Há 14 anos, durante um jantar entre amigos, Karlo Schneider teve a ideia de celebrar a gravidez da esposa, Alcione Araújo, e o iminente nascimento de sua primeira filha com uma brincadeira cinematográfica: naquela noite, todos iriam escrever cartas para a bebê, mensagens com conselhos e projeções para o futuro, que seriam abertas apenas quando ela completasse 15 anos.
Fã incondicional dos Beatles, Schneider teria recolhido as cartas e as guardado dentro de discos de sua banda favorita. Esses discos seriam parte de uma coleção estimada em aproximadamente 500 álbuns.
Poucos meses depois nasceria Bárbara (batizada assim em referência à segunda mulher de Ringo Starr), anos mais tarde vieram Layla (nome tirado de um dos maiores sucessos de Eric Clapton) e Arthur (em homenagem ao Zico). "Ele era tão fã dos Beatles que, quando a gente se conheceu, a primeira coisa que ele quis saber foi se eu também gostava da banda", contou Alcione.
As cartas escondidas nos encartes ficaram esquecidas ou esperando o tempo previsto para serem lidas. Enquanto isso, a família embarcou na paixão de Schneider pelo quarteto inglês. Para se ter uma ideia, os apartamentos em que viviam, em Caicó e Mossoró, cidades do Rio Grande de Norte, eram todos decorados com referências aos Beatles - com direito a sofá vermelho, uma série de pôsteres, bonecos, ingressos de shows (principalmente de Paul McCartney) e lembranças de viagens a Londres e Liverpool.
Schneider trabalhava como gerente-geral de um hotel em Mossoró quando a pandemia se instalou no País. Sem turistas, o hotel precisou reduzir seu quadro de funcionários. Schneider foi um dos demitidos. "Meu marido sempre trabalhou. Nunca dependeu de ninguém. Por isso, depois de quase um ano desempregado, ele decidiu vender parte de sua coleção de discos", contou Alcione.
Então, Schneider vendeu mais da metade de sua coleção de álbuns, majoritariamente composta por raridades dos Beatles ou de discos solos de seus integrantes. "O sonho dele era recomprar tudo. Ele iria reaver a coleção tão logo a situação econômica melhorasse", disse a mulher.
Em fevereiro deste ano, um pouco antes de a filha Bárbara completar 14 anos, Schneider contraiu o vírus da covid. "Ele tinha muito medo, se cuidava muito, usava máscara, álcool em gel... Mas também tinha fatores de risco, como pressão alta e obesidade", disse Alcione.
No último dia 11 de março, Schneider morreu vítima da covid. Como não poderia deixar de ser, sua morte abalou familiares e amigos - que continuam celebrando a vida de Schneider com homenagens e muita música dos Beatles. Mas uma coisa ficou no ar, inconclusa, uma coisa que completaria um círculo e atenderia aquele que foi um dos desejos de Schneider.
Bárbara, a primeira filha de Schneider e Alcione, completa 15 anos em 2022. A coincidência da data fez com que Alcione se lembrasse das cartas escondidas dentro dos discos dos Beatles. "Minha filha está muito abalada pela perda do pai. Essas cartas seriam um alento, uma lembrança boa para ela", falou Alcione.
A mulher revirou os discos restantes do marido, mas, como era de se imaginar, a probabilidade de as cartas estarem em discos que foram vendidos era muito grande. "Eu nunca soube em que disco ele guardou. O que eu imagino é que essas cartas, escritas há 15 anos, estejam dentro dos discos que foram vendidos", contou Alcione. "Encontrá-las seria como um presente para a minha filha. Meu marido era tão imprevisível que a mensagem que ele deixou pode ser apenas uma piada ou, talvez, a declaração de amor mais bonita que você pode imaginar", completou.
A procura pelos compradores dos discos de Schneider e, consequentemente, a busca pelas cartas, ganharam o impulso de uma das pessoas que estavam presentes naquele jantar em que o beatlemaníaco teve a ideia de surpreender sua filha 15 anos depois do nascimento dela.
Ulla Saraiva, escritora e podcaster, postou em seu perfil do Twitter a história das cartas perdidas. O post ganhou proporções gigantescas e foi reproduzido em milhares de outras contas - ganhando espaço na mídia local e nacional. "A gente sabe que muitos colecionadores podem ter comprado um lote de discos e nem sequer ter aberto os encartes. Essa é uma possibilidade, já que se trata de discos raros. Estamos divulgando em fóruns de colecionadores e pela mídia. Nossa esperança é encontrar esses discos com as cartas para Bárbara", disse Ulla.
"Schneider romantizava a vida. Ele tratava a vida como se fosse um roteiro de filme. Reencontrar essas cartas seria como um último capítulo", completou a amiga.
Bárbara era muito apegada ao pai. No momento, prefere não falar. Segundo a mãe, os olhos dela se enchem de lágrimas com qualquer menção sobre o assunto. Mas Bárbara também nutre a esperança de ter em suas mãos aquilo que é dela por direito: as cartas que foram escritas pelo pai (e por amigos dos pais) e que deveriam ser lidas por ela em 2022, quando completa 15 anos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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