Política Titulo Entrevista da Semana
'Me arrependi, Bolsonaro é grande fraude'
Francisco Lacerda
Diário do Grande ABC
04/04/2021 | 23:59
Compartilhar notícia
PH Juan Guerra/Divulgação


Deputada federal, Joice Hasselmann revela que o afastamento de Bolsonaro e da família do presidente da República após ser líder do governo na Câmara se deu porque viu na gestão do atual chefe da Nação “mais do mesmo” e o que combatia nos governos do PT. “Transformou-se em Dilma de calça, estelionato eleitoral.” Também avalia que agora há ‘uma gangue comandando o País’ e que os dois grandes inimigos do Brasil são Lula e Bolsonaro, a quem acusa de fazer acordos com o Centrão para se manter no poder. “É presidente que paga aluguel para ficar no Palácio do Planalto. Quando acabar o dinheiro do aluguel, acaba o amor também.”

A senhora obteve 76 mil votos no Grande ABC. Conhece a região? Como avalia a vitória do PT em duas das sete cidades?
Todo mundo sabe qual é a minha posição em relação ao PT, eu já disse mais de uma vez, o que esse grupo, esse bando fez na política nacional e em algumas regiões também, e todo mundo sabe que eu desaprovo o modelo político do PT. É modelo político absolutamente antigo, é muito do estilo ‘toma lá dá cá’ e em muitos casos afundado em corrupção. Cada vez que o PT ganha uma prefeitura, ou o governo, ou quando ganhou a Presidência da República, eu tenho arrepios, porque, realmente, a história nos mostra que como conjunto o PT não funcionou. Pode ter gente honesta dentro do PT? Claro que pode. Pode ter gente honesta em qualquer partido, mas o conjunto da obra se mostrou muito ruim. E sim, conheço a região, aliás, pela proximidade com a Capital foi uma região em que eu pude rodar durante a campanha. Todo mundo sabe que durante a campanha eu fiz mais pelo candidato à Presidência da República do que para mim mesma. Até acabei viajando para outros Estados por conta disso.


O PSL lançou candidatos em quase todas as cidades da região e foi mal. Como a senhora vê essa questão?
O PSL, e eu sou muito franca em dizer isso – e eu disse isso ao presidente do Partido –, o PSL depois do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), foi o maior derrotado nas eleições municipais, e tudo tem explicação, e é explicação muito lógica. Veja, o PSL cresceu em uma onda de mudança. Quem representava naquele momento essa onda de mudança é o atual presidente da República, que quando chegou lá se mostrou uma grande fraude. De mudança ele não tem coisa nenhuma. Ele é mais do mesmo, absolutamente mais do mesmo, e com inteligência absolutamente limitada e falta de empatia pela população, vide o que está acontecendo agora durante esta crise toda e a pandemia que estamos enfrentando. Nós temos um Boeing lotado, aliás, muito mais do que isso. Nós temos todo dia no Brasil (tragédia) maior ou semelhante à que aconteceu nos Estados Unidos com as Torres Gêmeas (atacadas por terroristas em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos) em questão de número de mortos. Nós temos por dia a dupla caindo, por causa do comando do presidente da República. Então, aquelas pessoas que acreditaram no 17 (número de urna do PSL) lá atrás, que acreditaram na mudança e viram que Jair Bolsonaro não mudou condenam o 17, o PSL. Aquelas pessoas que ficaram do lado da direita mais radical, a direita pouco inteligente, direita que não quer olhar realmente para a população, para as pessoas, para mudança, para o combate à corrupção, o cego, o que o pessoal chama de gado – tem gente que fala que é ofensa chamar de gado, mas é um fenômeno de comunicação, que é o efeito manada; esse efeito manada da comunicação foi inclusive usado por Hitler, na Alemanha, e Jair Bolsonaro fez mais ou menos isso com parte desse eleitorado –, essas pessoas, esse eleitorado se dividiu. E aí aquele eleitor que é antiBolsonaro critica o PSL porque uma parte está com Bolsonaro. Aquele eleitor que é Bolsonaro critica o PSL porque uma parte é antiBolsonaro. Olha o samba do crioulo doido que virou o partido. Então, o partido tem de ter identidade própria, tem de defender posições próprias e tenho cobrado isso da cúpula da executiva do meu partido, porque termos essa indefinição toda, essa confusão interna no PSL, se Bolsonaro vai ou fica, fica ou volta, expulsa os traidores, não expulsa. Além disso, tem a porteira aberta para o atual presidente da República. Acho que as pessoas olharam para o PSL e não viram essa identidade. Eu acho absolutamente natural. Some-se a isso a pandemia. As pessoas não queriam mudança. No Brasil inteiro foram raríssimos os casos em que prefeitos não foram reconduzidos aos cargos. Por quê? Porque as pessoas estavam desesperadas, com medo de apostar em coisa nova no meio de uma guerra. Por mais que a gestão A, B ou C seja limitada, de prefeitos, criticada, a população disse: ‘Bom eu já sei o que é, já sei como é, porque, vai que eu troco e piora’. Nós tivemos o caso do próprio presidente da República, nós pioramos o País. O País deixado por Michel Temer não é o País que nós temos hoje, é o País muito piorado. Acho que o partido perde muito por não se posicionar.

