A noite mais aguardada das convenções partidárias americanas costuma ser a última, quando acontece o discurso do candidato à presidência. No evento democrata deste ano, porém, as atenções estão menos voltadas para Joe Biden. A expectativa da noite desta quarta-feira, 19, será a união histórica do primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama, com a primeira negra a disputar a vice-presidência por um grande partido, Kamala Harris.
O elo entre os dois é justamente Biden, que foi vice de Obama e escolheu Kamala como parceira de chapa. Biden deve ao eleitorado negro sua nomeação. Depois de um começo frustrante nas primárias, ele venceu as prévias da Carolina do Sul graças ao apoio dos eleitores negros. A questão racial já era parte importante da plataforma do democrata, mas o tema ganhou ainda mais força após os protestos antirracismo, que começaram em junho.
O terceiro dia da convenção foi batizado de Uma união mais perfeita, mesmo nome dado por Obama ao discurso que fez, em março de 2008, quando disputava a indicação do partido à Casa Branca. A apresentação feita na Filadélfia foi um marco, pois foi a primeira vez que ele falou abertamente sobre racismo e reconheceu os EUA como um país dividido. "Trabalhando juntos seremos capazes de curar algumas de nossas velhas feridas raciais, e de fato não nos resta escolha, se desejamos continuar no caminho de uma união mais perfeita", disse Obama, na ocasião.
Não faltam paralelos entre o discurso original de Obama - um ex-presidente popular e reconhecidamente melhor orador do que Biden - e o momento atual. As simetrias serão exploradas nesta noite. Obama disse na ocasião que a questão não poderia ser ignorada e ressentimentos raciais "ajudaram a dar forma à paisagem política do país ao longo da última geração".
Os democratas buscam explorar a ideia de que Donald Trump aprofundou o racismo na sociedade americana, uma sensação que mobilizou jovens de centenas de cidades a ir às ruas, em meio à pandemia de coronavírus, para protestar contra o racismo e a violência policial. A morte de George Floyd, em Minneapolis, foi o estopim de uma insatisfação crescente com a forma como o atual presidente trata as questões raciais. Os protestos tiveram apoio de uma ampla coalizão multirracial.
Em 2017, quando um homem atropelou manifestantes que protestavam contra simpatizantes do neonazismo em Charlottesville, Trump foi criticado por não condenar o ataque de supremacistas brancos - ele disse apenas que havia muito ódio "em ambos os lados". Biden escolheu o aniversário de três anos do atentado supremacista branco em Charlottesville para anunciar o nome da Kamala Harris como vice.
Durante os protestos deste ano, em sua maioria pacíficos, Trump chamou os manifestantes de "radicais", "anarquistas", "saqueadores" e "bandidos". Ele colocou grades no entorno da Casa Branca e defendeu o endurecimento da resposta policial - o oposto do pedido feito nas ruas.
O presidente também publicou vídeos descontextualizados nas redes sociais com imagens de negros agredindo brancos e foi contrário ao movimento para retirar estátuas e monumentos de personagens históricos com passado escravista.
A receita de pregar a união, ainda que imperfeita, para superar uma grande crise será repetida hoje por Obama. Como em 2008, ele alerta para "duas guerras, a ameaça terrorista, uma economia em queda, uma saúde em crise crônica e alterações climáticas potencialmente devastadoras". "Problemas que não são negros, brancos, latinos ou asiáticos, mas sim problemas que todos nós temos de enfrentar", disse.
Depois de duas noites em que os democratas falaram sobre lideranças do passado e do presente, a noite de hoje pretende apontar para o futuro de um governo Biden. Kamala Harris deve ser apresentada como a materialização deste futuro.
O partido tende a celebrar o fato histórico por trás da escolha dela, a primeira negra com chance de chegar à Casa Branca. O tom será o de que Biden e Kamala podem retomar a construção da união social menos imperfeita defendida em 2008 por Barack Obama.
A dúvida da noite é se o ex-presidente e Kamala abordarão as feridas internas do partido deixadas durante as primárias, como o fato de a senadora californiana ter acusado Biden de ter criticado, anos atrás, uma política da década de 70 que previa misturar alunos brancos e negros nos ônibus escolares como ferramenta para acabar com a segregação racial de crianças. Se seguirem o roteiro de Obama em 2008, os democratas devem mencionar os problemas, mas pregar a união, ainda que imperfeita.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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