Assim como os protagonistas, Acerola e Laranjinha, vividos por Douglas Silva e Darlan Cunha, a série Cidade dos Homens cresceu e apareceu. Em sua terceira temporada na Globo, o programa idealizado por Fernando Meirelles, da produtora O2 Filmes, não precisa mais dizer a que veio. Afinal, na segunda temporada já não restavam dúvidas de que tem conteúdo, fôlego e unidade de sobra. Apesar dos diversos diretores, os episódios têm uma cara própria e não demoraram a conquistar um espaço para os personagens no imaginário do público. O desafio atual, então, é justamente acompanhar o amadurecimento de Acerola e Laranjinha, enveredando por temas mais espinhosos.

Surgido como um projeto especial dentro da programação da Semana da Criança em 2002, Cidade dos Homens acertou em cheio ao deixar de lado as louras figuras habitualmente idealizadas para as crianças e apostar num retrato da verdadeira infância de boa parte da população brasileira. Com leveza, bom humor e uma visão esperançosa da realidade, Fernando Meirelles e os diretores convidados investiram na crueza da vida nos morros cariocas e criaram autênticas aventuras infanto-juvenis, mas de uma forma nunca antes vista na TV brasileira. Em 2003, já se notava uma mudança no foco das atenções de Acerola e Laranjinha, que passaram a dar maior importância à azaração nos bailes que às brincadeiras no morro. Na atual temporada, o enfoque é visivelmente mais adulto. Depois de viverem sua iniciação sexual, cercada de ansiedade e expectativa, no episódio A Estréia, os personagens enfrentam o drama da gravidez na adolescência, a pressão do tráfico e a luta pelo primeiro emprego, entre outras adversidades da vida madura.

Pelo que já se viu até agora, o processo de amadurecimento da série tem sido conduzido com a mesma maestria que deu origem a ela. Desta vez, a direção-geral cabe a Paulo Morelli, que também dirigiu os episódios A Estréia e Olho por Olho. Fernando Meirelles, diretor de Cidade de Deus, está envolvido com a montagem do longa-metragem inglês O Jardineiro Fiel. A maturidade do programa é tão grande que a ausência do idealizador e principal catalisador do projeto não resulta em perda da identidade. Estão lá a leveza e o bom humor que desde o início caracterizam as aventuras de Acerola e Laranjinha. Mas também a crueza e a gravidade dos percalços que marcam seus primeiros passos na vida adulta, visíveis sobretudo pela mudança nos temas centrais dos episódios.

A experiência com as temporadas anteriores também traz a Cidade dos Homens vantagens que têm sido bem traduzidas na forma de inovações lingüísticas dentro do modelo proposto pelos próprios idealizadores. O desenvolvimento de um estilo que lembra o documental, por exemplo, começou na segunda temporada e vem sendo aprofundado agora. Isso ficou claro logo no primeiro episódio, A Estréia, no qual a câmara acompanhou de perto as ansiedades de meninos e meninas com relação a seus primeiros envolvimentos amorosos, em diálogos bem ao estilo de depoimentos. Além disso, é bela a idéia de povoar as lembranças de Acerola e Laranjinha com imagens vividas pelos personagens nas primeiras temporadas da série. Os flashbacks servem tanto à dramaturgia de cada episódio quanto ao desejo do telespectador de rever momentos anteriores da vida dos personagens e do próprio programa. O recurso contribui ainda para aumentar a identificação do público com os personagens, visto que ele tem a oportunidade de se sentir como testemunha da história de seus heróis.

E é justamente na criação de dois heróis nada idealizados - pobres, marginalizados, fora dos padrões de beleza valorizados pelos meios de comunicação e sujeitos às pressões do tráfico nas comunidades carentes - que reside o grande mérito de Cidade dos Homens. Se a série nasceu abrindo espaço para mostrar uma infância habitualmente esquecida, agora se transforma num belo instrumento para discussão de diversos temas sociais de suma importância. Com a vantagem de colocá-los na vida de personagens que, com seu carisma, já conquistaram a simpatia do público.