Se Bolsonaro voltar ao PSL a senhora sai?
Obviamente. Eu já disse isso mais de uma vez, não há no mesmo lugar espaço para nós dois. No momento em que ele se assanha para vir, eu imediatamente tenho de sair. Eu acho absolutamente natural.


Qual a sua avaliação sobre o cancelamento das condenações de Lula pelo STF?
Uma tragédia. A impunidade saiu vencendo. O STF (Supremo Tribunal Federal) disse em alto e bom som para todo brasileiro de bem, para todo aquele que entende que corrupção é crime grave – no meu caso, acredito que é crime hediondo e defendo que seja punido como crime hediondo –, o STF disse: ‘Não estou nem aí para vocês, o crime compensa no Brasil’. Esse foi o recado que o Supremo passou para o Brasil. Depois de tanto tempo! Como se anula uma condenação, de processo que passou tantas vezes pelo STF? Dezenas de recursos, toda semana tinha um recurso. Era a ‘rebimboca da parafuseta’.


E a conduta dos ministros do STF em relação à Lava Jato?
Como é que os ministros não viram durante todo esse tempo que poderia, quem sabe, ter problema? É debochar da inteligência. O cidadão não precisa ser altamente (inteligente), não precisa ser mestre do direito para entender que tem alguma coisa errada aí. E esse processo passou pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Então estava todo mundo errado? Estava a Lava Jato errada em Curitiba? Estava o Supremo nos últimos anos errado? O Tribunal Regional estava errado? E agora o Supremo admitiu que estava todo mundo errado e só ele está certo. Para cima de mim? Me poupa. Para mim, realmente foi bater na cara dos brasileiros de bem. Inacreditável que tenhamos Suprema Corte que fique brincando de mudar de ideia como a gente muda de roupa para ir trabalhar. É algo absolutamente inimaginável. Claro que a Lava Jato não foi pega de surpresa, porque desde antes, quando iniciamos todo o processo de combate à corrupção, fomos às ruas, lutamos pelas dez medidas de combate à corrupção, o Deltan Dellagnol e Sergio Moro diziam: ‘Nós precisamos de leis cegas de combate à corrupção e que protejam quem investiga corrupção, porque, senão, vai acontecer como na Itália, onde não bastou soltarem o bandido, como foram atrás de perseguir os mocinhos, que é mais ou menos o que está acontecendo no Brasil.


