Cultura & Lazer Titulo
Aldemir Martins essencial
Ricardo Ditchun
Do Diário do Grande ABC
29/09/2005 | 08:59
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Pautar-se pela arte de gente como Luiz Sacilotto, Candido Portinari, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, José Pancetti, Flávio de Carvalho, Ismael Nery, Manabu Mabe e Aldemir Martins, hoje, é trabalho descomplicado. Difícil mesmo, para tais criadores, foi cravar visões artísticas em tempos de regimes políticos encharcados de totalitarismo e, conseqüentemente, ameaças físicas e morais. Mais: em tempos de enfrentamento estético universal – modernistas em geral versus academicistas comungados, sobretudo.

O último nome lembrado, Aldemir Martins, é assunto no Masp (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) por meio de exposição generosa – do ponto de vista numérico e qualitativo – que pode ser visitada somente até dia 2 de ou-tubro. Aldemir Martins por Aldemir Martins – Sete Décadas de Sucessos Artísticos, para observadores menos afoitos, atentos a aspectos que vão além do propósito explicitado no título, também revela o embate resumido acima.

De imediato, os tais 70 anos conduzem o público a meados da década de 30 do século passado, quando Aldemir, 82 anos, inicia sua jornada desde a pequena Ingazeiras, no Vale do Cariri, no Ceará. O perfil biográfico, como sempre, grita alto quando o artista – como sempre afirmou Aldemir, aliás – não esconde a íntima ligação entre sua história social e psicológica e a obra que produziu e produz.

E aqui se impõe, ainda, além das duas grandes batalhas enfrentadas (a política e a estética revolucionária), a importante práxis do criador infestado de experiências territoriais específicas. A mostra de Aldemir Martins, de caráter retrospectivo, adquire então um significado mais notável assim: montada no coração financeiro e cultural de São Paulo, mas com essa fortíssima raiz regional, nordestina até a medula. Eis o terceiro enfrentamento de Aldemir – sem intenção piegas –, o embate entre o nordestino das entranhas nordestinas e uma das centralidades urbanas mais importantes da América Latina. Ecos da Semana de 22? Um pouco, talvez. Mas muito mais, nesse caso, uma atitude ousada de um cabra-macho que soube se impor por seus méritos e crenças.

Assim, entre as 136 pinturas e 56 obras sobre papel expostas no Masp, Aldemir explicita sua essência nordestina com a força de traços e cores corajosamente modernos. O tour parte dos primeiros trabalhos e chega aos contornos consagrados dos dias atuais. Passa, é claro, pelo flerte com o construtivismo e o geometrismo – verdadeira tentação para quem criava em fins da década de 40 e início dos anos 50.

Simples, quase simplória em sua organização espacial, a exposição foi disposta em segmentos temáticos. Aldemir, por ocasião da abertura da mostra, em 23 de junho deste ano, declarou não ter gostado muito desse arranjo: "Elas (as obras) têm que ficar soltas, que nem mulher." Mesmo assim, elogiou o trabalho de Benemar Guimarães, um dos curadores do evento.

O passeio pelo universo de Aldemir prossegue por grandes salas que reúnem a bicharada toda (gatos, galos, corujas e outros pássaros, peixes, caranguejos), figuras humanas (cangaceiros, cenas cotidianas, trabalhadores, pescadores, mulheres, baianas, rendeiras, nus) e naturezas mortas e paisagens (frutas, vasos de flores, cactos, praias, dunas, palmeiras, casario).

Elegância formal, surpreendente e explosiva palheta de cores (Aldemir, como se sabe, é um dos geniais coloristas brasileiros), virtuosismo do traço (qualidade revelada sobretudo nos muitos e bons desenhos eleitos para a exibição), notável e, por vezes, aflitiva percepção de linguagens e imagens que perseguem o artista e caráter documental. Eis os motivos mais evidentes – há outros – que fazem desta mostra um programa imperdível.

(colaborou Gislaine Gutierre)

Aldemir Martins por Aldemir Martins – Sete Décadas de Sucessos Artísticos – No Masp – av. Paulista, 1.578, São Paulo. Tel.: 3251-5644. Das 11h às 18h (a bilheteria fecha às 17h). Ingr.: R$ 10 e R$ 5 (estudantes com carteirinha da Une e Umes); entrada franca para crianças até 10 anos e maiores de 60. Até 2 de outubro.




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