Como filme, Rede de Ódio, disponível na Netflix, pode ter vários problemas. E tem mesmo. Mas guarda o mérito de nos chamar a atenção para a enrascada em que a humanidade se meteu com a invenção das chamadas redes sociais. Ou seria melhor chamá-las de redes antissociais?
O personagem principal é Tomasz Giemsa (Macie Musialowski), um jovem estudante de Direito. Na primeira parte da história, Tomasz é submetido a dois episódios de humilhação. Num, é expulso da faculdade sob acusação de haver cometido plágio em um trabalho escrito. No outro, é recebido na casa dos Krasuk, casal de ideias liberais, que o protege e banca seus estudos. Mas, usando de um subterfúgio tecnológico, Tomasz logo descobre que as mesmas pessoas que o protegem também o desprezam. Zombam de suas maneiras toscas à mesa. Enfim, os Krasuck se assemelham a muitos liberais do mundo todo, gente vagamente à esquerda, que adora o povo desde que ele seja mantido a distância.
Portanto, a primeira parte do filme é dedicada a apresentar Tomasz como um personagem ressentido - e, portanto, disposto a tudo para se vingar. Como é hábil em tecnologia, Tomasz logo encontra emprego num escritório que é um verdadeiro ninho de cobras dedicadas a arrasar reputações alheias. São manipuladores profissionais de redes sociais e cobram alto por seu trabalho.
Prestam serviço a pessoas físicas sedentas por se vingar de desafetos, mas também a empresas dispostas a arrasar com a concorrência e a políticos ávidos por difamar seus rivais. Há uma eleição em vista e a disputa pela prefeitura turbina a procura pelos serviços dos difamadores profissionais.
Ao mesmo tempo que toca na raiz de uma das grandes questões contemporâneas, Rede de Ódio também padece de uma série de pontos fracos em sua dramaturgia. Que um jovem ressentido e ambicioso se preste a um trabalho como esse é perfeitamente crível em nossa sociedade. Que tenha tamanha facilidade para enrolar seus opositores é menos convincente.
O perigo desse tipo de dramaturgia sem nuances é convencer o público que o problema são as "pessoas do mal" que podem causar danos a ingênuos e inocentes. Quando, na verdade, o desafio é mais amplo e de natureza estrutural. As fake news se difundem em velocidade geométrica, em geral acobertadas por perfis falsos, e isso configura um desafio crucial em nossas sociedades. Quer dizer, um problema que vai além da boa ou da má vontade das pessoas envolvidas, que, aliás, somos todos nós.
Em meio a essa facilidade dramatúrgica, Rede de Ódio tem o mérito de apontar o gigantesco desafio que se coloca para as sociedades contemporâneas. O estabelecimento de regras para as redes sociais pode ser visto como atentado à liberdade de expressão. Deixá-las à solta, sem qualquer tipo de controle, parece ser um suicídio para as democracias. Como fazer? Como alcançar um ponto de equilíbrio? São perguntas ainda sem respostas, presentes de maneira latente nessa obra de ficção.
Além de seu facilitário dramatúrgico, Rede de Ódio sofre ainda das limitações da direção algo pesada de Jan Komasa (o mesmo de Corpus Christi). A pouca fluidez narrativa, às vezes, dá um ar de artificialidade à obra. Como se o filme estivesse engessado pela necessidade de demonstrar uma tese prévia.
Apesar das reservas, Rede de Ódio é um filme a ser visto. Muitas vezes um impasse social fica mais nítido quando colocado sob a forma de ficção, ainda que essa tenha lá os seus limites.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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