O que pensa a executiva do partido?
Dentro do partido a executiva parece biruta de aeroporto, uma hora está para lá outra hora está para cá. Uma hora fala uma coisa e depois faz outra. Então, não sei dizer se ele volta para o partido. O meu voto é que não volte. O meu voto é que o PSL não sirva de novo de barriga de aluguel para Jair Bolsonaro, porque é isso que ele está fazendo, tentando mais uma vez usar o partido como barriga de aluguel. Agora, pode ser que se faça uma negociação, negociata lá em cima, na alta cúpula do partido, e aí não tem nada a ver comigo e, por óbvio, já sei que, para aqueles que foram leais ao partido, honestos com o partido, e honestos às nossa bandeiras e princípios, será a porta da rua serventia da casa.


Como a senhora avalia a suspeição de Sergio Moro?
Acho uma bobagem. Para mim isso tudo parece armação. Esse processo passou centenas de vezes pelo STF. Sempre tiveram acesso a tudo. Lembra quando estava naquela coisa de Lula condenado, prende Lula, não prende? Depois de preso, toda semana a defesa de Lula entrava com pedido diferente, inventava uma ‘rebimboca da parafuseta’ jurídica. Então, colocar o Moro, que sempre teve reputação ilibada, em suspeição me parece muito mais armação política, ou pelo menos favorece a grupo político que mamou nas tetas durante muito tempo e quer voltar. E esse grupo político, que é o do Lula, do PT, sempre foi alicerçado pelo atual grupo político que está grudado no atual presidente da República, que é o Centrão. O Petrolão não era só do PT, era do PT, do PP, do PL e dos partidos todos no entorno do Centrão. A gente tem nomes da política nacional que estiveram muito mais tempo no noticiário policial do que no político, por conta das investigações. Então me parece realmente armadilha para volta de bando que prejudicou muito o Brasil. Ou, talvez, esse grupo esteja com medo da conduta do presidente da República, do comando, e queira, de certa forma, mostrar que há outro lado de polarização do Brasil, o que é muito ruim. É ruim Bolsonaro e é ruim Lula.


Então a polarização leva o Brasil ao retrocesso?
A história recente nos mostra que a polarização não deu certo, não funcionou. Tudo que nós criticávamos, que eu criticava, à época em que a tropa do PT estava no poder, Bolsonaro faz agora. Quantas vezes eu, na imprensa, e outros tantos que militavam pelo combate à corrupção, dizíamos que o País não podia ficar dividido, que o PT fez a coisa de ‘nós e eles’, de São Paulo e Nordeste, um contra o outro, de pobres e ricos, de brancos e negros. Essa era a nossa grande crítica, além de, obviamente, toda questão da corrupção. Porque divide o País e aí se consegue governar para nichos e comandar alguns nichos. O PT fez isso. Mas Bolsonaro está fazendo a mesma coisa e, de maneira intensificada, está dividindo ainda mais o Brasil. Essa polarização já deu o que tinha que dar. Nós precisamos de uma direita centrada no País, que possa abranger da direita racional não extremista até aquela centro esquerda que combate a corrupção. Nós temos que formar essa grande aliança, que tenha todos os partidos de centro, em que as maçãs podres, que eventualmente agem em partido A, B ou C, a gente tire do cesto, para não contaminar o resto e que tenhamos projeto de Nação, de reconstrução do Brasil, que vai demorar 20 anos. A gente está vivendo uma guerra. Para mim, já deu!. O melhor caminho entre Bolsonaro e Lula é o aeroporto. Nós temos que ter terceira via. E essa terceira via não é nem a terceira, é a primeira, talvez a única via, a única solução para o País em momento como este.


Quem seria essa terceira via?
O ‘quem’ é o problema. Quando todo mundo fica personalizando a gente divide grupo que deveria estar somando. Tenho conversado com João Doria, com (Henrique) Mandetta (ex-ministro da Saúde), com Sergio Moro, com mulheres que estão na área empresarial que preferem não aparecer, com ex-ministros até de Itamar Franco, de FHC, do atual presidente, para que nós possamos formar grupo de defesa da democracia, que possa abranger dessa direita centrada até uma centro-esquerda e de desse grupo saírem nomes à Presidência e à vice. Mas lançar um nome agora é queimar pontes, é explodir pontes antes de elas serem construídas. E eu falei isso tanto para o governador quanto para o Mandetta, que acho que realmente temos que buscar esse nome, buscar consenso, tentar agregar o maior número de forças políticas racionais possível, porque nós sabemos quem são os inimigos do Brasil, os dois grande inimigos do Brasil, e deixar a população decidir, talvez em prévias populares, não sei. A gente vê uma maneira. São as pesquisas que vão decidir? Quem sabe. Mas tem de apresentar à população leque de partidos unidos e de pessoas que pensem no País e, dentre essas, pessoas que pensem em projeto de Nação. Aí sim pinçarmos uma ou duas para disputar esse pleito.


