho é quem vira o protagonista da história? Foi isso que aconteceu com o enfermeiro Marcelo Franzé, 35 anos, que cuidou do seu super-homem, mais conhecido como pai, Orfeu dos Santos Silva, 62, que ficou seis dias internado no hospital de campanha montado no Complexo Esportivo Pedro Dell’Antonia, em Santo André, local onde trabalhou do início da pandemia da Covid até a semana passada.

A relação dos dois é verdadeiramente de ligação entre pai e filho. Amigos, cúmplices e grudados. É assim que eles sempre mantiveram a rotina e, agora, intensificam ainda mais. Hoje, quando é celebrado o Dia dos Pais, eles podem respirar aliviados, mas em janeiro, quando Orfeu adoeceu, o medo da perda tirou o chão de Marcelo.

Atuando na linha de frente no combate ao coronavírus desde março do ano passado, Marcelo se culpa pela contaminação do pai, que também trabalha na rede pública de saúde, mas no setor de patrimônio do Hospital Estadual Mário Covas, no município andreense. No ano passado, Marcelo estava com seu apartamento, na Vila Assunção, em Santo André, em reforma. Por isso, ficou até outubro morando com a mulher, Nahama Nunes, 33, e os dois filhos Arthur, 4, e Bernardo, 2, na casa de Orfeu, na Vila Nova, em Ribeirão Pires.

“A gente vinha junto trabalhar todos do dias. Depois, voltávamos juntos para casa, sempre de máscara e, chegando lá, tirávamos toda a roupa na lavanderia e cada um ia para um chuveiro”, contou Marcelo, explicando que, além dos cuidados com a mulher e filhos, temiam que sua mãe, Maria Júlia Franzé dos Santos, 64, fosse contaminada.

No dia 31 dezembro, já de volta ao apartamento, Marcelo disse que sentiu um mal-estar e, apenas por precaução, fez um teste de Covid. O resultado ainda demoraria e ele resolveu ir com a família comemorar a entrada do novo ano ao lado dos pais. “Dormimos lá e no dia 1º eu fui almoçar e não consegui comer. Resolvi deitar, já me isolando em um quarto por receio. Meu pai, naquela relação de intimidade entre pai e filho, comeu a comida que deixei no prato. De noite meu exame saiu”, relembrou, contando que disse a Orfeu, já com remorso, a frase que ficará para sempre em sua memória: “pai, deu positivo”.

Na segunda-feira, 4 de janeiro, Orfeu pediu afastamento do trabalho e no exame de PCR saiu a comprovação de que ele também estava doente. “Nos primeiros dias eu só perdi o paladar. Mas no 13º dia comecei a ter muita febre e tossir demais. Pedi mais afastamento, o médico do trabalho me deu mais dois dias e eu piorei. Na tomografia meu pulmão já estava entre 30% e 40% comprometido”, contou Orfeu, revelando que parou de fumar há 34 anos, mas já mantinha 10% do pulmão comprometido pelo antigo vício.

Ex-atleta de maratona, Orfeu achou que a doença não evoluiria tanto, mas, no hospital, logo nos primeiros dias houve piora. “Graças a Deus não precisei de entubação nem do uso de oxigênio”, contou, aliviado.

Marcelo foi quem sofreu mais, já que acompanhou o exame do pai e, quando soube que teria de ser internado, disse ter sentido o peso da culpa. “Pensei no que poderia ter sido diferente se eu não tivesse ido lá no Ano-Novo. Tive muito medo de perdê-lo. Não sei se teria estrutura para aguentar (a perda do pai)”, disse, contando que cuidar de Orfeu internado foi mais difícil do que dos demais pacientes, sobretudo por envolver o emocional. “Ele foi cuidado como todos os outros pacientes. Eu é quem tive o privilégio de poder vê-lo nesses dias”, disse Marcelo, explicando que participou inclusive das visitas virtuais por meio de videochamadas com sua irmã Juliana Franzé, 34, que mora em Londres.

Marcelo fez questão de filmar a alta do pai e esperá-lo na porta do hospital, assim como fazem todos os familiares de pacientes que são internados no complexo andreense. “Ajudar a salvar a vida do meu pai me deu ainda mais gás para lutar pela vida dos outros. Valorizem os pais, cuidem deles, porque nunca sabemos quando será a última vez em que poderemos dizer que os amamos”, disse Marcelo, emocionado.

“Internado no hospital de campanha você repensa todos os valores da vida. Eu sempre fui um pai e avô carinhoso, presente, e tenho muito orgulho do Marcelo. Meu filho é quem foi meu herói”, finalizou Orfeu. 




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