Nunca tantos escreveram tanto sobre tão poucos homens do presidente. Só a eleição do primeiro operário à Presidência da República em 2002 bastaria para municiar jornalistas e cientistas sociais para escrever biografias e sínteses da trajetória de Lula como homem público. De fato isso ocorreu – nem na era FHC saíram tantas obras sobre seu longo período na Presidência quanto nos tempos sob Lula. Mas nem o mais pessimista comentarista político imaginaria que seria no governo da esperança, principalmente neste 2005, que brotaria um farto manancial para crônicas, livros-reportagens e análises da mais grave crise política originada por uma avalanche de denúncias de corrupção.
Até o mês passado haviam chegado às livrarias Lula e Mefistófeles, Por Dentro do Governo Lula, Como a Corrupção Abalou o Governo Lula e Da Independência a Lula. Há uma semana surgiram os títulos mais recentes, Memorial do Escândalo e A Esperança Estilhaçada. Ano passado, antes da crise, foram lançados Governo Lula – Da Esperança à Realidade, Governo Lula – Decifrando o Enigma, A Globalização e a Política – De FHC a Lula e Lula – Entre a Impaciência e a Esperança. Em 2003, despontaram nas prateleiras títulos biográficos como A História de Lula: O Operário Presidente e Lula, O Filho do Brasil.
Está longe a conclusão da crise e, talvez por esse motivo, há em comum, em todas as análises, a decepção e a certeza da perda no monopólio da ética na política pelo PT (Partido dos Trabalhadores). A crise ainda deve durar até outubro do ano que vem, e certamente contaminará as eleições. Mas as editoras não esperaram. Aproveitam a temperatura do momento para narrar o calor da crise em muitas páginas. Muitas outras ainda serão preenchidas, pois a história está em curso. Portanto, há a promessa de segundas edições, revisões, epílogos e capítulos extras.
Metáfora – A Jangada do Medusa, óleo sobre tela pintado entre 1818 e 1819 pelo francês Theodore Géricault (1791-1824), é uma metáfora de corrupção no governo, obra-prima fundadora do Romantismo no século XIX, uma crítica política expressada em arte. Mede 4,9m x 7,1m e está no Museu do Louvre, em Paris. Representa uma situação de crise entre o desespero e a esperança em que os sobreviventes de um naufrágio avistam o barco que os resgatará. Cada personagem da cena tem atitudes e expressões que representam seus sentimentos e personalidades, alguns no limite do desespero, outros em plena agonia, outros demonstrando uma firmeza frágil. A direção do olhar obedece uma diagonal da esquerda para direita, de baixo para cima. A partir desta linha imaginária também os olhares dos personagens se deslocam em direção à figura que acena para o barco que os salvará.
Géricault produziu a tela no exato calor de uma crise, pois o naufrágio ocorreu em 1816, na costa da África, e originou um escândalo de corrupção política na república francesa pós-Napoleão, com tentativas de abafar o caso e censura à imprensa. O navio francês Medusa afundou por incompetência do capitão, conde de Chaumareix, aristocrata inativo havia 25 anos e que obteve o posto por influências políticas. Ele e os oficiais embarcaram no bote salva-vidas e abandonaram os marinheiros, considerados seres sociais inferiores. Eram 149 e ficaram à deriva por 13 dias, vivendo cenas de canibalismo e loucura. Somente 15 sobreviveram. Coincidência: 15 são os deputados ameaçados de cassação pelo Congresso – um, poderoso, já foi: José Dirceu. Nau à deriva é uma imagem adequada ao nosso momento político.
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