Quem são os dois grandes inimigos do Brasil?
Bolsonaro e Lula. Ou Bolsonaro e o PT, porque Lula pode travestir alguém, embalar alguém e querer empurrar junto com ele. São dois modelos extremos, autoritários, que de uma forma ou de outra prejudicaram o Brasil.


A senhora foi uma das principais aliadas de Bolsonaro, inclusive chegou a ser líder de governo na Câmara. Se arrepende? Qual foi o estopim da ruptura?
Me arrependi porque ele é uma grande fraude. Tudo aquilo que ele prometeu para mim e para a população brasileira, não cumpriu. Ele se transformou em uma Dilma de calça, estelionato eleitoral. Exatamente o que Dilma era, com menos ainda capacidade intelectual. E olha que ela já tinha capacidade limitada. Ele é aquele que olha nos olhos de alguém, promete uma coisa e quando vira faz outra. (A ruptura foi) Quando vi que tudo aquilo que nós entendíamos que seria a mudança do País seria mais do mesmo, e que ainda o presidente estava sacrificando a Polícia Federal, a honra da Polícia Federal, de parte dela, sacrificando o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), fazendo aliança com bandido para proteger seu filho corrupto, ladrão, que acabou de comprar mansão de R$ 6 milhões. Quando um servidor público tem dinheiro para comprar mansão de R$ 6 milhões se ele não for rico de nascença ou tiver herança, ou for magaempresário, que não são o caso? Não tem como, ainda que ganhe o teto. É um deboche. Eles estão batendo na nossa cara e dizendo: ‘Olha, estou roubando. Estou roubando e diga que sou um mito’. Quando olho esse tipo de coisa, como eu poderia cruzar os braços? Fui líder do governo? Sim, aos trancos e barrancos, porque não foi fácil para mim engolir tantos sapos, vendo tantos erros, mas tendo de segurar esse boi na unha porque tinha uma reforma da Previdência para ser aprovada, porque senão o Brasil iria quebrar. Comecei a ver que alguma coisa não cheirava bem já logo que assumi a liderança, aí a relação começou a ficar um pouco desgastada, fui me afastando e toquei a reforma no Brasil inteiro, esse era meu foco. Mas no momento em que a reforma foi aprovada, sabia que ali eu não ficava mais um mês, justamente porque o modus operandi da coisa explodiu, o presidente da República tentou literalmente roubar o meu partido por meio do filho dele, o Eduardo Bolsonaro, e eu lutei pelo que é certo. E rompi com essa turma, que se transformou em gangue comandando o País.


Essa ‘gangue’ à qual a senhora se refere seria o ‘gabinete do ódio’?
O gabinete do ódio junto com seus tentáculos, que são os deputados ditos bolsonaristas, que, na verdade, são os capachos do presidente. Estão lá porque querem um pedacinho de poder e têm medo de não se manterem vivos politicamente se não estiverem agarrados no presidente da República. Isso torna um político capacho. Então é essa capachada que fica em volta, além do gabinete do ódio, que usa seus gabinetes para também fazer a mesma coisa e têm redes em todo o Brasil. É realmente um grupo grande, não é grupo pequeno nem orgânico. É grupo grande, organizado, e tem lá a robozada, que sempre a gente vê no Twitter em alguma discussão, uma hashtag subindo de apoio ao atual presidente, ou de crítica a um desafeto, o negócio sobe em cinco minutos. Lá vão os programas de robôs. Sempre pegamos os robôs trabalhando.


