São enormes as dificuldades que o mundo enfrenta perante a pandêmica obesidade e inegavelmente andamos em círculos por muitas décadas pregando os mesmos equivocados conceitos. Erramos quando culpamos o obeso pelo seu estado, pois o mesmo apenas atende aos desejos desencadeados por ações hormonais em seu cérebro. Em outro equívoco afirmamos que o emagrecimento é uma questão de força de vontade, no que pode ser uma parcial verdade, contudo, sua sustentabilidade flerta com o impossível.
Mas, talvez o que façamos de mais inapropriado seja oferecer os exercícios físicos e a dieta saudável como tratamento para obesidade, quando na verdade esses comportamentos nos protegem do ganho de peso e não o tratam. Só haverá emagrecimento se houver balanço energético negativo, ou seja, se o consumo for menor que o gasto calórico e neste caso convencer o obeso a se submeter a graus variáveis de fome encontra inúmeras fronteiras.
Sem admitir a falibilidade quase absoluta das mudanças comportamentais como recurso de emagrecimento e muitas vezes desconsiderando os tratamentos farmacológicos ou cirúrgicos, muitos profissionais criam seus próprios modelos terapêuticos. São discursos motivacionais que se acompanham de orientações inusitadas buscando induzir o portador da obesidade a um “eu acredito” com prazo de validade variável em sua fidelidade no acompanhamento.
Supostas intolerâncias alimentares como causa para o ganho ponderal, ou, que se apresentam como tratamento paralelo àquele para perda de peso, são entregues para causar impacto e conquistar a cumplicidade do pretenso magricelo. A intolerância ao glúten e à lactose são os diagnósticos mais frequentes, os quais de fato ocorrem na população geral, frequentemente diagnosticado por médicos gastroenterologistas, porém, na raridade que os dados de sua prevalência fazem esperar.
O glúten é melhor definido como o conjunto composto por duas proteínas que ocorre naturalmente em alguns cereais, tais quais a cevada, triticale, centeio e notadamente no trigo, onde corresponde a 80% do total proteico desse vegetal. A farinha de trigo, ainda que seja majoritariamente composta de amido, possui entre 7% e 14% de proteínas, sendo que deste universo aproximadamente 80% é representado por glúten.
Alguns indivíduos desenvolvem extenso dano na parede intestinal promovido por este composto, ou talvez, seja melhor dizer que o glúten provoca uma reação autoimune na parede intestinal que altera completamente a superfície absortiva, sendo este o contexto que caracteriza a DC (Doença Celíaca). A investigação diagnóstica começa com a pesquisa sorológica de anticorpos específicos e é confirmada pela biópsia intestinal.
É importante o entendimento de que o impedimento da absorção da DC é generalizado, para todos os nutrientes e não somente para os alimentos que contenham glúten, condição que gera desnutrição grave. A retirada de todos os alimentos que o possuam em sua composição é condição imperativa para a sobrevivência do paciente, pois, só desta maneira o processo autoimune passa a regredir e com isso a mucosa de absorção retoma suas funções de maneira gradual e lenta.
A sensibilidade não celíaca (ou intolerância ao glúten) guarda clinicamente estreita semelhança com a DC, porém, os testes sorológicos são negativos e a biópsia intestinal é normal, contudo, tal qual na DC, a retirada do glúten soluciona todas as queixas após algum tempo. Por outro lado, as queixas digestivas que surgem apenas com o consumo de produtos com glúten podem se relacionar a alergia ou dificuldade digestiva para estas proteínas. Infelizmente é bastante comum o diagnóstico de intolerância ao glúten sendo entregue em protocolos alternativos de perda de peso, assustando indevidamente o paciente para conquistar temporariamente sua adesão.
A intolerância à lactose pode ter diagnóstico irrefutável se pesquisada laboratorialmente, mas não é incomum a orientação da retirada do leite e derivados como estratégia de emagrecimento, justificada apenas pela “experiência” de quem a prescreve.
Estas estratégias não são danosas pelo que não resolvem, mas sim pelo que perpetuam. Ao responsabilizar o obeso pelo fiasco terapêutico a culpa se derrama na vítima, que consternada, aceitará passivamente medicamentos e cirurgias de doenças resultantes do que pensa ter criado.
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