Parte da classe política do Grande ABC abriu voz e espaço para mulheres negras na composição das campanhas majoritárias na esteira do crescimento do movimento antirracista pelo mundo – em especial nos Estados Unidos, que vive verdadeira ebulição no tema desde a morte de George Floyd, em maio, após ser sufocado por policial branco.
Na última semana, três pré-candidatos a prefeito no Grande ABC anunciaram companheiras de chapa com o mesmo perfil. A vereadora Bete Siraque (PT) terá ao seu lado Morgana Ribeiro (PCdoB) na corrida eleitoral em Santo André. Felipe Magalhães (PT) aposta na união com Jacque Cipriany (PT) em Ribeirão Pires. E o também vereador Akira Auriani (PSB) escolheu Paula Alves (Rede) na dobrada em Rio Grande da Serra.
Aos 31 anos, Morgana foi apresentada pelo PCdoB à cúpula do PT no último fim de semana. Filiada à UBM (União Brasileira de Mulheres) e ao Unegro (União dos Negros pela Igualdade), ela faz questão de dizer ser feminista. Mora na periferia de Santo André – no bairro Cidade São Jorge. Foi lá que, durante a juventude, passou a conhecer outros movimentos sociais e o rap, estilo musical que nasceu junto à cultura negra.
“Estamos assistindo a muitas mortes de pessoas negras, não só no Brasil, como nos Estados Unidos. Vivemos um período marcado pelo conservadorismo, o que está legitimando pessoas a se identificarem com pautas racistas”, declarou Morgana, filiada ao PCdoB desde 2011.
“Independentemente do que fazemos, devemos ter em mente que nós, negros, sempre estivemos militando, levantando nossas bandeiras”, afirmou a pré-candidata andreense. “Estamos prontas para ocupar os espaços. Somos maioria no País, como mulheres e como negros.” Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres. O mesmo IBGE mostra que 56,2% dos brasileiros se declaram pretos (9,4%) ou pardos (46,8%).
Quem também cultiva admiração pelo rap e pela cultura do hip hop é a advogada Jacque Cipriany, 38, moradora do bairro Ouro Fino, em Ribeirão Pires. Divorciada e mãe de gêmeas de 9 anos, ela é especializada em direito cível e criminal. Mas sua paixão é o rap.
“Pelas rimas que eu escrevo acabo externando e entendendo minhas dores”, afirmou. A advogada sustentou que a falta de políticas públicas voltadas especificamente para a comunidade negra “ainda escancara e sangra feridas que são denunciadas há muito tempo”. Na visão de Jacque, a mulher sempre construiu, dentro das estruturas partidárias, alternativas para os diversos problemas enfrentados, como racismo, machismo e falta de representatividade. “Meu nome é fruto da militância negra dentro do PT, que sempre discute esse assunto. Mas há de se pontuar que os problemas que nossa comunidade enfrenta não se encerram com a candidatura de pessoas negras.”
Paula Caroline Souza, 33, é empreendedora social e vive na Vila Santa Tereza, em Rio Grande da Serra. Ela alegou que há muita responsabilidade em carregar a possibilidade de se tornar vice-prefeita da cidade. “Há uma insatisfação por parte da sociedade de achar que a política é lugar de poucos. Mas eu represento essas famílias, que moram, vivem na cidade e que acreditam na possibilidade de mudança”, apontou a pré-candidata. Paula defende a bandeira de melhor educação, que, na visão da empreendedora, é uma ferramenta para mostrar alternativas positivas para os estudantes. “Queremos ter uma gestão próxima à população e que seja sem rótulos. Alguns dele
s nos afastam da política.”
Mestre e doutor em história econômica e integrante do Neabi (Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros) da UFABC (Universidade Federal do ABC), Ramatis Jacino comentou que o fato de três mulheres negras serem alçadas a nomes de destaque na política do Grande ABC significa uma “grande vitória” do movimento negro em busca de uma sociedade igualitária.
“O fato de a questão racial estar latente em todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos, pode ter influenciado essas escolhas. Mas devemos lembrar da luta histórica da população negra também. É importante que se diga que os principais aliados (da comunidade negra) dentro da política são os partidos e movimentos de esquerda”, avaliou.