Acredita que os ataques direcionados pela família Bolsonaro à senhora impactaram diretamente na eleição majoritária em 2020?
Sim, sem dúvida! Tem até um levantamento feito por um instituto de pesquisa que mostra que eu fui a política, entre homens e mulheres, mais atacada nas redes, de longe. Depois vieram Manuela d’Ávila e Benedita da Silva, coincidência ou não todas mulheres. E as mulheres são atacadas não só pela questão política, mas porque são mulheres. Tem a tecla do duplo machismo, negócio muito pesado. Como se criou e espelhou muita fake news, as pessoas não têm condição muitas vezes de acessar a informação correta, não confiam em muitos veículos de comunicação, isso acaba prejudicando. Mas não foi só isso. Foi a divisão do meu partido, o não posicionamento do meu partido, a pandemia. Somado a isso o ataque de uma gangue digital, uma quadrilha, grupo organizado, organização criminosa, que passa dia e noite me atacando e a outras pessoas do partido, mas eu eu sou o alvo preferencial deles. Dormem e acordam pensando em mim todo dia. Coisa freudiana, talvez (Sigmund) Freud possa explicar.


Como a senhora avalia a aliança de Bolsonaro com o Centrão?
Ele está na mão do Centrão, está pagando aluguel para ficar presidente. Aliança foi isso. Ele sabe que cometeu série de erros, de crimes, que poderia levá-lo ao impeachment, crimes de responsabilidade, além de todas as coisas envolvendo a pandemia, tanto que uma CPI está na boca para ser iniciada no Senado. O pessoal está segurando, mas está lá. E aí, como ele sabe dos erros que cometeu, trouxe o Centrão, entregou parte considerável do governo, entregou R$ 200 bilhões, cargos e espaços públicos para o Centrão e está pagando aluguel. É presidente que paga aluguel para ficar no Palácio do Planalto. Quando acabar o dinheiro do aluguel, acaba o amor também. Centrão é muito pragmático. Centrão foi base de apoio de (Michel) Temer (ex-presidente), da Dilma, do Lula e vai ser base de apoio do Bolsonaro enquanto pagar aluguel, depois, tchau e bênção. A gente vê que já vieram os recado para Bolsonaro: ‘Olha, não vamos deixar a condução da pandemia ser assim’, ‘tem alguns remédios que são fatais’, recados pesados. Essa aliança não vai durar muito não.


Com esses recados do Centrão, percebe-se mudança de discurso de Bolsonaro. A senhora acha que os eleitores dele irão entender e continuar o apoiando?
Esses eleitores do efeito manada não. Esse é o tipo de eleitor do Lula. Lula roubou, fez esquema de corrupção, podia enforcar cinco criancinhas em praça pública que esse povo que adora o Lula iria continuar dizendo ‘pai Lula’. E do Bolsonaro a mesma coisa. Esse pessoal que foi envolvido por esse projeto todo, de comunicação, e que endeusa Bolsonaro – que é uma coisa estúpida endeusar qualquer criatura política, sem sequer ver o que ele apresenta, o que faz –, esse povo não. Pode ser que um pouquinho aqui, outro ali, mas a massa não. Os fanáticos são sempre os fanáticos, são assim com políticos, com religiões, com homens que se dizem de Deus, mas que, na verdade, manipulam pessoas. Para os fanáticos não vai mudar muita coisa. As pessoas que param e pensam têm capacidade crítica de entender onde os erros aconteceram, e o mal que se está fazendo ao Brasil, que, de fato, hoje estão nesse miolo aí – que, dependendo do instituto de pesquisa, varia de 40% a 54% –, esse miolo que é nem-nem: nem Lula nem Bolsonaro.


