Brasileiros que perderam familiares para doença tentam driblar a saudade e a dor
A Covid-19 mudou a forma de se ver o mundo, as relações interpessoais e a rotina de milhares de brasileiros. Mas ninguém sentiu mais do que quem perdeu familiares para a doença. Ainda mais se o ente era a principal ou única companhia. São os órfãos que sentem na pele o poder devastador do coronavírus, que pôs fim a vida de mais de 106 mil brasileiros, quase 2.000 deles no Grande ABC.
O assistente de supervisão Rafael Rodrigues, 35 anos, é um desses casos. Ele perdeu a mãe, a aposentada Santina Quaquarine Rodrigues, 63, e o pai, o também aposentado Valdir Rodrigues, 66, para a Covid-19. Santina procurou a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Perimetral em março, com sintomas da doença. Depois de dois dias internada, a unidade encaminhou a aposentada para o CHM (Centro Hospitalar Municipal), direto para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), onde ficou por 64 dias. “Minha mãe já tinha problema renal, os dois rins já estavam comprometidos e com a Covid, tudo se agravou, tanto que ela ficou esse tempo todo na UTI”, destaca Rafael.
Durante o período de internação de Santina, seu marido, Valdir, caiu no quintal de casa, no Jardim Stella, em Santo André, e também precisou de atendimento médico. Também com a suspeita de ter testado positivo para a Covid-19, foi encaminhado ao hospital de campanha do Complexo Pedro Dell’Antonia e, após passar 20 dias internado, morreu dia 1º de maio. Um mês depois, outro golpe em Rafael, Santina também não resistiu. “Me lembro ainda que pela saúde já debilitada, não autorizaram a falar da morte do meu pai para minha mãe. Foi tudo muito rápido, uma perda seguida da outra”, lamenta.
Rafael se ampara na mulher e no filho para superar o momento. “Sem eles não sei como enfrentaria tudo isso. Sei que a vida continua e que a dor vai passar, mas a saudade sempre vai ficar, independentemente de quanto tempo demore.”
Quem também se viu órfão foi o analista de vendas Caio Fernandes, 26, que perdeu a avó, a aposentada Francisca Rodrigues, 65, com quem morava em um apartamento no Rudge Ramos, em São Bernardo. Francisca foi internada em hospital da rede privada em São Paulo, dia 10 de junho, com os sintomas da Covid-19, como cansaço e falta de ar. “No caso dela, foi muito rápido. Minha avó não chegou a ficar internada um mês, quando teve a parada cardíaca e morreu”, comenta o neto. A aposentada morreu em um domingo, dia 28 de junho.
A família de Fernandes mora no Interior e o jovem ficou em São Bernardo para conseguir estudar e trabalhar. “Morávamos juntos há quatro anos e agora estou procurando novo apartamento para mim. Dividíamos as contas e só eu estava saindo para fazer as compras ou ir até uma farmácia, além de trabalhar. É uma dor imensurável”, lamenta o analista. “É aquilo, nunca imaginamos que pode acontecer com alguém tão próximo da gente. Sei que essa dor não vai passar, mas sei também que preciso continuar minha vida, mas não será a mesma coisa. A saudade fica.”
Psicóloga diz que superar luto é desafiador
A psicóloga Celia Siqueira constata que o fato de passar pelo luto sozinho é extremamente complicado e diz que a pessoa pode acabar desenvolvendo série de doenças psicológicas. Apesar das dificuldades de quem perdeu a principal ou a única companhia, o ideal é se amparar em amigos ou outros familiares.
“Claro que depende de pessoa para pessoa, mas o fato de o paciente ter companhia ajuda muito. Não vai deixar de existir aquele sentimento de perda, mas ajuda a superar”, explica. “O sintoma dessa dor é igual para todo mundo, mas a dosagem com que ela aparece é diferente. Se a pessoa conseguir se apoiar em alguém, a dosagem será menor”, comenta.
A psicóloga lembra que o luto faz parte da vida, mas a perda repentina para doença que ainda é cercada de mistério tende a agravar o entendimento, além de aumentar o medo de também se contaminar. “Estamos lidando com situações de pacientes que nunca lidamos antes. Percebo que, além da morte, o medo também está presente na família e amigos da pessoa que morreu, justamente, por causa das dúvidas sobre a doença”, avalia Celia. “Outra coisa é se despedir da pessoa querida sem um enterro e velório normais. Essa despedida é importante e sem ela pode causar ainda mais dor”, finaliza a psicóloga.
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