Economia Titulo Novos tempos
Em 31 anos, emprego na indústria da região se reduz pela metade

Trabalho formal em comércio e serviços disparou 156% de 1989 a 2020

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
24/01/2021 | 00:01
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Celso Luiz/DGABC


Na década de 1980, o Grande ABC se destacava como um dos principais palcos da indústria no País. Porém, ano após ano, o cenário foi mudando, e os grandes galpões que empregavam expressivo número de trabalhadores de macacão são cada vez mais raros. O número de empregos na indústria da região, que em 1989 chegava a 363 mil, despencou em 56% no ano passado, para 160 mil, ou seja, mais da metade foi perdida em 31 anos.

Os dados foram levantados pelo coordenador do Conjuscs (Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura), da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Jefferson José da Conceição, a pedido do Diário. A base considerada foi a da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério da Economia.

Nesse período, a representatividade dos trabalhadores do setor industrial nas sete cidades caiu de 62% do contingente total do mercado formal para 25%. Ao mesmo tempo, os segmentos de comércio e serviços trilharam caminho oposto e tomaram esse espaço, ao passar de 31% para 64% do total de empregados com carteira assinada. Em 1989, cerca de 183 mil colaboradores atuavam em comércio e serviços da região e, de lá para cá, o volume saltou em 156%, para 470 mil. Ao todo, o mercado de trabalho formal cresceu 20%, para 706 mil profissionais (veja nas artes ao lado).

O número de empresas do setor industrial foi reduzido a praticamente um terço nesses 31 anos, de 640 para 287. Os grandes estabelecimentos tiveram a redução mais drástica: das 50 companhias que abrigavam mais de 1.000 empregados em 1989, restaram apenas 17 em 2020, queda de 66%.

Para Da Conceição, isso acontece pela reestruturação da indústria, com novos métodos de automação e terceirização, além da evasão de empresas a outras cidades, por causa da guerra fiscal. “No caso dos segmentos de serviços e comércio, houve gradativa internalização de atividades antes realizadas fora do Grande ABC, como shoppings, alimentação, entretenimento e lazer e serviços administrativos em geral”, citou. Casos emblemáticos como o da Brastemp, que fechou em 2007 na divisa entre São Bernardo e São Paulo, e teve a estrutura transformada em supermercado, e o Grand Plaza Shopping, em Santo André, inaugurado em 1997 e sediado na antiga fábrica da Black & Decker, são apenas alguns destes exemplos.

“Continuar competindo via escala de produção e de custos (com menor tecnologia e maior volume) desde meados da década de 1990 tem se mostrado não ser estratégia plausível para o Brasil nem para o Grande ABC no longo prazo. Isso trará sequencialmente pressão por redução de custos, por vezes, a qualquer preço”, complementou o coordenador do Observatório Econômico da Universidade Metodista de São Paulo, Sandro Maskio.

O último grande golpe sofrido pela indústria na região foi o fechamento da fábrica de caminhões da Ford, localizada em São Bernardo, em 2019. O episódio que deixou sem emprego 2.800 operários, era o indício que sinalizava anúncio feito pela montadora norte-americana há duas semanas: a saída definitiva do Brasil.

Hoje proprietário de loja de material de construção em Santo André, o casal Ana Paula Lopes Cardoso, 39 anos, e Valcir Candido Cardoso Júnior, 39, que se conheceu na linha de montagem da Ford (leia mais abaixo), reviveu toda a agonia de dois anos atrás. “Quando vemos os trabalhadores de Taubaté (Interior) e Camaçari (Bahia), nos dá aperto no coração porque foi exatamente isso que passamos. Toda a nossa renda dependia de lá”, contou Ana Paula, que trabalhou por seis anos na Ford.

“Na época, fiquei perdido, porque sempre pensei que ia me aposentar na montadora”, disse Cardoso, que trabalhou 12 anos na montadora. “Foi um momento que pareceu que o chão se abriu. Foi muita agonia. E depois toda aquela incerteza se a Caoa ia comprar a unidade, mas eu já sabia que não conseguiria mais encontrar emprego como aquele.” A planta da Ford dará espaço a complexo logístico a ser erguido pela Construtora São José.

Trajetória na fábrica valeu a pena, diz casal 

Para o casal Ana Paula Lopes Cardoso e Valcir Candido Cardoso Junior, que se conheceu na Ford e têm uma filha de 3 anos, toda a trajetória dentro do chão de fábrica valeu a pena. Após um ano de muita pesquisa, eles investiram a rescisão em loja de material de construção em Santo André.

Desde o início de 2020 à frente do negócio, também especializado na venda de churrasqueiras, eles passaram pelo segundo baque, pois logo teve início a pandemia. “Sabíamos que os três primeiros meses do ano eram ruins por causa das contas e ninguém costumava gastar com churrasqueira. Em março, pensamos que começaria a melhorar e veio a Covid. Nos assustamos, mas seguindo todos os protocolos conseguimos manter as portas abertas, porque o setor de material de construção é considerado essencial. E teve um movimento grande porque, com a quarentena, as pessoas pensaram em fazer melhorias na casa para adaptações com o home office e até mesmo pequenos reparos”, contou Cardoso.

Segundo o casal, a renda obtida hoje, embora não revelem valores, é equivalente à que tinham juntos, na Ford. “Foi a decisão mais correta que pudemos tomar, e a lição que ficou foi que nada é para sempre, nem mesmo a Ford. Com pé no chão, conseguimos bons resultados”, disse Ana Paula, que usa caminhão que ajudaram a produzir para fazer as entregas, o que mostra o carinho pela marca.

Para reverter esse cenário, é preciso apostar na tecnologia 

Especialistas e sindicalistas que há anos acompanham a indústria da região avaliam que a aposta na tecnologia e maior integração com os setores público e educacional podem ajudar a reverter este quadro. Mesmo que em setores diferentes. 

“Precisamos conversar com as câmaras municipais, prefeituras e universidades. Porque se trata de processo de conversão (trazer mais empresas de tecnologia para a região), e um só ente não vai conseguir resolver o problema. A região tem vantagens competitivas, além de ser um mercado consumidor importante”, afirmou o ex- presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e presidente do TID Brasil (Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento), Rafael Marques.

Para o secretário-geral do sindicato e vice-presidente da Agência de Desenvolvimento do Grande ABC, Aroaldo Oliveira da Silva, é iminente a discussão sobre o futuro da região. “Queremos fazer seminário sobre o que o Grande ABC vai ser em 2030”, afirmou. “Temos de lembrar que boa parte do setor de serviços fornece diretamente para indústria, que mantém a base da tecnologia. Há necessidade de diversificação. Por exemplo, hoje poderíamos estar produzindo seringa, agulha e respiradores mas, para isso, é necessário rediscutir as cadeias de produção global e a região.”  




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