Como a senhora avalia a condução de Bolsonaro no enfrentamento à pandemia?
Não teve! Ele só boicotou. Boicotou todo o enfrentamento da pandemia. Hoje nós n
ão temos vacina no Brasil em número suficiente por responsabilidade única e exclusivamente dele. Lá atrás ofereceram 160 milhões de doses de vacina ao Brasil, e ele disse ‘não’. Era momento em que o Brasil poderia ter saído na frente. Aí a pandemia explodiu, os outros países vieram em cima da vacina e o Brasil ficou para trás. Não fossem os esforços do nosso (Instituto) Butantan e do trabalho do governador de São Paulo, João Doria, nós não teríamos vacina no Brasil. E agora temos a boa notícia de vacina 100% nacional, a Butanvac. Até quando o presidente da República faz graça falando da vacina, eu pergunto para ele no Twitter: ‘E aí, já agradeceu ao João Doria?’ O que o Ministério da Saúde fez foi só atrapalhar. É uma tragédia por dia. O presidente da República causou essa tragédia e continua. Agora mudou um pouco o tom e colocou a máscara. Quanto tempo isso vai durar? Fez isso por quê? Está com medo do impeachment? Se lá atrás a Câmara tivesse feito seu papel, votado o processo de impeachment, deixado (Hamilton) Mourão (vice-presidente) na condução do Brasil, nós não estaríamos nesta crise que estamos hoje. Óbvio que teríamos a pandemia, enfrentaríamos, mas não teríamos esses números de guerra. O Brasil tem 3% da população do planeta, e corresponde por 24% das mortes. É muita coisa! Um quarto das mortes do planeta acontece no Brasil. Por quê? Por incompetência. O presidente da República realmente, na condução, uma palavra, apenas uma palavra o define: tragédia.


E a do governo de Doria?
Gostem ou não do governador de São Paulo – aqui não se trata de gostar, você pode ser petista, tucano, bolsonarista, ou pode não ser nada –, mas o fato é que a vacina existe porque o governador de São Paulo aplicou recursos de São Paulo, do povo de São Paulo no Butantan para que houvesse o desenvolvimento da vacina. Em todo território nacional, a proporção hoje é a de que de cada dez vacinas, oito são do Butantan. Essa proporção chegou a ser de dez-nove. Em julho teremos essa vacina nacional. Tudo isso está sendo feito por São Paulo. O que o Ministério da Saúde fez foi só atrapalhar, inclusive o (ex)ministro (Eduardo) Pazuello corre grande risco de ser preso por tudo o que fez, pela crise de Manaus, pela crise em algumas regiões no Interior de São Paulo, onde ele confiscou medicamentos e alguns hospitais ficaram sem anestesia para entubar. A lambança que foi feita significou mortes, muitas mortes, e hoje passamos, infelizmente, recentemente mais de 3.000 mortes registradas por dia. Nas Torres Gêmeas houve pouco menos de 3.000, nós ultrapassamos. Só temos vacina por conta de São Paulo, do Butantan. Aqui não é querer ou não querer, gostar ou não gostar. Basta comparar, fatos são fatos.


Então pode-se inferir que a senhora aprova a condução de João Doria nesta pandemia?
Na área da saúde sim. Mas tenho minhas críticas em relação à questão do lockdown. Por quê? Precisamos de lockdown? Claro que precisamos. Precisamos de isolamento? Em alguns casos sim, mas em outros, de distanciamento. Deveria ter se instituído protocolo em São Paulo, como um todo, para que nós tivéssemos a possibilidade de manter o metabolismo basal das empresas funcionando, para que não houvesse tanta quebradeira e tanto desemprego. Claro, todo mundo quer lockdown, mas como é que se paga a conta no fim do mês? É isso que as pessoas pensam. Aquele que trabalha ganhando comissão, em restaurante, profissional liberal, as pessoas que vendem coisas nos semáforos. Quando fecha tudo, tira a oportunidade de minimamente o dinheiro estar circulando. Teria de ser feito plano um pouco mais avançado para isso ou o governo entregar socorro, para o pequeno empresário. Só que nada (foi feito)! Sei que o cobertor é curto, que o dinheiro é curto, mas esse equilíbrio é muito tênue, porque não se pode sacrificar vidas. Tem de ter protocolo. Qual é? O restaurante era 50% (de ocupação devido ao distanciamento) e agora é 20%, então agora todo mundo recebe máscara nova ao entrar, passa álcool gel, tem distanciamento, e pronto. Aí faz o rotativo. Em uma loja não podem entra dez pessoas. Então entram cinco, duas, mas mantendo o metabolismo basal. Acho que nesse ponto a mão forte do Estado deixou muita gente com a corda no pescoço. Vou levar essa sugestão ao governador, para que realmente tenhamos algum equilíbrio para manter portas abertas do comércio em São Paulo.


