Projeto contemplado em edital emergencial cria painel de 130 metros quadrados no Jardim Ruyce
Quais as cores e as formas das pessoas que moram em Diadema? A resposta para essa pergunta tem múltiplas opções, uma vez que a população da cidade – que tem a maior densidade demográfica do País – é formada por muitos migrantes e imigrantes. Tentar retratar um pouco dessa gente batalhadora parece ter sido o objetivo alcançado no painel pintado na fachada de um condomínio residencial no Jardim Ruyce. A tela gigantesca, de 130 metros quadrados, que ficou pronta em 15 dias, é um dos 228 projetos contemplados na Lei Aldir Blanc, que foi criada para distribuir recursos emergenciais aos artistas afetados pela pandemia de Covid-19.
Clodoaldo Almeida da Silva, 36 anos, mais conhecido como Pixote Mushi, é o autor da obra. Junto com o produtor Rafael Souza, 35, e os artistas Lucas Rise, 22, e Breno Nobre, 22, ele viu no lançamento do edital a oportunidade de realizar um projeto grandioso que vislumbrava já há bastante tempo. Com a possibilidade de se candidatar ao recurso, convidou Souza para a apresentação do projeto, que foi contemplado com R$ 10 mil.
Após ter sido selecionado, Pixote procurou os responsáveis pelo condomínio, que apoiaram a ideia e liberaram a pintura. O projeto passou por algumas modificações e, na hora da execução, o artista resolveu deixar fluir a arte e foi criando formas, com o seu traço já característico, sem qualquer pretensão de protesto ou militância. “Retratei pessoas negras, de diferentes cores, mas com o objetivo que cada um que visse a obra tivesse a sua leitura”, explicou.
A identificação com a população da cidade, ainda que não tenha sido intencional, foi quase imediata. “Muitas pessoas passavam e brincavam com um colega: ‘Olha lá, estão me desenhando’”, lembrou Pixote. Entre os moradores, a reação foi de satisfação ao ver a parede virar uma grande obra de arte. “Ficou muito lindo. Vejo nele arte, gente trabalhadora e cultura. Eles estão de parabéns”, afirmou a dona de casa Solange Maria de Souza Teixeira, 49. Para o operador de robô Cristiano Silva Teixeira, 33, o grafite explica um pouco da história do povo nordestino que veio para Diadema à procura de oportunidades. “Muitas pessoas que viram esse painel também pensam assim, que realmente deu vida àquele espaço”, concluiu.
As folhagens que Pixote escolheu para a base da sua tela vieram de lembranças da infância, das muitas touças de coração magoado, ou coléus, tipo comum de vegetação e que sua mãe cultivava. “Não que as pessoas retratadas estejam magoadas, mas porque na minha memória elas eram muito presentes”, pontuou. Coração Magoado acabou sendo o nome da obra.
Com mais de 20 anos de experiência em grafites, Pixote tem se aventurado há cerca de quatro anos em grandes produções, e afirma que tem focado seu trabalho na cidade onde sempre morou. “Já busquei atuar em São Paulo, mas acaba sendo uma bolha difícil de furar. Aqui, dou aula na Fábrica de Cultura, e poder fazer minha arte na cidade me dá mais ainda a sensação de dever cumprido”, completou.
Sobre o edital, Pixote avalia que o instrumento de financiamento deve ser mais utilizado, pois tem a capacidade de tirar projetos da gaveta. “É importante que o poder público reconheça essa forma de fomentar e que as empresas do Grande ABC possam se aproximar para essa construção coletiva, criar na região um circuito para que os artistas não precisem sair daqui.”
O artista se prepara para realizar outro grande painel, também com os recursos da Lei Aldir Blanc, mas busca patrocínio para complementar o custo do projeto, que será, oficialmente, uma homenagem aos nordestinos. Informações e apoios no site pixotemushi.com ou pelo telefone 97090-6242.
Ao todo, 228 iniciativas foram aprovadas
Artistas e produtores culturais de Diadema foram contemplados para produção de 228 trabalhos, nas mais diferentes áreas, com recursos da ordem de R$ 2,031 milhões. Produtor cultural e integrante do coletivo ATQN (Antes Tarde do Que Nunca), Rafael Souza, 35 anos, disse que a realização do edital veio em momento de necessidade dos artistas, supriu algumas carências, mas também explicitou outras. “Pessoas que trabalham há anos com cultura, mas não dominavam como realizar um projeto, ou muitas vezes nem tinham internet para acessar o que era preciso”, pontuou. “Mostrou que a gente precisa de formação nessa área”, apontou. O Instagram do coletivo é o @atqn.oficial.
Souza colaborou como proponente em alguns dos trabalho e espera que, após esse edital, novas oportunidades semelhantes surjam e que o poder público se reaproxime da classe artística da cidade. “Muita coisa acontece em Diadema, mas a gente acaba fazendo muito disso sozinho, na raça”, comentou. Jonas Rocha, 37, mais conhecido como Jerona Ruyce, foi contemplado e tem desenvolvido projeto que, em suas palavras, cruza estratégias, estéticas e políticas. “A gente já estava produzindo em casa e a lei emergencial veio para dar fluxo ao que já estava em andamento”, detalhou.
Em umas das iniciativas, Jerona pediu, por carta, que pessoas que ele já conhecia enviassem embalagens plásticas de produtos que utilizam no seu dia a dia. Com o material, produziu máscaras, óculos e outros objetos cênicos, que serão usados na produção de fotos e vídeos, em um conteúdo sobre como produzir pensamento e arte a partir de coisas. “A lei (Aldir Blanc) veio ajudar a gente não enlouquecer, fomentar a arte e gritar que a gente passa fome, que temos muita dificuldade”, completou, relatando que vários artistas tiveram que vender seus materiais de trabalho para se manter. A produção de Jerona Ruyce pode ser conhecida no Instagam do artista, @jeronaruyce.
A produtora cultural e atriz Renata Juliana Reis da Silva, 34, implementou o Laboratório Narrativas Pretas, curso com foco em produzir literatura com histórias mais diversas do povo preto. A formação já está ocorrendo com 23 escritores, que contam com a orientação da professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Elaine Marcelina. A produção do projeto conta com a participação de Filipe Fontes, 24. Ao final das dez aulas, haverá o lançamento de um blog e exposição nas praças de Diadema com trechos dos textos criados pelo grupo.
Fred José da Silva, 31, foi contemplado para a produção do minidocumentário Terreiro do Brincar, Brinquedos e Folguedos de Diadema, que mostra a atuação de mestres e coletivos da cidade que trabalham com a cultura popular. O documentário está em fase de produção e aguarda que a administração libere o logo da Prefeitura para uso no material. Renata e Silva fazem parte do coletivo Calundu, que desde 2016 atua na produção cultural da cidade. “Existem coletivos organizados, profissionais capacitados e propostas muito interessantes espalhados por toda a cidade. Acredito que quem olhar com cuidado para esse movimento pode sair ganhando, e muito”, afirmou Renata. As produções do coletivo podem ser conferidas em @coletivocalundu.
Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.