Setecidades Titulo No fio da Covid
Colapso à vista
Do Diário do Grande ABC
31/03/2021 | 09:31
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Nario Barbosa/DGABC


Não é novidade nenhuma, para quem está minimamente ligado no noticiário, que vivemos o pior momento da pandemia do coronavírus – hospitais lotados, profissionais da saúde cansados e sobrecarregados, ameaça de falta de remédios e de oxigênio, filas de espera por leitos e gente morrendo nas filas sem conseguir o atendimento necessário. A lista é longa e assustadora.

E ainda tem gente que não leva o perigo a sério. Saem às ruas sem máscaras e não cumprem os protocolos de segurança, como distanciamento físico e uso de álcool gel nas mãos. Medidas simples, na verdade. Nada complicado. Complicado pode ser o resultado desta combinação: o colapso do sistema de saúde em todo o País. Na prática, você vai procurar atendimento porque está muito mal e não haverá a menor possibilidade de conseguir ajuda. Você ou uma pessoa querida, sua mãe, avó ou um filho, não terá atendimento quando mais precisar. E isto não está longe de acontecer também em Santo André, se as pessoas não tomarem consciência e se cuidarem.

“Infelizmente está chegando o momento em que teremos de escolher quem vai viver. Eu tenho medo de isso acontecer. Ser responsável por quem vive e por quem morre. É um peso muito grande e estamos vendo que esse momento vai chegar”, reflete a enfermeira Ana Paula Moíno Janoti, coordenadora dos hospitais de campanha.

O que ela tenta explicar é que não haverá leitos ou respiradores para todas as pessoas que precisarem. E os profissionais de saúde terão de escolher quem vai receber socorro e quem vai ficar esperando na fila, correndo o risco de morrer. Sem qualquer chance.

O coordenador médico do hospital de campanha Pedro Dell’Antonia, José Roberto Marson Dente, diz que “mais do que nunca precisamos que as pessoas fiquem em casa, que façam isolamento, não façam aglomerações”. Segundo ele, a unidade nunca esteve tão cheia. “Nunca estivemos numa situação tão crítica quando estamos hoje.”

“Espero que não vire uma realidade”, diz o médico, sem esconder a preocupação. Segundo ele, até o momento a equipe de profissionais da saúde de Santo André está conseguindo prestar o atendimento necessário a todos. E ele confia que consigam manter o nível de atenção e cuidado que praticam desde a instalação do hospital de campanha. “Espero que não chegue numa situação de colapso, de termos de fazer escolhas que não são dignas do ser humano.”

José Roberto Dente alerta e pede que as pessoas “coloquem a mão em sua consciência e seu coração e façam aquilo que é necessário para o bem comum, o bem de todos”. Que significa respeitar o isolamento social, fazer distanciamento, usar todas as formas de prevenção da doença, para que não chegue a colapsar o serviço de saúde.

Não é sensacionalismo o que passa na TV e se lê nos jornais. É realidade. “Se a gente não respeitar o lockdown, vamos colapsar. Em um ano, o hospital nunca ficou tão cheio, nunca tivemos tantos entubados. Nossos dias estão difíceis”, reforça o médico Jimmy Teixeira Achá, coordenador do NIR (Núcleo Interno de Regulação).

O pior, segundo ele, é que nas últimas semanas o sofrimento está aumentando pela alta demanda de solicitação de internações e a piora do quadro da população. Achá avalia que, apesar do que tanto se noticia a respeito da pandemia em todos os meios de comunicação, “a população em geral deu uma relaxada. Se continuar desse jeito, vai chegar uma hora que não vai ter espaço pra todo mundo. E pessoas vão acabar morrendo”.

A sociedade tem de se conscientizar para que Santo André não passe pelo que Manaus, no Amazonas, passou, quando um número grande de pessoas morreu sufocada, por falta de oxigênio. É o que vai acontecer se nada mudar. “Vamos quebrar, superlotar, não vamos poder receber mais ninguém e pessoas vão morrer.” Na opinião do médico, o que falta para população é amor ao próximo.

São vidas, não números; e não é só uma gripezinha. As pessoas estão morrendo e se a gente não parar agora, de vez, não vai ter volta.
A enfermeira Michele Aparecida Fonceca fica comovida ao ver passar, a seu lado, mais uma vítima que não resistiu. E conta que é tanto estresse e tanto sofrimento que até já pensou em desistir. “Mas olhei em volta e vi esses pacientes que não escolheram estar aqui; me dói muito pensar que se eu desistir, talvez não tenha alguém pra auxiliá-los neste momento, por falta de profissionais.”

O que a machuca mesmo, ela conta, é ver que muita gente ainda ri da situação. “Não veem o que eu vejo”, diz, numa referência à maca que passava com um paciente que acabara de morrer. “E eu vejo isso todos os dias. Só que eles não têm essa consciência. É uma família que vai receber essa notícia e que não vai ter nem a possibilidade de se despedir.”

‘Foco não é a doença, mas o ser humano’
Se tem um nome que está na boca de toda pessoa curada de Covid que deixa o hospital de campanha Pedro Dell’Antonia, este é o do dr. Dente. Ou do ‘Zé Roberto’, como se referiu a ele o aposentado Mário Sérgio Cossovan para agradecer os imensos cuidados que recebeu. “Esse homem não é humano. É um milagre de Deus.”

José Roberto Marson Dente, coordenador médico do Pedro Dell’Antonia, interrompeu a vida profissional para se dedicar exclusivamente ao hospital de campanha. A qualquer hora, de segunda a segunda, pode ser encontrado por lá, passando em cada um dos leitos, um por um, conversando e reforçando o ânimo das pessoas.

“Arrisco-me a dizer que nunca me senti tão bem profissionalmente como dentro de um ginásio, podendo fazer a diferença na vida das pessoas. Isso para mim é uma alegria muito grande, é uma missão de vida”, diz o médico, que define os fundamentos de sua prática como “assistência integral às pessoas, tratar o ser humano, não a doença”.

E o profissional quer que esse mesmo cuidado as pessoas pratiquem fora do hospital. Que a população pratique no seu dia a dia o cuidado, o respeito e o carinho com seu semelhante. Com toda a humanidade.

Trabalhando na Prefeitura de Santo André desde 2005, o dr. Dente já atuou no Samu, em UPAs e em hospitais do município; no pronto-socorro também coordenava a equipe de clínica médica cuidando dos pacientes em regime de internação.

Quando assumiu o mesmo trabalho no Dell’Antonia, direcionado à Covid, sentiu que era um desafio, mas uma situação “amedrontadora, porque pouco se sabia sobre a doença, muito se temia pela efetividade do tratamento, pelo sucesso que poderíamos ter, e até pela própria segurança e de sua família”.

Um temor que logo ficou para trás. Como faz questão de falar mais um paciente agradecido, o músico Leandro Matias Ondei: “Quero falar o nome do médico porque ele foi muito especial pra mim, o jeito de tratar, de olhar, de cumprimentar, não ter medo de colocar a mão na gente. É o dr. José Roberto Dente”.

O médico explica: “A gente logo percebeu que esses pacientes precisavam mesmo era de calor humano, de afeto, de contato e de uma palavra amiga; sentiam faltam de uma mão amiga, de um ombro pra chorar”. Diz que foi então que se deu conta da missão a ele confiada. “Não era cuidar de doentes, não era cuidar da doença, era cuidar das pessoas, dar exatamente esse suporte emocional. A mão que se estende pra ajudar a levantar e, acima de tudo, transmitir uma mensagem de fé, de confiança e amor.”




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