Os prefeitos da região, por meio do Consórcio Intermunicipal, levaram ao governador o pedido de lockdown na Região Metropolitana, que foi negado. A senhora vê essa possibilidade?
Não sei, porque não conversei com o governador a respeito. Mas acho que se houver pedido dos prefeitos embasado, com argumentos, imagino que o governador possa, de fato, ceder.


O que a senhora acha que deve ser feito para acelerar a vacinação?
Mais vacinas. Tem de ser feito agora o que o governo federal não fez. Tem de trazer vacina. Veja que as vacinas nossas, produzidas aqui no Butantan, estão circulando no Brasil todo. Se as vacinas produzidas aqui estivessem aqui, nós teríamos número grande, bem maior de pessoas imunizadas. Mas o Butantan precisa atender o País como um todo, como tem de ser. Mas precisamos de mais doses de vacinas. O Butantan está trabalhando contra o tempo. Vem uma fábrica aí também, uma nova fábrica de vacina, 100% nacional, tem a vacina nacional, e é isso que nós precisamos, de população imunizada, segundo cientistas, que bata a casa dos 75% da população. Então não tem outra solução: é vacina, vacina, vacina e acabou. E o governo federal tem de botar a mão no bolso, porque os impostos são do povo, não são do governo, que não tem árvores de dinheiro. Esse imposto sai do bolso do trabalhador brasileiro e tem de devolver isso em vacinas para a população brasileira, para que possamos retomar minimamente a vida normal, que já não será tão normal. O coronavírus veio para mudar realmente a visão de mundo, os protocolos terão de continuar sendo seguidos mesmo com a imunização. Aquelas grandes aglomerações são coisas que tendem a acabar, justamente por questão sanitária. Mas a vacina é a única solução, e o governo federal tem de fazer o trabalho que não fez há um ano.


Agora o governo federal criou comitê de crise...
Nós estamos um ano com a pandemia, com mais de 300 mil mortos, e o governo federal criou quando um comitê de crise? Agora, um ano depois. Um ano depois! Depois de tanta lambança, de o presidente falar que era só uma ‘gripezinha’, que não é ‘coveiro’, de debochar do povo brasileiro, aí resolve criar um comitê de crise. E quando fala desse comitê, o que isso significa? Um grupo que se reúne uma vez por semana e não decide nada. É isso. Quando o presidente da República chama reunião com governadores, chama sete governadores, aliados, daqueles que nunca dizem ‘não’ ao presidente. O País tem sete Estados? São Paulo foi deixado de fora, Estados do Nordeste foram deixados de fora, Estados do Sul foram deixados de fora. Que brincadeira é essa? Que presidente é este, que só preside, que só ajuda a comandar os Estados que têm aliados, em alguns casos até capachos? É lamentável um negócio desse. Não é isso que o Brasil precisa. Precisa de condução forte, que não é autoritarismo, isso é ser troglodita, ser ogro. Condução forte é (ser) firme, para que nós tenhamos boas relações internacionais, mais e mais insumos para a vacina, para que possamos comprar a vacina o mais rápido possível no menor preço e imunizar a população.


Em 2022 a senhora vem à reeleição ou tem outras perspectivas?
Claro que o plano A é a reeleição (a deputada federal). Algumas pessoas me procuraram com com outros planos, discutindo questões majoritárias, mas tenho trabalhado em duas frentes. Uma é que estou fazendo meu mandato, estou atuando em São Paulo e em Brasília, estou ajudando a fazer um plano político para 2022 para o Brasil, independentemente de quem seja o candidato. São contribuições que já estão sendo colocadas no papel, plano de governo mesmo, para entregar para esses candidatos, sejam quem forem eles. E aí o que vai ser dentro desse grande campo, desse tabuleiro de xadrez, se eu vou estar na casa do bispo, do cavalo, da torre, do rei ou da rainha, a gente vai decidir um pouquinho ali na frente.


A senhora pede apoio de colegas para PEC que permita perda de cargo de presidente da República por incapacidade mental. Embora não cite Bolsonaro, seria já para esta legislatura?
O ideal é que fosse para esta legislatura. Eu já disse que seu eu fosse deputada na época em que Dilma foi presidente teria proposto a mesma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), porque nós não temos no ordenamento jurídico um remédio constitucional para os casos de incapacidade mental do presidente da República, como têm os Estados Unidos. Lá há a emenda 25, e foi baseada na emenda 25 que eu propus essa PEC. Imagina se tiver alguém totalmente incapaz mentalmente no cargo, ou psicopata completo no cargo, fazendo umas das maiores atrocidades, continua presidente da República, porque a nossa Constituição só tem o remédio jurídico do impeachment para crimes de responsabilidade. Isso é muito grave. E aí, em sendo PEC, óbvio que não é para tratar apenas deste presidente, é proteção contra todos os outros que virão. Veja que o Brasil já elegeu duas pessoas que temos claramente de questionar a sanidade e a capacidade mentais, que são Dilma e Bolsonaro. Quem decide isso? Uma junta de médicos capacitados, que não tenham nada a ver com questões ideológicas e partidária, isso é votado no Congresso. Não é questão de vontade. É questão muito séria, até porque, tem de se comprovar a incapacidade mental. Nós precisamos entender que na política brasileira tivemos péssimos exemplos e que um texto desse protegeria nosso Brasil. É realmente colocar no ordenamento jurídico um remédio parta incapacidade ou para total insanidade.


Mas o remédio para isso seria o impeachment... A senhora acha que existe essa possibilidade? Tem algo caminhando nesse sentido?
O impeachment é crime de responsabilidade. São coisas diferentes. Tão graves quanto, talvez mais grave no caso da insanidade, da incapacidade. Em relação ao impeachment, neste momento é algo que está fora do escopo, porque o presidente comprou parte do Congresso para chamar de seu. Está pagando aluguel para ser presidente. Enquanto o aluguel estiver sendo pago, pode ser que ele esteja – pode ser, não é certeza –, que ele fique absolutamente tranquilo. Mas se ele continuar com tantos erros na condução da pandemia, a ponto de a rejeição dele incomodar esses líderes do Centrão, esses governadores aliados, o pessoal pula do barco. O motivo técnico para processo de impeachment já existe: interferência na Polícia Federal, a questão do Coaf (Conselho de Controle de Atividade Financeira), a questão envolvendo a pandemia. Isso e tudo que o presidente já fez estão aí. Agora o impeachment é o processo técnico e o processo político. E para o processo político tem de haver clima político para isso, e esse clima político, porque Bolsonaro distribuiu essas benesses todas, não existe dentro do Congresso Nacional.


Raio X

Nome: Joice Cristina Hasselmann

Estado civil: casada

Idade: 43 anos

Local de nascimento: Ponta Grossa, Paraná, e mora na Capital paulista

Formação: jornalista

Hobby: cozinhar e maratonar

Local predileto: minha casa

Livro que recomenda: o que estou lendo agora: Sobreviventes e Guerreiras, de Mary Del Priore

Artista que marcou sua vida: muitos, mas tenho carinho especial por Toquinho (cantor)

Profissão: jornalista e escritora

Onde trabalha: Câmara dos Deputados – Palácio do Congresso Nacional – Distrito Federal, Brasília.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;